Folha de S. Paulo
É imperativo evitar privatização da empresa
de saneamento do estado mais rico do Brasil
Depois do escândalo da privatização da
Eletrobras, a Sabesp é
a bola da vez.
A venda de participação acionária da empresa
teve a ampla concorrência... de
uma empresa interessada. Indagado a este respeito, o governo Tarcísio
reagiu com a novilíngua
privatista: "Não é falta de concorrência, é uma aderência ao que a
gente vem colocando desde o início".
Especializada em energia elétrica, a Equatorial conta com uma "vasta experiência" de dois anos no setor de saneamento, "conquistada" com a privatização do serviço no Amapá, feita pelo governo Bolsonaro em 2021, sob a batuta do atual governador carioca de São Paulo.
Se efetivada a operação, a Equatorial deterá
15% das ações da Sabesp, adquiridas a preços abaixo dos vigentes no mercado (R$
67 contra R$ 75). Sim, a privatização do ativo público, subsidiada com o
dinheiro do contribuinte, é vista com naturalidade pela patrulha liberal.
Reportagens da Folha fizeram uma
radiografia picotada da privataria tarcisiana. Deixe-me organizar os dados para
o leitor. Ao se tornar "acionista de referência", a empresa terá
participação acionária de 15% e o poder desproporcional de indicar o CEO da
Sabesp, o presidente e três membros do conselho de administração.
Os
principais acionistas da Equatorial são "o Opportunity, do
banqueiro Daniel Dantas, as gestoras Atmos, Capital World Investors, Squadra
Capital e o fundo americano de investimentos Blackrock". Com efeito, o
"futuro plano de eficiência" da Sabesp prevê "redefinir a
relação com sindicatos, otimizar benefícios e políticas de remuneração".
E, claro, a governança da Sabesp seguirá a "cultura de dono", isto é,
o "alinhamento de incentivos por performance". Traduzindo: corte no quadro
de funcionários e elevação da remuneração da diretoria executiva. Este arranjo
tem dado certo com a Enel em São Paulo, não?
A otimização de custos operacionais e da
estrutura de capital da Sabesp visa aumentar o endividamento da empresa para
fazer caixa e, assim, aumentar a distribuição de lucros aos acionistas. Com
este nível da taxa de juros brasileira, o acionista ganha o retorno hoje e o
usuário paulista paga os juros com tarifa mais alta no futuro.
Neste ponto, a racionalidade técnica do
exterminador de estatais tem uma solução: utilizar
os ganhos com a privatização para subsidiar, nos primeiros anos, as
tarifas pagas pelo consumidor paulista. Sim, o governo vai usar o ganho com a
venda da casa para financiar o aluguel da casa. "Imprecionante"!
Diferentemente do Amapá, onde a cobertura de
serviços de saneamento é muito baixa —apenas metade da população tinha acesso a
água tratada e meros 4,5% da população contava com coleta de esgoto—, a situação da cobertura no estado de São Paulo é próxima
de total. Em 2022, os índices de cobertura de água (98%), de esgoto (92%) e de
tratamento de esgoto coletado (85%) deixam nítido que o contribuinte paulistano
já amortizou o investimento na estatal paulista desde 1973, quando foi fundada.
A Sabesp é uma empresa altamente lucrativa e
com capital aberto em Bolsa. Mesmo assim, o governo Tarcísio não conseguiu
gerar concorrência para privatizar a maior empresa de saneamento do país. É um
feito e tanto!
Com controle da Sabesp, a Equatorial se
consolidará como "empresa
multiutilidades"; em 2023, sua margem de lucro foi de 77%. A ironia
desta história é que um governo bolsonarista está subsidiando, à custa do
contribuinte paulista, uma nova campeã nacional.
A reestatização do saneamento em Paris e Berlim —dentre dezenas de cidades mundo afora— questiona a fé inabalável na gestão privada dos recursos hídricos. É imperativo evitar este retrocesso no estado mais rico do Brasil.
Um comentário:
Excelente! Os eleitores paulistas apoiaram o carioca bolsonarista e vão pagar o pato... Vender a Sabesp por muito menos do que ela vale é realmente digno do mais esperto dos bolsonaristas. E ainda propagandeia mentirosamente que é um ótimo negócio... Sempre tem os tolos que acreditam!
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