Folha de S. Paulo
Ao enfrentar Executivo, Judiciário se
debilitou e abriu espaço para Legislativo
Como explicar que os Poderes Judiciário e
Legislativo tenham adquirido enorme importância entre nós? Historicamente, o
poder dominante é o Executivo, que se confundia com abuso. Rui Barbosa foi
preciso quando o denunciou como "o grande eleitor, o grande nomeador, o
grande contratador, (...) o poder da força".
No pós-Guerra, os presidentes continuaram poderosos politicamente, embora possuíssem poderes constitucionais limitados. A Constituição de 1988 delegou amplos poderes ao Executivo como forma de superar deficiências do arranjo anterior (MPs; iniciativas exclusivas em matéria administrativa, tributária e orçamentária; poderes de agenda etc.). Mas a constituinte adotou a estratégia "coleira forte para cachorro grande" e delegou igualmente vastos poderes ao Judiciário e ao Legislativo (embora a este menores).
Sim, o Executivo perdeu poder, por exemplo, com as emendas constitucionais
sobre MPs (2001) e o Orçamento, que se tornou crescentemente impositivo. Mas
a dinâmica
política tem se alterado também.
Penso que o STF adquiriu grande
centralidade na última década devido aos sucessivos escândalos de corrupção e
devido à ascensão de um governante iliberal. O mensalão representou o primeiro
evento no qual as cortes superiores demonstraram forte autonomia e
independência. O episódio do impeachment presidencial e os
julgamentos do TSE deram sequência.
Com a ascensão de Bolsonaro, a corte teve
que escolher a batalha existencial que travaria. Acabou escolhendo a contenção
de Bolsonaro e abandonando a Lava Jato, à qual dera suporte importante. (Aliás,
não importam as distinções partidárias: o governismo de turno sempre denunciará
o "jacobinismo
judicial").
Estes episódios acontecem em um quadro de
enfraquecimento do Poder Executivo (evidenciado por ameaças de impeachment),
associado a fatores como crises econômicas, escândalos, sentimento
antissistêmico e hiperfragmentação partidária. Seu desenlace, no entanto,
produziu igual debilitamento do próprio Judiciário. É nesse duplo processo de
fragilização institucional que o Poder Legislativo se fortaleceu, aumentando
seu protagonismo.
Chavez, Ferejohn e Weingast argumentaram
que, nos EUA, a autonomia judicial aumenta em períodos de governo dividido e
diminui quando forças rivais controlam os Poderes Executivo e Legislativo, impedindo
assim um conluio entre estes Poderes contra o Judiciário. O equilíbrio é
instável: se o STF julga membros do Legislativo, este tem poder para impedir
juízes. (Não tenho espaço para discutir o papel crucial da opinião pública).
Fragmentação política aumenta autonomia. Se
isto é verdade, quais serão os cenários para os futuros governos?
*Professor da Universidade Federal de
Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).
Um comentário:
Quem sabe,sabe!
Postar um comentário