Correio Braziliense
O presidente eleito Lula da Silva se equilibra
numa corda bamba, embora tenha a legitimidade de eleição e o poder. O seu
problema é a captura pela partidocracia
Nas negociações em curso no Congresso para a aprovação da PEC da Transição, corremos o risco de pular da banha quente da frigideira para cair na panela com água fervendo. Explico: interromper o curso do projeto iliberal do presidente Jair Bolsonaro, porém ser aprisionado por uma partidocracia comandada pelo Centrão. Duas decisões judiciais tentaram interromper esse processo, aquela na qual o Supremo Tribunal Federal (STF), por maioria de 6 a 5, aprovou o parecer de sua presidente, ministra Rosa Weber, e considerou inconstitucional o chamado orçamento secreto; e a liminar do ministro Gilmar Mendes que possibilita a edição de medida provisória extraordinária para a concessão do Bolsa Família no valor R$ 600 e mais R$ 150 por criança de até seis anos.
Entretanto, as duas decisões serviram para
acelerar a aprovação da PEC. As do Supremo representaram uma invertida no
todo-poderoso presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que estava
chantageando o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva para que o relator
da PEC, deputado Elmar Nascimento (União-BA), fosse nomeado ministro da Saúde.
Mas há mais coisas entre o céu e a terra do que os aviões de carreira, como
diria o humorista Barão de Itararé. O pacto perverso, fisiológico e provinciano
do colégio de líderes com Lira falou mais alto. A própria bancada do PT, que se
antecipou ao presidente eleito no apoio à reeleição de Lira, foi uma das forças
interessadas em manter a PEC e aprová-la a toque de caixa. Negociaram um
pagamento extra de R$ 16,3 milhões em emendas parlamentares para cada deputado
e senador em troca da aprovação da PEC.
O empoderamento do Congresso durante o
governo Bolsonaro, do ponto de vista do Orçamento da União, era funcional para
o governo que se encerra, porque não havia programa de desenvolvimento. O eixo
do governo era desmonte das políticas públicas universalistas e o retrocesso
institucional. Por que se preocupar com as emendas, se a reeleição permitiria a
venda da Petrobras e outras estatais para fazer caixa e daria a Bolsonaro, com
a adoção de um regime iliberal, o poder de recorrer aos instrumentos de coerção
do Estado para intimidar, não somente a oposição, mas o próprio Congresso?
Agora, com a eleição de Lula, a situação é outra no Executivo; porém, teremos
um Parlamento ainda mais fisiológico e conservador a partir do próximo ano.
O perigo nessa conjuntura é a consolidação
da partidocracia em formação no Congresso, sob a hegemonia do Centrão e a
liderança de Lira. Esse fenômeno surgiu com a formação de grandes legendas de
massa e se consolidou na década de 70, em alguns países da Europa, que adotaram
o financiamento público da política. Isso fortaleceu os principais líderes das
siglas e sua burocracia, porém a participação da sociedade civil na vida
política foi progressivamente bloqueada, a começar pelos próprios partidos. O
fortalecimento da partidocracia se dá quando os recursos do financiamento
público são gerenciados sem orçamento e controle público, sem critérios justos
de distribuição dos recursos entre seus diretórios e candidatos.
Captura
Além disso, o fortalecimento do poder financeiro
das cúpulas partidárias, em detrimento da difusão de sua política e
incorporação da sociedade às suas atividades, também se dá por meio da
distribuição de funções remuneradas e da ocupação de cargos públicos. Isso leva
à formação de profissionais da política que se mantêm por si mesmo, que vivem
da política, e não para a política, como Max Weber havia previsto na sua
célebre palestra A política como vocação, na Universidade de Munique, em 1919.
Num país de forte tradição patrimonialista, uma herança do nosso passado
colonial e escravocrata, onde velhas oligarquias ainda têm grande peso no
Parlamento, o resultado desse fenômeno é o distanciamento do Congresso das
instituições da sociedade e a ojeriza do cidadão comum à política, aos partidos
e a seus políticos de forma generalizada.
Desde 2013, existe um conflito latente
entre o mundo da política e a vida real dos cidadãos, que se traduziu em
grandes manifestações e na contestação geral ao nosso sistema
político-partidário. Como não é um privilégio do Brasil, em todos os países,
esse conflito tem resultado no fortalecimento da extrema direita e dos projetos
iliberais. Bolsonaro perdeu o poder e o apoio momentâneo do Centrão, mas
ninguém deve se iludir quanto à força que ainda tem na opinião pública e numa
base eleitoral que se articula pelas redes sociais. Quando uma pesquisa mostra
que 32% dos eleitores são a favor de uma intervenção militar, não estão só os
malucos e fanáticos que tentam contato com extraterrestres, adoram pneus e
rezam ajoelhado na chuva à porta dos quartéis, sem medo de raios e trovoadas.
O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva se equilibra numa corda bamba, embora tenha a legitimidade da eleição e o poder concentrado do governo nas mãos. O seu problema agora é a captura do PT pela lógica da partidocracia, como ocorreu no mensalão e nos escândalos da Petrobras, e que levou Lula à prisão. Como lidar com a força do Centrão sem ser tragado, como negociar com o Arthur Lira sem fazer concessões que possam comprometer o sucesso do próprio governo? Não será com um orçamento que inviabiliza programas de investimentos e as prioridades do governo. O que está se decidindo agora, na largada do novo governo, é estratégico. Pode levar Lula ao sucesso ou ao desastre.
2 comentários:
"que estava chantageando o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva para que o relator da PEC, deputado Elmar Nascimento (União-BA), fosse nomeado ministro da Saúde."
Chantageando, senhores! Chantageando.
O genocida cedeu ou seria impichado; LULA sabe jogar xadrez.
O importante é que nada será como antes no quartel de abrantes.
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