domingo, 21 de abril de 2024

Vinicius Torres Freire - O PCC e as ruínas nacionais

Folha de S. Paulo

Deixamos o crime tomar o país até chegar à política; estamos gestando mais desastre

Nos anos 1990, autoridades do governo do estado de São Paulo diziam que o PCC não existia. Era uma fantasia da imprensa. Mas esse unicórnio havia sido fundado em 1993, até com estatuto.

Em 2001, o PCC já dominara presídios paulistas. Em 2002, passou a melhorar a governança. Bandidos mais destemperados perderam o poder ou a cabeça. Avaliou-se que a aliança com o Comando Vermelho não rendia sinergias. Profissionalizou-se a gestão, sob o comando de Marcos Camacho, aliás Marcola.

Com o levante de 2006, o PCC mostrou que era capaz de aterrorizar e paralisar São Paulo com ataques a policiais, rebeliões em presídios, boatos, atentados e crimes em geral.

"A história do levante homicida do PCC começa a se desvanecer. Transforma-se aos poucos em um desses confusos casos judiciais que amarelecem nas gavetas da burocracia e da politicagem. Talvez voltemos a saber de Marcola quando descobrirmos o mensalão do PCC. Isso mesmo, deputados levando dinheiro do lobby oficial do crime" escrevia em 2006 este jornalista, nesta Folha, duas semanas depois da insurreição.

Não era previsão, apenas desespero amargo. Mas aconteceu. Há indícios gritantes, para ficar no eufemismo, de que vereadores paulistas recebem propina do PCC. O suborno, na verdade, é apenas parte de esquema muito maior de expansão do poder político e dos negócios do crime, já estabelecido em ramos como transporte público, postos de combustíveis, comércio, limpeza e vigilância.

Depois de presídios, o PCC dominou bairros pobres com autoridade quase estatal (poder de polícia, Justiça e "regulação" econômica). Invadiu a Amazônia. Ainda não se sabe qual o ramo de atuação de cada grupo, mas PCC e similares organizam ou financiam extração pirata de madeira e minério, tráfico de pessoas, desmatamento. O crime também se internacionalizou. É parte das cadeias globais de valor de cocaína.

A novidade é que promotores e polícia investigam esse horror de modo sistemático no estado. A leitora dirá que o jornalista é ingênuo, pois coisa pior já acontecera. Os Bolsonaro bancavam parentes da milícia, por exemplo.

Entre a política municipal de São Paulo e Rio e as alturas do poder federal, quanto mais já estará tomado pelo crime? A pergunta também é ingênua. Como mostram tantos cientistas sociais, há mais do que invasão do Estado pelo crime, mas o desenvolvimento de um Estado criminoso. Enquanto isso, o Congresso se ocupa de constitucionalizar a prisão em massa de gente pega com trouxinha de maconha.

Estas linhas nem chegam a ser um resumo superficial do desastre sabido. A ideia é lembrar como deixamos um monstro crescer até ficar fora de controle, se é que já não nos controla. É fácil listar outros desastres em gestação.

A desmoralização e o fracasso das campanhas de vacinação são um convite a epidemias e à morte de crianças.

O avanço parlamentar sobre o Orçamento vai esgotar em breve a capacidade de investimento federal de impacto, picotando o dinheiro em obras de pinguelas, acelerando a ruína da já precaríssima infraestrutura nacional.

Mesmo que tivéssemos crescimento econômico mais veloz, não será possível empregar parte da população, por causa do descaso sempiterno com a educação; falta de escola e envelhecimento vão levantar o assunto da imigração de mão-de-obra.

O crescimento ominoso da dívida pública pode se transformar em crise súbita quando as taxas de juros voltarem a subir, por inflação ou outra crise.

A destruição sem volta de Amazônia e Cerrado, nas nossas fuças, ameaça maior de hecatombe, nos deixaria sem água, eletricidade e agricultura.

Mantemos um monte de panelas de crise no fogo. Um dia, o caldo entorna. Temos visto.

 

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