quarta-feira, 13 de dezembro de 2023

Vinicius Torres Freire - Argentina de Milei anuncia uma paulada social, mas ainda não tem plano econômico

Folha de S. Paulo

Megadesvalorização do peso e corte de gastos vão doer muito, mas não são um programa de ajuste ou futuro

"No hay plata". Não tem dinheiro. Antes de começar a melhorar, a vida dos argentinos vai piorar muito, por alguns meses.

Não há alternativa: a Argentina precisa se livrar do vício secular do déficit do governo, que é a causa da dívida, da inflação, do dólar disparado, da pobreza. Se dar calote fosse solução, a Argentina seria a Suíça.

Foi assim que o ministro da Economia de Javier Milei, Luis "Toto" Caputo, introduziu as 10 medidas do "pacote de emergência", uma paulada de manual de economia, vaga e temperada com algumas demagogias.

Era o que vinha vazando do governo de transição, faz dias, afora a pancada no peso. "Toto" deu a impressão de que precisava dar logo alguma notícia aos argentinos ansiosos ou já irados, mas que ainda estuda o que fazer. Não foi um "Plano Collor". Ou plano algum.

No essencial, trata-se de um plano de redução do déficit do governo federal e de uma maxidesvalorização do peso. O dólar oficial sai da casa dos 400 pesos para 800 pesos (se chutava no máximo 700 pesos).

Por ora, não está claro qual o tamanho do corte planejado de despesas. O resultado de um programa dessa espécie é, de início, ao menos, uma brutal redução do valor real dos salários.

O objetivo óbvio é, em primeiro lugar, criar as condições necessárias (mas não bastantes) para reduzir a inflação mais à frente. Parte do gasto do governo é financiada direta ou indiretamente por "emissão de dinheiro" do Banco Central, 20 pontos percentuais do PIB nos últimos quatro anos, segundo Caputo.

Em segundo lugar, a enorme desvalorização do peso pode estimular exportações argentinas e limitar importações (que de resto serão em parte tributadas, "provisoriamente").

Tais medidas, somadas ao efeito da recessão que virá (menos consumo), deve elevar o saldo do comércio exterior argentino: trazer dólares para um Banco Central que ora não tem reservas internacionais (na verdade, deve, está no vermelho).

Não houve sinal de como será a política monetária. Isto é, o que será feito de taxas de juros, objetivos de inflação, intervenções na taxa de câmbio etc.

A inflação aumentará, pelo menos de início, saindo do patamar de 200% ao ano neste 2023 para não se sabe onde. Se não for contida por meio de elevação de juros e corte persistente de gasto, vai desfazer o efeito da megadesvalorização inicial do peso. Bola de neve.

Quem paga a conta?

Um corte maior da despesa virá da redução ou fim de subsídios aos preços de energia (eletricidade e gás) e transporte, cerca de 2,5% do PIB (75% desse dinheiro vai para baratear o custo da energia).

Os mais pobres seriam compensados com variantes do Bolsa Família deles, (benefícios para famílias com crianças, que terão 100% de aumento, e cartão de alimentação, 50% de reajuste).

A despesa do governo em obras públicas novas ou que ainda não começaram está cancelada —o que vier de investimentos em construção virá da iniciativa privada ("Toto" disse ainda que obra pública é fonte de corrupção). Problema: leva tempo para se inventar e implementar um plano de concessões.

O governo de Milei também vai diminuir "ao mínimo" o dinheiro que repassa aos governos das províncias (os estados deles), que qualificou ainda de moeda de barganha política (bidu). Mas como Milei vai fazer política, sendo muito minoritário no Congresso?

Não se soube o que será feito das várias taxas de câmbio, nem dos controles de capitais, nem dos controles de preços etc. Como fica a dívida impagável com o FMI (que elogiou o plano de Caputo)? Haveria uma taxa de câmbio só, liberdade de fluxo de capitais e liberação de preços, vazava o governo de transição.

Enfim, soube-se muito pouco do que é o plano Milei-Toto. Será que eles mesmos já sabem o que fazer?

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

Só Deus sabe.