Ex-ministro do Trabalho reflete sobre 1964 e diz que não faltou oportunidade para que o então presidente João Goulart desse um golpe
Prestes a completar 95 anos, o
ex-vice-governador de São Paulo Almino Affonso é o último ex-ministro
de João Goulart vivo. Foi titular da pasta do Trabalho em 1963 e na
ocasião do golpe de 1964 era líder do chamado “Grupo Compacto”, ala esquerda do
PTB, partido do presidente deposto.
Em entrevista ao Valor em seu
apartamento no Alto de Pinheiros, em São Paulo, Almino destaca que não foi por
falta de oportunidade que Goulart deixou de dar um golpe. A proposta para que o
então presidente fechasse o Congresso chegou a ser feita por pelo menos um
general ligado ao então presidente. Goulart, contudo, não quis embarcar no
golpismo. O ex-ministro também dá o seu testemunho de como o Congresso viveu o
dia do golpe e diz ver com preocupação o relacionamento entre o
presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o Legislativo. Diz que
Lula deveria negociar mais.
A seguir os principais pontos da entrevista
ao Valor:
O dia do golpe
“31 de março, eu era deputado federal, líder da bancada do PTB. Fui à Câmara e estava uma polvorosa de quantidade de gente reunida, parlamentares falando alto, discussão. E era tudo paradoxal, porque não era hábito esse tipo de concentração na manhãs de uma terça-feira. A Câmara se reunia mesmo à tarde e à noite, não pela manhã. Era algo surpreendente. Entro em uma das rodas e eles começam: ‘Você não está a par?’ ‘A par do quê?’ Começou o movimento militar, começou o movimento militar’. ‘Qual movimento militar?’ ‘Como? Como ? Por favor’ ‘A notícia é de que já haveria um Exército bastante grande marchando de Minas Gerais para depor o presidente’. Eu disse: ‘Isso é um absurdo, não é possível, como é que eu não saberia?’. Bem ou mal, era líder do PTB, tinha a vaidade de achar que acompanhava as coisas. Fui para minha casa, que era ao lado da casa do senador Arthur Virgílio Filho, também líder do PTB, do Amazonas. Ligo para o Arthur, ele fala ‘Também não estou a par disso, não tenho nenhuma notícia a esse respeito. Você não quer vir aqui e ligamos para o presidente?’. Ligamos para o presidente, que estava no Palácio das Laranjeiras, no Rio de Janeiro. Arthur Virgílio narra o que estou dizendo a você e o presidente reage, eu ouvindo pela extensão. ‘Arthur, isso é coisa da oposição, querendo criar notícia para tumultuar e criar dificuldades para a gente no parlamento. Tudo falso’. Ele chama o chefe da Casa Militar, general Fulano . Tenho muita dificuldade de dizer o nome dele, porque tenho má vontade com esse cidadão e demonstrarei no relato a seguir [ Argemiro de Assis Brasil]. O presidente diz ‘General, o que há?’. Ele fala ‘É nada, presidente, fantasias. Isso é hábito militar de fazer alguns exercícios de marcha , nada mais’. Goulart pergunta ‘Tu ouviste, Arthur?”. O Arthur pergunta: ‘Presidente, eu posso transmitir isso ao Senado logo mais? “Podes não, deves transmitir’. Eu ao lado, ouvindo tudo. Era o chefe da Casa Militar se pronunciando de maneira que matava tudo o que eu tinha ouvido na Câmara de maneira tão tumultuada, por muitos. Volto para a Câmara, com absoluta normalidade, me preparando para a sessão que começaria às 15h. Às 14h30 o tumulto tinha se multiplicado. Era visível a quantidade de pessoas aqui e acolá e o tema era esse. Eu entro numa roda e tento desfazer como falsidade uma verdade. Falo: ‘Ouvi do presidente, ainda há pouco que tudo isso são falsidades”. Eu dizendo isso com autoridade, de líder do PTB. Estava na roda o deputado Carlos Murilo, sobrinho do Juscelino . Ele ouviu, me tira da roda e diz: ‘Almino, o que você está dizendo ouviu do presidente?’ ‘Ouvi’ ‘Almino, se o presidente está dando essa versão, como forma quem sabe de criar um clima antagônico ao que esteja havendo no começo, não sei no que isso pode resultar. Mas se ele disse isso porque acredita, está perdido. Porque essa realidade já é absoluta desde essa madrugada em Belo Horizonte. O governador Magalhães Pinto já assumiu a chefia civil do movimento. E já há um comandante militar em Minas, o Carlos Luís Guedes. Isso é real. Como é que o presidente não sabe?’ Não tenho o direito de dizer que o ministro da Casa Militar traiu a confiança falsificando notícias, mas tenho o direito de dizer que ele era de uma incompetência absoluta. Porque naquela hora o chefe da Casa Militar não saber o que já era público na Câmara em Brasília era chocante. Passou-se o dia. O clima era esse, mas o presidente continuava no Rio. Os fatos estavam cada vez mais se acentuando, o general Mourão em marcha para ir ao Rio depor o presidente fisicamente. Soubemos de uma série de pessoas que estavam no Rio e puderam ter acesso a ele, opinar o que podiam opinar naquele instante, como por exemplo o presidente Juscelino. Às 18h, precisamente, vai visitá-lo no Rio um general em nome do Estado Maior do Exército, para propor ou sugerir que o presidente pudesse fazer uma declaração para atenuar a marcha, em nome da manutenção da ordem. Antes que Jango pudesse responder, chega o ministro da Justiça, Abelardo Jurema, e transmite ao presidente a informação que as tropas do general Mourão já estavam às portas do Rio. Só nesse momento que ele teve a informação completa.”
