sexta-feira, 29 de março de 2024

Eliane Cantanhêde - A quem interessa?

O Estado de S. Paulo

‘Recalibrar os contornos’ do foro privilegiado para manter Bolsonaro no STF?

Assim, como não quer nada, o ministro Gilmar Mendes levou a julgamento pelo plenário virtual do Supremo, em plena Sexta-Feira Santa, uma questão deveras complexa sobre foro privilegiado. Por que agora? Por que no meio do feriadão? Por que no plenário virtual? Há quem tenha ficado com a pulga atrás da orelha: será que é para garantir que os inquéritos de Jair Bolsonaro sejam mantidos no STF, evitando recursos em sentido contrário? É uma dúvida.

Em 2018, o Supremo decidiu que o foro seria mantido para crimes praticados durante o exercício da função pública e relacionados a essa função, mas só enquanto o deputado, senador, ministro ou presidente da República, no caso dos que têm foro no Supremo, mantivessem o cargo. Depois, o processo cairia para a primeira instância.

Na prática, um deputado suspeito ou acusado por crime cometido enquanto detinha o mandato na Câmara, em 2020, por hipótese, só pode ser investigado pelo Supremo se foi reeleito em 2022. Caso tenha sido derrotado ou eleito para cargo ou função distinta, ele perde o foro e cai para outras instâncias.

O que Gilmar Mendes levou ao plenário virtual foi uma mudança significativa: mesmo saindo da função onde teria cometido o crime, a autoridade carrega consigo o foro. Em outras palavras: em vez de privilegiar a função atual do investigado, como está, a intenção é passar a focar no cargo ou função onde esse crime tenha sido cometido.

Vamos a Bolsonaro. Depois de perder a reeleição em 2022, ele perdeu automaticamente o foro no Supremo. Dependendo do resultado do pedido de Gilmar Mendes, ele recupera o foro e seus advogados não terão como, ou terão muito mais dificuldade, para tentar tirar seus processos da Corte – e, principalmente, das garras do relator, Alexandre de Moraes, inimigo número 1 da família Bolsonaro.

Outra hipótese para essa tentativa do ministro do STF de “recalibrar os contornos” do foro é a de sanar uma dúvida quanto ao deputado Chiquinho Brazão, preso sob suspeita de ser mandante do assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes.

Quando o crime foi cometido, ele era vereador e não tinha foro no Supremo. E agora? Uma linha da mudança em julgamento pode ser a de devolver o foro para quem tem mandato, mas não cometeu o crime no cargo.

Tudo junto e misturado, é importante acompanhar bem, com muita atenção, essa mudança no foro privilegiado que está novamente em discussão no Supremo, até 8 de abril. Com uma lembrança importante: depois da redução de foro, há seis anos, as ações contra parlamentares no Supremo caíram 80%.

  

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