O Globo
Na esteira da investigação sobre a
vacinação, surgiu uma trilha de crimes: fraudes, golpismo, até do assassinato
de Marielle se falou
Várias linhas de investigação cercam
Bolsonaro e seu entorno sobre os desmandos que cometeram. Uma dessas linhas,
que parecia menos promissora, a da vacina, ligou alguns pontos: fraudes,
golpismo, até do assassinato de Marielle se falou. “É como Al Capone”, me disse
uma fonte oficial se referindo ao caso de uma investigação que parecia
acessória e que assumiu centralidade. Um jurista que eu ouvi falou uma palavra
estranha, mas esclarecedora. “Serendipidade”, que é o “encontro fortuito de
provas” para definir os achados que foram revelados na semana passada.
Investigava-se um crime e indícios de outros crimes apareceram. Eles foram
atrás.
Na hora do depoimento na Polícia Federal, o ex-militar Ailton Barros, o homem que falou que sabia quem mandou matar Marielle, tentou escapar com uma resposta rasa. “Falei bobagem”, disse no interrogatório. Não quis ir muito além disso, permaneceu em silêncio como os demais, mas isso não preocupa os investigadores.
Eles avaliam que o melhor agora é fazer o
trabalho de análise do material recolhido nas buscas e apreensões. Com base
nessa análise e tudo o que se descobriu e com o cruzamento com outros
depoimentos, eles poderão voltar a ouvir Mauro Cid. Vão
também intimar Bolsonaro. Terão então mais elementos para confrontar versões
que eles estão apresentando.
Tudo o que se recolheu até agora, ao
acessar os dados na nuvem do celular do tenente-coronel Mauro Cid, encostou em
Bolsonaro.
—Nada do que era feito pelo Cid era por
vontade própria. Ele era ajudante de ordens, cumpria ordens, dificilmente
haverá uma desvinculação entre ajudante e ajudado— disse um dos investigadores.
A operação Venire revelou uma sucessão de
crimes na esteira da falsificação da carteira de vacinação. Há ainda suspeita
de lavagem de dinheiro: o equivalente a quase R$ 200 mil foram encontrados na
casa do tenente-coronel. Além disso, as mensagens enviadas para o celular de
Cid são mais uma prova de conspiração contra a democracia. Uma das autoridades
que eu ouvi, que está envolvida com a elucidação do caso, definiu a sequência
de eventos.
— Não é um fato isolado. Teve
o 12 de dezembro (atos de vandalismo no dia da diplomação de Lula), o 24 de
dezembro (bolsonarista
colocou explosivos em um caminhão de combustível, perto do Aeroporto de
Brasília), o 8 de janeiro, a
minuta do golpe e agora todas essas mensagens. Não há dúvida que nós
estamos revelando uma grande articulação voltada à permanência no poder daquele
grupo — afirmou essa fonte. E mediante golpe de estado.
Outra pessoa a par das investigações
ponderou que todos os investigados próximos a Bolsonaro até agora não o acusam.
Anderson Torres, ex-ministro da Justiça, Mauro Cid e Daniel Silveira. Mas essa
fonte levantou uma dúvida.
— Até quando o núcleo mais íntimo dele vai
assumir todas as responsabilidades, vendo os filhos de Bolsonaro livres, leves
e soltos?
Na área militar, a informação é que
evidentemente os comandantes não gostaram da prisão do coronel da ativa Mauro
Cid. Afinal, ele chegou a ser indicado para comandar tropas. Era uma pessoa que
buscava o generalato. Até que ponto o Exército está disposto a defendê-lo? O
que eu ouvi foi que “ Cid não é um problema do Exército, mas da Justiça e da
polícia”. E que todos os militares que participaram de ilegalidades responderão
por seus atos. Perguntei se a carreira dele estava no fim e ouvi que “depende
das investigações”.
A última semana descortinou de maneira
evidente os vários perigos e as dolorosas tragédias pelas quais o país passou
nos últimos anos. Não foi apenas um governo desastroso. Foi um governo que
praticou crimes e tentou dar um golpe de estado.
Ao lado disso, houve um longo sofrimento na
pandemia. A crise sanitária foi mundial, mas nos atingiu de forma
particularmente violenta por culpa do presidente. Ver todos esses atos
delinquentes no círculo íntimo do presidente em torno da adulteração de
registros públicos de vacinação foi estarrecedor.
Na sexta-feira, a Organização Mundial de Saúde declarou fim da emergência da pandemia. Nós aqui contamos nossos mortos, mesmo quando eles suspenderam a divulgação pelo Ministério da Saúde. Foram 701 mil pessoas, 11% dos mortos do mundo, tendo o Brasil 2,7% da população mundial. Nossa carga foi pesada demais. As linhas das investigações se cruzam e cercam Bolsonaro e o seu entorno. Ainda há muito a revelar.
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