Conta-se que por volta de 1921, o poeta da
“Casa Destelhada”, procurava trabalho na capital paulista, por interferência de
Amadeu Amaral, seu conterrâneo de Capivari. Buscou, ele, o amparo do ilustre
tatuiense, que, de sua grande generosidade, jamais lhe faltaria o apoio
necessário.
Registra-se, por um artigo de Paulo Setúbal,
publicado na revista A Razão, na época uma das mais célebres publicações
culturais do Brasil, este encontro, na capital. Por ser um texto profundo e de
real valor histórico, reproduzimos aqui o que, de fato, se registrou e que
serve, inegavelmente, para se aquilatar a grandiosidade de um poeta e de um
célebre escritor do nosso país:
“Meu pobre Rodrigues de Abreu... Ainda me
recordo, com dolorido carinho, daquele moço pálido, cor de cera velha, que um
dia surgiu, muito tímido, pela minha casa adentro. Era magro. Tinha os cabelos
longos e negros. Vinha trajado, não com simplicidade, mas com marcada pobreza.
Entrou. Sentou-se. E, respeitoso, cheio de infinita doçura, disse-me humildemente:
- Eu queria falar com o doutor Paulo Setúbal.
- Sou eu mesmo. Que é que o senhor quer?
- Eu me chamo Rodrigues de Abreu e vim para...
- Quê? Você é o Rodrigues de Abreu? Você? E você a me chamar assim de doutor! Que é isso? Dá cá um abraço, Rodrigues! E outro.... E ainda outro...
Abracei-o com alvoroço. Abraceio-o com
entusiasmos quentes. Abraceio-o com maior e com mais puro enternecimento.
Estava ali, diante de mim, naquele rapaz humílimo, um dos mais altos valores da
minha geração. Estava ali, naquele rapaz andrajoso, naquele vencido, um dos
maiores, e, talvez num certo sentido, o maior poeta moderno do seu tempo. Esse
moço, que morreu tuberculoso, que morreu longe do tumulto do mundo, aos 30
anos, não teve em vida louvores e palmas para glorificá-lo.
Não teve a fanfarra dos jornais para
apregoá-lo. Não teve o trombeteiro de amigos para lançá-lo às alturas. Nada
disso. Morreu quase ignorado. Morreu em Bauru, longe, num retiro esquecido dos
homens. Apenas meia dúzia de amigos e, com eles meia dúzia de leitores, sabiam
que, ao desaparecer aquele desditoso, desaparecia um poeta de raça, poeta dos
que mais o tem sido, poeta da estirpe sagrada dos eleitos. Mas esse
indeferentismo dos coevos, essa obscuridade em que ele afundou na morte, é
coisa de que a posteridade há de rir. Ele deixou dois livros A Sala dos Passos
Perdidos e, principalmente, Casa Destelhada. Essas duas obras lançá-lo-ão à
imortalidade e à glória. Podem já agora correr os anos: o ingrato olvido
terreno não o atingirá jamais.
Dia virá, estou certo, em que a justiça dos
homens, às vezes ai! tão lerda, há de erguer num pedestal o nome de Rodrigues
de Abreu, do poeta pobrezinho e desvalido que morreu tísico em Bauru, e, clangorosamente,
triunfante, ao som de trombetas e rufos, há de coroá-lo de rosas e de
guirlandas. Ele bem o merece!”.
Paulo Setúbal, com a sua grandeza pessoal e
pelo carinho que ele nutria para com o poeta Rodrigues de Abreu, lhe presta
esta homenagem cálida, recordando um fato ocorrido na década de 20. Vai além o
seu depoimento. Mas seria muito longo reproduzi-lo. Assim, ficamos com a
receptividade de acolhimento, em sua casa, do saudoso poeta capivariano.
A história da poesia e das figuras
proeminentes do nosso país teve o impulso de outros tantos cultores da memória
e admiradores patrícios. Em São Paulo, capital, uma praça em nome de Rodrigues
de Abreu; Bauru, com a sua Biblioteca Pública Municipal “Rodrigues de Abreu”,
Escola Técnica – ETC Rodrigues de Abreu e Praça Rodrigues de Abreu; Capivari,
sua terra natal, com a sua herma localizada na Praça Dr. Cesário Motta e a
Praça Rodrigues de Abreu (principal do centro da cidade). E outras mais que se
espalham pelos cantos do país, em homenagem a tão grata figura.
Compreende-se, portanto, a obra de Rodrigues de Abreu como sendo uma das mais belas e sensíveis, não só pelo seu profundo teor religioso e espiritual, mas, também, pela sua forma de escrita, heranças estas que lhe passaram Olavo Bilac, Knut Hamson, Rabindranath Tagore, Antonio Nobre e, principalmente, pelo seu modernismo, Walt Whitman.
* Intelectual e historiador, autor de
várias obras em que se destaca Quatro Figuras (Astrojildo Pereira, Tarsila do
Amaral, Octávio Brandão e Rodrigues de Abreu), editada pela Fundação Astrojildo
Pereira, de Brasília.
Um comentário:
Adoro poesia,pena que conheça tão pouco.
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