Folha de S. Paulo
Nos regimes de ultradireita, isso é aberto
e não raro com consequências devastadoras para minorias
Populismo não é fenômeno homogêneo. Mas um
paradoxo interno a quase todos é o desprezo latente pelo povo.
Nos regimes de ultradireita, isso é aberto e não raro com consequências devastadoras para minorias. A tragédia dos yanomamis, revelada em toda a sua brutalidade, é o flagrante da desumanidade dos quatro anos de bolsopopulismo. Nesse período, centenas de crianças morreram de malária e desnutrição por criminosa falta de assistência, com cumplicidade de grupos financeiros (compradores de ouro ilegais, bancada legislativa garimpeira etc.). Agora fica patente que a ameaça pesava sobre milhares de indígenas.
Muitas décadas atrás, San Tiago Dantas, notável tribuno brasileiro, declarou que
"o povo é melhor do que as elites". Deixava implícito que o desapreço
era apenas de cima para baixo. Mas um líder populista, por derramamento
afetivo, é capaz de "amar" abstratamente o povo e dele impostar-se
como uma espécie de parente divino. Dessa demagogia brota sempre uma alusão hipócrita a valores
de família e, por extensão, de pátria, que leva ao patriotismo qualificado
pelo escritor britânico oitocentista Samuel Johnson como "último refúgio dos canalhas".
Às vezes, é o primeiro. Na realidade, enquanto ideia de organização liberal das
massas, povo é uma forma dinâmica: mais do que ser é tornar-se, processo autônomo,
sem agente externo, sem demagogo populista.
O quadriênio da infâmia, que resume o
bolsopopulismo, foi marcado pelo desígnio de extermínio de indígenas, negros,
mulheres, gays. Apenas sobre a campanha física contra os yanomamis, haverá
provavelmente uma discussão jurídica para determinar o dolo governamental. Mas
é inequívoco o registro histórico da extinção deliberada dos povos originários.
Para o Inominável, a questão deveria ter
sido resolvida no passado, a exemplo da cavalaria americana, que dizimou populações
nativas. Como parlamentar, insistia no desmonte da reserva yanomami. Já
presidente, autorizou garimpeiros a desmatarem, estuprarem, drogarem, transmitirem doenças e contaminarem os rios,
extinguindo possibilidades de existência.
Desmobilizado o controle, choveu dinheiro
para ONGs evangélicas. Uma delas, com o lema "a serviço do índio pela glória
de Deus", recebeu quase R$ 1 bilhão, sem contrapartida. O lado real da
narrativa sobre o ouro que faria emergir cidades é a desertificação da floresta
e o envenenamento da vida pelo mercúrio: dolo de lesa-humanidade, um inferno.
Isso é o que os tupis-guaranis sempre chamaram de "Abaçaí",
um espírito mau, perseguidor. Já o povo yanomami, do qual se sabe que jamais
esquece os matadores de seus mortos, está hoje a par do nome jurídico para o
crime de que foram vítimas: genocídio, inequívoco.
*Sociólogo, professor emérito da UFRJ,
autor, entre outras obras, de "A Sociedade Incivil" e "Pensar
Nagô"
Um comentário:
Abaçaí repousa hoje na Flórida, recuperando-se dos esforços entre uma motociata e outra! Centenas de cúmplices da raia miúda foram recolhidos pra prisões... Os grandes canalhas cúmplices estão no Congresso: senador Mourão, senador Astronauta, senadora Damares, deputado Pazuello, deputado Ricardo Salles, senador Moro, deputada Zambelli, senador Flávio Bolsonaro, deputado Eduardo bananinha, deputado Lira, ...
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