segunda-feira, 19 de setembro de 2022

Polarização não termina com pleito, diz Valenzuela

Para ex-subsecretário de Estado americano, tendência de setores do centro a apoiar Lula é crucial para evitar cenário de completo autoritarismo no Brasil

Por Marsílea Gombata / Valor Econômico

O alto nível de polarização que há no Brasil hoje continuará, independentemente do resultado da eleição. Para o país sair desse cenário de animosidade, o centro político tem papel crucial, afirma Arturo Valenzuela, professor da Universidade Georgetown e ex-subsecretário de Estado americano no governo Obama.

 “[A polarização] provavelmente não acaba com a eleição. O que permitiu que [Joe] Biden fosse eleito foram forças de centro. [No Brasil], vejo certa tendência em direção a setores de centro que poderiam apoiar Lula”, diz, em entrevista ao Valor. “E, no discurso, creio que Lula está tomando uma posição mais centrista.”

Ele alerta que uma vitória do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no primeiro turno pode levar a um governo mais esquerdista. A reeleição de Jair Bolsonaro, por outro lado, pode levar o Brasil, em tese, para um rumo autoritário.

Valenzuela diz, contudo, que a polarização em um país multipartidário como o Brasil é menos preocupante do que nos Estados Unidos, com dois partidos fortes.

Doutor pela Universidade Columbia, onde foi aluno do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, Valenzuela é um dos maiores especialistas em América Latina. Foi subsecretário de Estado para o continente americano além de assessor especial da Casa Branca para segurança nacional e diretor sênior para assuntos interamericanos do conselho de segurança nacional, na presidência Bill Clinton.

No campo acadêmico, é especialista em sistemas políticos, retrocesso democrático e autoritarismo. Entre seus trabalhos mais importantes estão “A Opção Parlamentarista” (1991), em coautoria com referências como Juan Linz, Arend Lijphart e Bolívar Lamounier, e “The Failure of Presidential Democracy” (1994), com Linz.

Valenzuela concedeu a entrevista por Zoom, de sua casa, em Washington. Veja trechos:

Valor: O Brasil vive um risco autoritário?

Arturo Valenzuela: É difícil dizer que esse [governo Bolsonaro] seria um governo completamente autoritário. Não estamos frente a uma situação que se vê em outras partes do mundo, onde a política é controlada por uma pessoa em um sistema autoritário. Mas, sem dúvida, o governo atual se porta de forma bastante autoritária. E isso não significa que o país seja completamente autoritário. É como dizer que sob Trump tivemos nos EUA um governo autoritário, mesmo com ele não reconhecendo a eleição e se portando de maneira autoritária. Bolsonaro atua da mesma maneira. Lembremos que, em determinado momento, Trump pede que as Forças Armadas intervenham para anular a eleição. E, com o que vimos outro dia com a celebração do bicentenário [da independência] do Brasil, a parada militar, a militarização, os ataques contínuos ao Supremo Tribunal Federal, há preocupações de que se Bolsonaro se reeleger poderia ocorrer uma recaída autoritária no Brasil.

O que permitiu que Joe Biden fosse eleito nos EUA foram forças de centro entrando em acordo

Valor: Com mais quatro anos de Bolsonaro, crescem as chances de o Brasil vir a ser tomado pelo autoritarismo?

Valenzuela: Sim, da mesma forma que teria ocorrido nos EUA, se Trump houvesse ganhado no segundo turno. Certamente, Bolsonaro, que critica o sistema eleitoral brasileiro, irá criticar também o resultado das eleições, caso não ganhe. Se ele é um negador das eleições (“election denier”), teríamos um padrão parecido.

Valor: O que pode ter levado a uma erosão democrática no Brasil?

Valenzuela: No início dos anos 1990, Ulysses Guimarães [deputado que presidiu a Assembleia Contituinte] me convidou para falar sobre a importância de um sistema parlamentarista no Brasil, porque esse é meu trabalho acadêmico. E fui ao Brasil [antes do plebiscito de 1993]. Se o Brasil tivesse evoluído para um sistema parlamentarista, teria tido menos choques, que sempre ocorrem em um sistema presidencial de dupla minoria - no qual o presidente não é majoritário [em termos de votação], mesmo se eleito no segundo turno, e a Presidência tampouco é apoiada pelo Congresso, o que é um problema mais sério.

Valor: Seríamos comparáveis à Venezuela chavista ou à Nicarágua com Daniel Ortega?