O dia seguinte
““Na manhã seguinte, o presidente se mantinha lá no Rio. Nós tínhamos o Grupo
Compacto, um grupo de parlamentares de esquerda. E, nos reunindo, fomos tendo o
impacto do que estou contando sem ter o que dizer e nem o que propor. Na sessão
do Congresso, durante a tarde, chega a notícia de que outros generais tinham
aderido. E a primeira notícia, para o nosso choque maior, foi quando eu estava
na tribuna. Fazia uma análise crítica contra os que estavam subvertendo a
ordem, ou se propunham a fazê-lo. Foi quando eu recebo um bilhete do deputado
Bocayuva Cunha, dizendo que o general Amaury Kruel, comandante do II Exército,
tinha acabado de aderir. Uma meia dúzia de parlamentares da UDN em seguida
entrou no plenário festejando: ‘viva, viva, viva’. Naquele instante, com aquele
bilhete ‘Kruel aderiu’, tomo consciência da imensa gravidade. O Kruel aderir
sendo comandante do II Exército não era graça. Todos nós sabíamos que Kruel
tinha uma relação pessoal muito próxima com o presidente, era padrinho do filho
dele. Isso eu sabia de perto, tinha muito contato com o Jango, de ir à casa
dele e ver que o Kruel estava lá. Fiz por mais de uma hora no plenário o
discurso mais contundente da vida , mais duro, de violência verbal absoluta, de
crítica quanto a isso que estava se armando e que parecia ter uma dimensão
maior do que até então nos ocorresse. Fomos informados de que o presidente
estava vindo para Brasília. Era, pelo que soubemos, uma recomendação do general
Moraes Âncora, comandante do I Exército. O Jango chega, deve passar 15 minutos
no Palácio do Planalto e de imediato, vai para a casa dele, na Granja do Torto,
que era uma casa de campo. E ali ele passa a fazer o convite a 10 ou 12 colegas
que tinham uma presença maior na liderança política ligada a ele. Estávamos reunidos
a convite dele. Lembro Tancredo Neves, Doutel de Andrade, que nessa hora estava
já em uma ligação muito estreita com o Jango. Temperani Pereira, deputado do
Rio de Janeiro, respeitadíssimo por todos nós. Arthur Virgílio e eu. Jango sai
de sua sala e nos cumprimenta. Percebia-se no presidente um quadro
rigorosamente de insegurança. Estava vestido de branco, roupa amassada,
desalinhavada, a voz morta. E tentando conosco analisar o quadro nacional, que
não nos dava nada que não fosse pior. Telefona do Rio Grande do Sul o general
Ladário Pereira Teles, figura de grandeza e respeitada por todos nós. E tinha
acabado como comandante do III Exército. Boa parte do III Exército já tinha
aderido ostensivamente à ação golpista e retiraram o governador do Rio Grande
do Sul de Porto Alegre, para levar para alguma base militar no interior do
Estado fora da área de choques eventuais. É o Ladário que lhe dá uma convocação
vigorosa. ‘Venha para cá, presidente, venha para cá. É a sua Terra, é a nossa
região. Aqui, venha para cá’. O presidente para um pouco e volta para a
conversa conosco: ‘Que acham vocês?’. Foi unânime entre os pareceres que entre
ficar em Brasília ou ir para o Rio Grande do Sul era mais adequado ele ir. Já
tínhamos verificado que em Brasília não tinha nada que nos pudesse dar
tranquilidade. Lá havia o comandante de uma pequena quantidade de militares,
puramente proforma. O general Nicolau Fico. Mas ele era tão distanciado
inclusive nesses episódios mais imediatos, que também não tínhamos a respeito
dele nada que nos desse uma segurança diferenciada. Jango decide ir para Porto
Alegre.”
