O Estado de S. Paulo
Não é difícil de decifrar que a
identificação de um presidente antipolítica com a maioria do Parlamento é
arquétipo da política como fingimento e risco.
Uma das maiores ingenuidades do ser humano
é acreditar no progresso. Especialmente se o tráfego da democracia é lento e
por estradas estreitas ocupadas por demolidores de ideais. O endeusamento da
internet, com sósias de robôs alegres como Beppe Grillos, falsamente
antipolíticos, inventou o eleitor que arruma emprego de político para quem não
controla as informações cruciais. Dominado por amadores influentes, o povo não
vê finalidade na grande política, mas aceita ser usado para a pequena.
A eleição para o Congresso consagrou o
enxame de experimentalistas e aumentou a distância entre o que promete e o
produto que pode entregar.
O fim que o brasileiro busca ao votar não é o mesmo que oferece o resultado da eleição. Primeiro, porque a lei eleitoral é a única lei que é feita pelos que dela se beneficiam. Contribuintes não fazem leis tributárias, estudantes não fazem leis educacionais, pacientes não fazem leis médicas. Exemplo de lei precária está refletido no ardil igualitário de destinar 30% das vagas de candidatos para mulheres, maioria da população e do eleitorado, sem determinar que 30% delas sejam vitoriosas.
A eleição não produziu a relação necessária
à auto-organização da sociedade. Um instrumento que dê capacidade de
desencadear um ambiente colaborativo, sistema de partilha que empurre as
oportunidades da inovação e mudança para onde vive, mora e trabalha a
população. A gelada e inflexível burocracia de autointeresse do Legislativo
atual não permite cisne nadar no pântano.
Um eleitorado condicionado por moda, meme e
vídeo – da família aplicativo, que adotou o celular como o mais importante dos
seus sonhos –, falso despolitizado, verdadeiro subeleitor, deveria queixar-se
de si próprio. Seguidor sem ser seguido, elege cada vez mais um teleguiado. Um
político camuflado, desorientador com objetivos morais de grupos, confundindo
os aspectos principais do conflito social. Moral cubista, que deforma pessoas e
objetos.
Mandatos monitorados por blogs serão
cancelados se não forem lineares. Prisioneiros da ratoeira sem mola, a areia
movediça da internet, serão políticos fictícios a espera de que o Brasil tome
consciência de seus verdadeiros interesses. O político beco sem saída é o maior
inimigo do contrapeso da justiça.
A subcultura dos hackers e seu
cérebro fibra ótica envenenou a eleição e colheu o veneno na urna. O sistema
imunológico do eleitor virtual não o protege da superbactéria antidemocrática
que atua na web. É inimaginável que um Parlamento eleito por tal contaminação
da cultura e da inteligência possa distinguir Jesus de Judas, liberdade de
tirania, a fome de um pobre da falta de bala de um rifle.
A moral e a seriedade viraram meras
modalidades para obter voto. Insinceras, nem formam um pacto de confiança entre
eleitor e eleito. Não produzem trabalho social de alcance universal, que
ultrapasse as questões de classe, raça, religião, costumes, instrução. O desejo
de ser parlamentar não parece o de ser representante dos valores gerais da
sociedade livre. A perspectiva moral que brota das urnas não tem um claro
sentido de busca dos verdadeiros fins sociais e culturais de uma civilização. A
urna contém malogros e vai magoar, mais uma vez, os brasileiros.
Com a atual organização partidária e o
regimento do Parlamento, o eleito não terá opinião. Preso ao sistema de
controle, coleguismo, ideias fora do lugar, a forma de elaboração das leis
afeta seu conteúdo e o destino dos que estão embaixo. Ideias inúteis,
improvisadas, pratos feitos a partir do alto é que forjam o pensamento no
Parlamento atualmente. A maioria que se elegeu não fez seu próprio modelo, pois
nas redes sociais ninguém impõe a ninguém ideia própria. Política retaguarda se
adapta ao que está sendo consumido ou destruído no momento.
Há uma espécie de imortalidade se
consolidando sem vislumbrar a notável grandeza e os desafios do nosso país. O
Parlamento se proibiu pensar e opera secretamente. A pesca predatória que o
Executivo faz no Congresso é devolvida com a pesca predatória que o Parlamento
faz no governo. Veto e derrubada de veto são iscas podres para a falta de
moderação. Comilança, a façanha assustadora de emendas, verbas e fundos que fez
a maioria.
O ecossistema governo-Parlamento de pesca
predatória é um desastre. Funciona de roldão, com a cabeça no celular, sessões
sem quórum presencial, votos remotos, decisões virtuais, um poder aferrolhado
ao status quo. O eleitor conservador está um sucesso de hipocrisia pessoal
– fingiu ter raiva da política, de baixaria e da urna, para poder votar sem
culpa no que critica.
Países que não atravessaram nenhum grande
acontecimento da história mundial e não viveram traumas e riscos estruturais dão
pouco valor à solidez das instituições. Não é difícil de decifrar que a
identificação de um presidente antipolítica com a maioria que comporá o
Parlamento é arquétipo da política como fingimento e risco. Segredos entre
Legislativo e Executivo não são harmonia. Equilíbrio é mudar o governo e
colocar um freio no horizonte das secretas intenções em curso.
*Sociólogo
4 comentários:
"Um eleitorado condicionado por moda, meme e vídeo – da família aplicativo, que adotou o celular como o mais importante dos seus sonhos –, falso despolitizado, verdadeiro subeleitor, deveria queixar-se de si próprio"
Gado, aqui o Delgado te descreve com precisão.
"Equilíbrio é mudar o governo e colocar um freio no horizonte das secretas intenções em curso"
Trabalhamos pra mudar esse governo. Suas intenções são, em parte, secretas, MAS SABEMOS Q TODAS SÃO ABOMINÁVEIS - por isso são secretas, são clandestinas.
Fingimento e mentira, aí só dá Bolsonaro, mesmo! Lembram da NOVA POLÍTICA que ele nos prometeu em 2018? E da "carta branca" que ele prometeu a Sergio Moro quando este aceitou o ministério da Justiça? Agora, durante a campanha, o canalha se disfarça de homem educado, até sensível, nem levanta mais a voz contra as mulheres e os jornalistas...
Muito boa reflexão, bate com o meu voto nulo.
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