sexta-feira, 16 de dezembro de 2022

Vera Magalhães - Orçamento secreto trava a transição

O Globo

Votação da PEC empaca diante da expectativa de deputados e senadores quanto ao destino das emendas do relator

A probabilidade de o Supremo Tribunal Federal tesourar para além do esperado o Orçamento secreto paralisou as negociações da PEC da Transição e ameaça criar um impasse entre os três Poderes, uma vez que, embora o embate seja com o Judiciário, setores do Legislativo culpem o futuro governo de Lula por atuar nos bastidores para minar o instrumento tão caro a deputados e senadores.

A interrupção do julgamento das ações que pedem a inconstitucionalidade das emendas do relator vai deflagrar uma intensa negociação de bastidores até segunda-feira para que o voto médio que vem sendo encaminhado seja assimilado pela cúpula do Congresso. Difícil, uma vez que a proposta do ministro Alexandre de Moraes retira o poder de Arthur Lira e Rodrigo Pacheco de arbitrar para onde vão os recursos alocados nas famosas emendas RP9, o nome “técnico" do Orçamento secreto.

Nesta quinta-feira o placar era todo truncado. Cinco votos pela inconstitucionalidade total do mecanismo, corrente puxada pela relatora das ações e presidente do STF, Rosa Weber, 2 votos pela constitucionalidade, mas com transparência, equidade e fim do poder discricionário do comando do Congresso, e 2 votos, os dos bolsonaristas, a favor do libera geral.

Pelo raciocínio da corrente que advoga o voto médio, caso se confirme a previsão de que Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski, que pediram a interrupção da votação, a favor da proposta de voto médio, o placar final seria de 6 votos dizendo que as emendas RP9 não são inconstitucionais, o que significaria vitória sobre Rosa e os que a acompanharam.

Nessa lógica, ministros dizem que Nunes Marques e André Mendonça nem precisariam rever seus votos para acompanhar o de Alexandre de Moraes ou outro que seja definido como o voto médio guia, uma vez que os 4 serão maioria dentro do grupo que achou as RP9 constitucionais, desde que com ajustes.

Há divergências de avaliação quanto ao grau de dano do voto de Moraes no poder de fogo de Lira e Pacheco, e o quanto o Congresso se mostrará disposto a retaliar o que considera uma ingerência indevida do STF (com a mão invisível de Lula) sobre as prerrogativas do Legislativo.

Os ministros dizem que, sem que os presidentes das Casas possam designar quem recebe recursos ou não, “acabou o Orçamento secreto”. Mas o fato é que a manutenção da rubrica deixa R$ 19,6 bilhões do Orçamento de 2023 para serem distribuídos aos parlamentares. Além disso, nada indica que deputados e senadores vão desistir de votar a proposta que enviaram para análise do Supremo, e que Rosa Weber descartou. Ela é bem mais parecida com o modelo cartorial atual que com o voto de Moraes, o que anuncia um novo impasse lá na frente.

Quanto à possibilidade de o Congresso “revidar" o corte de suas asas votando proposta de emenda à Constituição que signifiquem redução de poderes do Judiciário, os ministros escarnecem. Lembram o paradoxo da ideia, uma vez que a própria Carta estabelece quem fala por último, e veda, em cláusulas pétreas, que um Poder suprima prerrogativas dos demais. Ninguém crê, ainda, que Rodrigo Pacheco estaria disposto a pegar em armas para defender as emendas do relator tocando adiante impeachment de ministros do STF.

Assim, o maior prejuízo do climão entre Supremo e a cúpula do Congresso é mesmo para a votação da PEC da Transição, que empacou na semana em que deveria ter sido concluída. Os negociadores de Lula tentarão convencer Lira de que o presidente eleito não pode ser responsabilizado por decisões do STF, mas a disposição para que se vote qualquer coisa até o desfecho do destino do Orçamento secreto é praticamente nula.

 

2 comentários:

Anônimo disse...

Acho que a colunista DESENHOU a situação com impressionante clareza! Parabéns a ela pela excelente coluna, e ao blog por divulgar este trabalho!

ADEMAR AMANCIO disse...

O nome disso é chantagem.