A partida
“Fomos todos com ele para o aeroporto e aí
aprendi uma coisa simples, assim. As folhas caem com muita facilidade das
árvores, mas eu nunca tinha visto o poder cair suas folhas tão rapidamente. Lá
no aeroporto, aqueles todos que tinham cumprimentado o presidente voaram.
Ficaram três pessoas no aeroporto. Tancredo, eu e Bocaiuva Cunha, líder do PTB.
O presidente entrou no avião , o mais moderno que o Brasil tinha, um Varig
Coronado. Era o mais completo, mais moderno e mais bonito. Esse é o que fora
acertado para levar o presidente para o Rio Grande do Sul. Ficamos esperando a
decolagem. Havíamos chegado às 20h da noite e até 11h o avião não tinha
decolado. Passei a ter uma crise nervosa. O presidente estava num avião para
decolar e o avião não decolava. O tempo passava, o objetivo era sair de
Brasília, algo havia de novo. Tancredo então diz ‘Vamos então entrar no avião
para falar com o presidente’. E entramos os três no avião para dialogar com o
presidente ou com quem quer que fosse. No espaço entre o avião e nós havia uma
guarda de soldados da Aeronáutica com baionetas levantadas. Tancredo, com
autoridade, fala forte: ‘Vocês estão falando com representantes do povo’.
Quando nos aproximamos da escada veio o presidente descendo do avião e diz
‘Estamos trocando de avião e em poucos instantes estaremos lá’. Tinham trocado
por um avião turbo-hélice que qualquer de nós sabia que voava como pardal, não
mais do que isso. Ele teve a infelicidade de dizer uma frase que mostra como
estava inteiramente desnorteado. Diz: ‘Fiquem tranquilos e mantenham-se bem que
em 48 horas nós estaremos de volta’. O presidente então decola. Estávamos nós
três na pista. Aí o Tancredo nos diz: ‘Acabo de lembrar de dez anos atrás ,
quando participei dos últimos instantes de Getúlio Vargas’. Ele tinha sido
ministro da Justiça e estado naquela reunião ministerial. ‘Fiquei pensando
quando me despedi dele que era a última vez que o via’."
A sessão do Congresso
“Fomos para a casa do Bocayuva e passamos a
fazer reuniões do Grupo Compacto, a esquerda do PTB. Em horas assim a gente
pode achar que conversar resolve alguma coisa. Não resolve nada. Mas faz bem
perguntar um pro outro o que é que está acontecendo. Não tinha passado uma hora
quando toca o telefone. Era uma secretária do Senado nos transmitindo que o
presidente da Casa, Auro de Moura Andrade, estava convocando uma reunião
extraordinária do Congresso a partir da 1h30. Não tínhamos alternativa a não
ser nos perguntar para que uma reunião à 1h30 da manhã? Quando cheguei ao
plenário já estava bem cheio. Eu estava na primeira fila, pela condição de
líder do partido e Tancredo, ao meu lado. Chega o presidente do Senado. Faz um
discursinho que o inquietava a situação, porque Brasília estava acéfala. Essa a
expressão que ele usou, acéfala. O presidente tinha decolado para o Rio Grande
do Sul, totalmente distante de qualquer decisão passível de ser tomada em
conta, e foi nessa linha de tentar demonstrar que o Jango tinha se portado mal,
deixando a capital da República sem o comando natural que lhe cabia, que, por
conta disso, ele se via, na condição de presidente do Congresso Nacional de
declarar vago o cargo de presidente República. E em decorrência de não sei qual
artigo da Constituição, convocou de imediato o presidente da Câmara dos
Deputados, Ranieri Mazzili, para que assumisse a presidência e em seguida
encerrou a sessão. Aí tem dois episódios que eu gosto de repetir, porque nas
horas agudas as coisas pequenas têm valor enorme. Tancredo pequenininho,
baixinho, levantou-se e gritou ‘canalha, canalha, canalha’. E ato contínuo o
Moura Andrade começa a descer a escadinha da presidência do Senado quando um
deputado de São Paulo, Rogê Ferreira, do Partido Socialista, uma figura
extraordinária, que tinha sido um líder estudantil imenso no sentido literal e
figurado, lutava box, era desportista. Ele abre o espaço até o presidente do
Congresso e dá-lhe duas cusparada na cara . Cusparadas cívicas. Sua excelência
se usou lenço , não sei, mas não reagiu. Ele se retirou. Pouco depois foi para
o Palácio do Planalto, onde Mazzilli ia tomar posse. Estava no Planalto
presente nada menos que o presidente do Supremo Tribunal Federal [Alvaro
Ribeiro da Costa]. Estava presente ali para sacramentar a decisão. Para mim,
foi inacreditável que o presidente do Supremo, que não podia nos ajudar em
nada, se desse ao direito de estar presente na hora da posse, desta forma, como
se deu. E o segundo fato é que assim que o Mazzilli se dirige ao Planalto chega
uma mensagem do presidente dos Estados Unidos cumprimentando o novo governo.