Valenzuela: O Brasil ainda não está assim. O que estamos vendo na Nicarágua é uma coisa terrível porque foram presos todos os dirigentes opositores, que não puderam participar da eleição porque estavam na prisão. E na Venezuela também. O sistema evoluiu a um autoritarismo quando [Hugo] Chávez e depois [Nicolás] Maduro apelaram à Constituinte para unificar o Parlamento, que se deslegitimizou e perdeu sua força. Isso é algo bastante preocupante. O Brasil não está perto disso, e espera-se que em 2 de outubro a coisa não vá em uma direção perigosa.

Valor: A polarização que há no Brasil deve acabar com a eleição?

Valenzuela: Provavelmente não. Mas insisto: o que permitiu que Biden fosse eleito foram forças de centro entrando em acordo. Em quase todos os países, a direção política é como um formato de sino, em que a maioria das pessoas no meio são independentes, não fanáticos. Os fanáticos estão na ultradireita e na ultraesquerda. E o que estamos vendo é que esse cenário [do meio] é composto por seguidores de Ciro Gomes, a quem não convém dividir a esquerda no Brasil. Vejo certa tendência em direção a setores do centro que estão vendo que poderiam apoiar Lula. E, no discurso, creio que Lula está tomando uma posição mais centrista. É isso que tem de acontecer.

Valor: Isso seria uma mudança em relação ao Lula do passado?

Valenzuela: Creio que sim. Ele disse que não é favorável a travas às privatizações. Vê-se seu discurso mais moderado neste momento. Mas depende muito. Se ele ganhar no primeiro turno, pode ser que seja mais esquerdista, mas não sei. Para governar, ele precisará do centro, de apoio do Parlamento. Até certo ponto, Lula é um personagem que vai da esquerda até o centro. Um pouco como Biden, que era uma pessoa que ia um pouco mais da direita ao centro. Uma reeleição de Bolsonaro seria dramaticamente mais difícil para o Brasil, aí seria perigoso, por tudo o que tem dito, feito e comentado. O que vimos nessa terrível celebração do bicentenário, a militarização, seu discurso contra o Poder Judiciário. Lula não é assim.

Um massivo problema na AL é ter presidentes que se elegem sendo minoritários, ou seja, construídos no 2º turno

Valor: Como sair de um autoritarismo mais aprofundado?

Valenzuela: Tem de ir consolidando o que chamamos de democracia representativa. A sociedade se divide, mas elege representantes para que possam ter um diálogo no Parlamento. Isso é muito importante. O perigo é a democracia direta porque acaba projetando um messias. As pessoas querem que uma pessoa salve a situação, e esse é o caminho ao autoritarismo. É o que vemos no México, vindo da esquerda, com Andrés Manuel López Obrador, e também no Brasil, do lado da direita, com Bolsonaro. E há outros países da região que estão com muitos desafios, como Chile e Uruguai. Mas é preciso ir consolidando a democracia. E lembremos também que os EUA têm tido problemas muito sérios. Chegar a uma democracia estável não é algo sólido e perpétuo. É preciso ir buscando melhorar, fortalecer a democracia o tempo todo.

Valor: Se Bolsonaro ganha e é reeleito, isso significa que os brasileiros preferem um regime autoritário a um democrático?

Valenzuela: O problema é o segundo turno, ao qual eu sou um grande crítico. E tenho dito isso em muitas situações. Um massivo problema na América Latina é ter presidentes que se elegem sendo minoritários, ou seja, construídos no segundo turno. Os candidatos que chegam ao segundo turno são dos extremos do espectro político. Acaba sendo eleito um dos candidatos dos extremos. Ou seja, Keiko [Fujimori] por um lado e Ollanta Humala de outro lado [no Peru]. Vimos isso em muitos outros países, como no Chile com [José Antonio] Kast e [Gabriel] Boric.

Isso contribui também para minorias no Congresso. Ou seja, as presidências latino-americanas passam a ser de minoria. Como eu disse anteriormente, na maior parte das sociedades, a maioria das pessoas está no centro, e não são extremistas. A diferença será muito grande se Lula ganhar no primeiro turno. Se [a eleição] vai para o segundo turno, será mais difícil porque qualquer um que seja eleito não irá representar necessariamente a maioria da população.

Valor: Uma vitória de Bolsonaro significa que a democracia não está funcionando para os brasileiros?

Valenzuela: Me assombraria muito se o Bolsonaro ganhasse a presidência no primeiro turno. Se isso acontecer, significa que a grande maioria dos brasileiros compraram a figura de um messias autoritário. Mas, se não ganhar no primeiro turno e vencer no segundo turno, não seria o messias de todos os brasileiros. Teria uma situação muito mais difícil de governabilidade, porque também terá um Parlamento que será adverso a ele. Então haverá uma situação de instabilidade democrática. Por isso, são necessárias algumas reformas. Estou convencido de que o segundo turno não deveria ser eleitoral. O segundo turno deveria ser no Parlamento. A primeira maioria do primeiro turno teria somente uma semana para criar um governo, um programa, um gabinete etc. Se não o pode fazer, então passa-se à segunda maioria. Parlamentarizar o presidencialismo seria muito importante.

