Folha de S. Paulo
Como tantos populistas liberais, argentino
assume com motosserra na mão direita e cassetete na mão esquerda
Sob a faixa, Javier Milei manteve
um figurino oposicionista. Na posse, ele descreveu a crise argentina como
resultado de "cem anos de fracasso" dos rivais e, como se não tivesse
recebido a missão de administrar um país, assumiu o bordão de que "não
há dinheiro" para nada. "Nenhum governo recebeu uma herança
pior."
Milei repete uma fórmula que marcou a onda de choques neoliberais em países da América Latina nas décadas de 1980 e 1990. Essas reformas eram recebidas pela população com mais tolerância quando eram encaradas como remédios contra situações econômicas dramáticas, que corriam risco de agravamento.
O ultrapopulista mergulhou
com gosto na calamidade. Disse que a Argentina estava à beira de uma inflação anual
de 15.000% (embora o índice esteja próximo de salgados 150%) e afirmou que não
há alternativa a um ajuste duro. Avisou, de saída, que o povo verá uma redução
na atividade, no emprego e nos salários.
A antipropaganda é um conhecido mecanismo
político para amortecer o mal-estar causado por planos de austeridade. O
objetivo é convencer o eleitor de que ele está diante de uma curva em J: seria
preciso absorver algum prejuízo antes de uma recuperação vertiginosa.
Com
um só discurso, Milei enviou mensagens para setores distintos. Primeiro,
recrutou seus eleitores mais entusiasmados para uma defesa obstinada das
medidas do governo. À classe média e aos mais pobres ele pediu um voto de
confiança. Aos opositores e setores organizados da esquerda o presidente exibiu
o rigor em forma de ameaça.
Antes de dizer que o governo não recuará, o
novo presidente declarou que pretende usar "todos os recursos do Estado
para avançar nas mudanças". Sem muita sutileza, sugeriu que tem nas mãos
um aparelho de repressão para enfrentar "aqueles que querem usar a
violência", em alusão a inevitáveis protestos contra seu pacote. Como
tantos políticos com tendências autoritárias, Milei terá uma motosserra na mão
direita e um cassetete na mão esquerda.
Um comentário:
Cruzes!
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