Isso mostrou naquela madrugada para mim e para outros que, de fato, os quadros
não tinham nada de improvisados, as coisas estavam articuladas de uma forma tal
que o golpe teria sido possível mesmo se Jango estivesse em Brasília. Ele ter
ido a Porto Alegre apenas deu a Moura Andrade margem para fazer o discurso de
casa vazia.”
Jango em Porto Alegre
“Ladário era da absoluta confiança do
presidente. E lá então Jango de imediato encontra com Ladário e generais que
formavam o comando do III Exército. Ladário faz um apelo para que o nomeie para
o comando resistência da ordem constitucional. Jango diz que não se sentia de
nenhuma forma no direito de preservar a sua função de presidente da República,
à custa de um choque que significaria o sangue do nosso povo. Entra em cena
Brizola, que pede que o nomeasse ministro da Casa Civil, para assumir ao lado
dele o comando civil. O presidente agradece e diz que ia se retirar para São
Borja. Mas antes que se retirasse, dois generais que estavam presentes tinham
demonstrado para o general Ladário que não havia base militar disponível que
permitisse sequer dar continuidade à proposição. Disseram que seria uma atitude
tão inócua que não conseguiriam nem sair de Porto Alegre. E então termina tudo.
Esses detalhes todos obtive de ex-ministros, com quem conversei
posteriormente.”
Cassação e exílio
“O Mazzilli era um homem do PSD da elite
paulista, muito cortês. Um democrata que tinha sua posição, mas muito cordial
nas relações com quem era da outra faixa. Ele recebeu a informação de que eu
seria preso a qualquer instante em Brasília. Ele manda me informar. Dois
integrantes do PTB, Rubens Paiva e Bocayuva Cunha, vieram até mim e disseram:
‘Almino, você não pode ficar em Brasília. Nós temos que te tirar daqui. Pra que
ser preso agora?’. Era um momento de muita insegurança, o que significaria uma
prisão. A maneira de cada um agir era tão fora das normas... Em resumo, à
revelia de minha família, decidiram levar-me de Brasília para o interior da
Bahia. Saio de Brasília em uma avioneta, já que era uma batalha para poder sair
de Brasília, dado que o aeroporto já estava com tanques de guerra, ali todos à
frente e me levam para uma fazenda do Bocayuva. Passada uma semana bem ou mal a
Câmara continuava funcionando. Ainda não tinha vindo o Ato Institucional. Nem
portanto as cassações dos mandatos. Então eu fiquei, de repente, numa situação
péssima, longe da Câmara e , portanto, estava numa fuga. Me senti mal. Volto
para Brasília. Estava na casa do Bocayuva porque meu apartamento era vigiado
noite e dia. Chega, para minha surpresa, o deputado San Thiago Dantas, uma das
figuras maiores que eu conheci na vida [ex-ministro das Relações Exteriores e
da Fazenda]. Foi lá visitar-me na casa do Bocayuva. E me disse: ‘Almino, eu
venho ter uma conversa com você, pela amizade que eu tenho e admiração . Você é
muito jovem. Não se deixe prender. O preso é esmagado, desmerecido, empulhado.
Você sofrerá todas as infâmias e não pode sequer protestar. Permita-me que
sugira que opte pelo exílio’. Para tomar uma decisão como essa eu teria que
discutir com minha família. Mas ele insistiu: ‘Isso demorará pouco tempo. Tudo
isso que estamos vivendo aqui vão ser quatro, cinco anos se muito’. Ele era
muito pensante, mas nesse dia a análise dele foi deplorável. E eu aceitei.