Valor: Reeleição é bom ou ruim?

Valenzuela: É saudável ter um sistema presidencialista em que se possa governar por dois mandatos e acabou. Mas sabemos, pela lógica distinta do sistema parlamentarista, que a primeira-ministra é primus inter pares (está entre iguais) e nada mais. Não é o presidente do Executivo. Quando tiraram do poder Margareth Thatcher, tiraram a primeira-ministra mais importante do período pós-guerra. Mas não foi como fazer o impeachment de um presidente.

Mas quero deixar claro: creio que tem de haver um segundo turno, mas esse não pode ser eleitoral, tem de ser no Parlamento. Porque isso incentiva que setores afins, que estão de acordo, criem uma coalizão governante antes da eleição. E o que acontece quando há uma eleição com o segundo turno eleitoral? Os que são mais afins, mais similares, se dividem. Deixa eu dar um exemplo. O caso do Peru: Ollanta Humala à esquerda e Keiko à direita, no primeiro turno. E quem estava no centro? Pedro Pablo Kuczynski, [Alejandro] Toledo, e o prefeito de Lima, [Luis] Castañeda. E por que não chegaram a um acordo [no primeiro turno]? Porque cada um deles queria passar para o segundo turno. Ou seja, o segundo turno divide os que são mais afins. Não se cria uma coalizão de governo prévia, eles se dividem e isso dificulta. O sistema democrático tem de ter nas regras do jogo incentivos políticos para a cooperação. A chave é dar à primeira maioria uma ou duas semanas para formar o governo. E, se não o pode fazer porque é uma primeira maioria fictícia, então a segunda maioria teria a chance de fazê-lo. E depois passaria a uma terceira maioria, inclusive. Houve um momento na Bolívia em que o Parlamento elegia [o presidente] no segundo turno. E foi eleito Jaime Paz Zamora, que ficou em terceiro no primeiro turno, apesar de Gonzalo Sánchez ter obtido maioria. Tem de haver uma lógica na regra do jogo que incentiva a cooperação.

De maneira alguma, podem ser as Forças Armadas que irão determinar como será a contagem da votação

Valor: Como se mede a resiliência de uma democracia? O Brasil é uma democracia resiliente?

Valenzuela: Uma definição clara tem de estar baseada em duas coisas. Tem de haver Estado de direito. Se não há Estado de direito é impossível uma democracia se consolidar. Tem de haver Estado de direito em primeiro lugar. Se há corrupção, aquilo que ocorria muito no Brasil, de a Presidência com minoria parlamentar comprar parlamentares para ter maioria, então há um problema. Segundo, é preciso consolidar a democracia representativa com partidos políticos fortes, porque são o canal das preferências dos cidadãos até o poder. Quando os partidos caem, desprestigiam o Parlamento, o que leva a uma situação difícil. As pessoas querem um salvador ou uma salvadora. É o que temos visto. Por isso, é preciso consolidar a democracia representativa, que é uma democracia na qual há uma capacidade de negociação para o país, apesar da possibilidade de diferenças muito grandes.

Valor: A forte polarização que há no Brasil é ruim para a democracia? Acaba afetando a economia?

Valenzuela: Estou menos preocupado com uma polarização que possa existir em um país onde há múltiplos partidos, ou seja, em sistemas multipartidários, com um sistema eleitoral que permite listas com opiniões distintas. O problema mais sério que têm os EUA é que sempre se opuseram a ter sistemas eleitorais multipartidários, de listas. E, como há somente dois partidos, a polarização é muito maior - ou se é republicano ou se é democrata. É melhor ter um sistema multipartidário. Depende muito também da qualidade do sistema eleitoral. Tem de ser um que privilegie bem a representatividade do cidadão, ainda que se crie um multipartidismo. Isso evita também a polarização.

Valor: Qual papel a oposição e a comunidade internacional têm em deter o processo de erosão democrática de um país?

Valenzuela: A comunidade internacional tem um papel importante obviamente, e é bastante positivo desde as Nações Unidas e de países importantes. Lembro bem que a primeira defesa da democracia mais forte depois do fim da Guerra Fria não foi iniciativa necessariamente dos EUA, mas dos países latino-americanos, que queriam voltar à democracia. E essa é a famosa resolução 1080 na Organização dos Estados Americanos (OEA), promovida por Chile, Argentina e outros países. Os EUA, durante o governo de Bush pai [George H. W. Bush] e também com Clinton, quando eu estive na Casa Branca, ajudam a consolidar a noção de que os golpes de Estado não são aceitáveis e tem de haver mudanças de governo que sigam o processo constitucional.