Nesse instante o deputado Rubens Paiva volta com a informação de que eu havia
sido cassado. E ele também. O San Thiago perguntou ‘E eu?’. Paiva disse ‘Não, o
senhor não foi cassado’. San Thiago morreu menos de seis meses depois, já
estava muito doente. Optei pela Iugoslávia, um dos três países que já tinha
embaixada em Brasília. Os outros eram Estados Unidos e França. A partir daí foi
uma viagem de navio, interminável, para a Iugoslávia. Da Iugoslávia fui para o
Uruguai, ainda em 1964, mas fiquei lá seis, sete meses, sem emprego. Vou então
para o Chile e depois para a Argentina. Aí em 1976 decido voltar ao Brasil.
Quando cheguei ao aeroporto lá estavam Exército, Marinha , Aeronáutica, todos
me esperando. Não fui preso, mas foram quatro horas de interrogatório.”
Regime Militar
"O amparo militar a Jango parecia coeso.
No Recife, o comandante do IV Exército, Justino Alves Bastos, tinha falado para
o presidente que estava tudo em ordem. Depois soubemos que ele já tinha dado a
ordem de prisão pro Arraes. Nessas horas assim, é um caos para valer, um caos
para valer mesmo. Nada era como nós imaginávamos."
Convite para o golpe
“Um certo dia o general Osvino Alves, que foi
comandante do I Exército, quis ter uma reunião com o presidente, e o presidente
me chamou. Ele diz ‘Almino, o general Osvino está querendo ter contato comigo,
visitar-me. Veja o que ele quer, para que eu possa concordar que ele venha’. O
general Osvino me conhecia porque quando fui ministro do Trabalho, em 1963, ele
foi me visitar, como comandante do I Exército. São banalidades, mas isso a
gente não esquece. Fui em um aviãozinho e tive meu contato com o general Osvino.
E ele me diz com todas as letras ‘Nós achamos que está havendo clima de
crescente insegurança no governo. Há um clima de reformas, e este clima reclama
soluções, decisões. Mas ele não tem base para tomar medidas legais para
fazê-lo. Então estamos achando que é necessário fechar o Congresso e o
presidente ter um lapso de tempo X para tomar todas as medidas que são
necessárias’. Eu perguntei ‘General Osvino, e os ministros militares o que
fariam?’. Ele falou ‘as questões de ordem politica cabem ao presidente. Nós
cuidamos das questões de ordem militares’. Voltei ao presidente naquela mesma
noite para transmitir essa mensagem. E o presidente disse. ‘Tu vês como são as
coisas, Almino. Às vezes tem propostas desse jeito. Eu não quero nada disso’.
Falo isso para mostrar que há amigos que chegam ao ponto de fazer uma
proposição desta. O presidente tinha portanto, em tese, elementos de confiança
dentro das Forças Armadas. Os generais se propunham a fechar o Congresso. Mas
não houve nenhuma sequência, já que o presidente não recebeu o general Osvino.
Recusou-se de maneira absoluta. Se ele quisesse atravessar a fronteira com o
Congresso, em tese poderia tê-lo feito.”
Reformas, Jango e Lula
“O quadro era conflitivo para todos os lados. Quando houve o comício da Central no dia 13, o Jango sustentou a reforma agrária de maneira absoluta, mas isso criava problema para todo lado. Boa parte do Congresso de então ou era proprietária de terras ou defendia proprietários de terras. Como ter a reforma agrária? A Constituição inviabilizava com a exigência de desapropriação em dinheiro. Para tentar contornar o problema o PTB apresentou um projeto, permitindo a indenização com pagamento em título público. Este projeto parou na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. Outro ponto era o direito de greve. O Congresso não votava a regulamentação do direito de greve. Simplesmente não havia maioria para isso. A criação do 13° salário teve foi votada com enorme dificuldade. Tivemos que fazer um acordo com a oposição para conseguir avançar nessa pauta. Se não negociar, não vota. Não vota. Aqui entre nós, é o que está faltando ao Lula. A negociação interna não está havendo. O parlamento faz, não faz, tumultua. Vai da Câmara para o Senado, volta para a Câmara. Está faltando mais liderança para poder articular isso, mas aí é outra história.”
Um comentário:
Muito bom! História viva! EUA sempre metidos nos golpes militares na América que derrubaram quase todas as democracias do continente!
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