Valor: Atualmente, há um debate forte no Brasil sobre as Forças Armadas apurarem a contagem de votos de maneira paralela nas eleições. Como o senhor vê isso?

Valenzuela: As Forças Armadas têm de obedecer ao poder civil. Quando as Forças Armadas passam [disso] - como foi com o golpe de 1964 no Brasil e o de 1973 no Chile - e passam a governar, é algo inaceitável porque [elas] não deveriam ser deliberantes. As Forças Armadas devem obedecer ao poder civil. Dito isso, lembro que no Chile elementos das Forças Armadas ou da polícia militar ajudavam a garantir que não houvesse desordem [na votação]. Nos EUA, é a Guarda Nacional, e não as Forças Armadas, [que fazem isso]. Mas, de maneira alguma, podem ser as Forças Armadas que irão determinar como será a contagem da votação ou qualquer coisa do tipo. Isso tem que ser feito por autoridades eleitorais e civis. Trump, em seu desespero pela reeleição, queria mobilizar as Forças Armadas para apoiar a mentira (“the big lie”), que havia, de fato, ganhado a eleição.

Valor: Há indicativos de outros retrocessos democráticos na região, além de Nicarágua e Venezuela, que são exemplos muito claros?

Valenzuela: Obviamente, ainda há muito a ser fortalecido. Há uma crise na América Central muito séria. Estamos falando não somente da Nicarágua, mas também de El Salvador, que tem tomado uma postura autoritária de direita. E a Guatemala [vai] nesse sentido também. E nesses países, francamente, se requer a presença da Comissão Internacional Contra a Impunidade na Guatemala (Cicig), instituição de Nações Unidas que buscava consolidar o Estado de direito. Isso é importante. Lembremos que a América Latina é muito distinta. O Uruguai, a Costa Rica e o Chile têm a uma tradição democrática mais forte, mas agora essas tradições democráticas estão em perigo, infelizmente. Assim como na Bolívia e no Peru. E sem falar também dos desafios no Equador.

Mas eu tenho certo otimismo. Os países das Américas são as repúblicas mais antigas do mundo. Há muitas de tradição muito mais longa. Com exceção do Brasil, que não abandonou a monarquia até mais tarde, porque os monarcas vieram de Portugal ao Brasil. Quando votou-se pela criação da Organização das Nações Unidas (ONU), em 1945, 40% dos signatários eram países das Américas. Porque a grande maioria dos países do mundo, até meados do século 20, ainda estavam nos grandes impérios. E os grandes impérios não terminaram até os anos 1960 do século passado.

Valor: Depois da terceira onda de democratização, alguns estudiosos falam em uma terceira onda de autocratização hoje. Como vê isso?

Valenzuela: É preciso ter muito cuidado com temas como “terceira onda”. Depende do quão recente é o processo de democratização. Países que tiveram somente alguns anos ou décadas de democratização são mais vulneráveis ao retrocesso. Por isso, um esforço para melhorar o Estado de direito e a democracia terá mais êxito na América Latina ou no leste europeu do que na África ou em países como Mianmar.

3 comentários:

Anônimo disse...

Vocês foram buscar lá traz um esquerdista que foi assessor do Obama, o maluco beleza que agora a gente sabe da sua incapacidade de governar os Estados Unidos
É lamentável o desespero de vocês , fica claro nas entre linhas que vocês já perceberam a possibilidade real do Bolsonaro se eleger no primeiro turno, e é o que vai acontecer ,
Depois de Garanhuns, terra natal do Lula, receber o Presidente com aquela multidão incontável nas ruas e praças
A mesma coisa se repetiu em Caruaru em que a cidade parou e foi pra rua aplaudir Bolsonaro
Isso acontece em todas as cidades em cada canto do Brasil a população de cidade grande ou pequena vai pras ruas aplaudir e apoiar Jair Messias Bolsonaro
Essa é a realidade , e vocês já devem começar a reestruturar os editoriais e as narrativas
Se não vai ficar feio, vai ficar muito na cara o partidarismo de esquerda de vocês

Anônimo disse...

Tem gente que gosta de se tapear. Até a Venezuela dando opinião no Brasil? Vai falar com seu passarinho, chofer de ônibus ignorante e rastreiro, que da mais certo.

ADEMAR AMANCIO disse...

Se deixasse por conta de Bolsonaro,é claro que o País já seria uma ditadura.