O Globo
Eleições britânica devolveu poder aos
trabalhistas e puniu Partido Conservador por apostas no Brexit e na redução do
Estado
Foi uma avalanche, como dizem os britânicos.
Depois de 14 anos na oposição, o Partido Trabalhista festejou uma vitória
histórica no Reino Unido. A centro-esquerda voltou ao poder com uma
supermaioria. Conquistou 412 cadeiras, quase dois terços da Câmara dos Comuns.
As manchetes parecem sugerir que a ilha se
pintou de vermelho. Não foi bem assim. Apesar do triunfo, os trabalhistas
receberam 500 mil votos a menos que na última eleição. O que definiu o
resultado foi a derrocada do Partido Conservador, de direita. Sua votação
despencou de 44% para 24% em cinco anos.
A bancada conservadora encolheu de 372 para 121 cadeiras — pior desempenho em quase dois séculos. Ao admitir a derrota, o primeiro-ministro Rishi Sunak reconheceu que os britânicos estavam com raiva de seu partido. “Sinto muito”, desculpou-se, no discurso de despedida.
A saída melancólica de Downing Street
encerrou um ciclo iniciado em 2010, com a ascensão de David Cameron. Em 14
anos, os tories venceram quatro eleições, indicaram cinco primeiros-ministros e
protagonizaram crises em série. O período pode ser resumido em duas apostas: no
Brexit e na austeridade econômica. Ambas fracassaram, produzindo estagnação e
impopularidade.
Em 2016, os britânicos decidiram deixar a
União Europeia. A escolha se baseou numa fantasia populista: ao romper com o
bloco, o país reviveria os tempos de glória do Império Britânico. O saldo foi
desastroso. A inflação subiu, a libra derreteu, e o Reino Unido perdeu força e
influência no cenário internacional.
No front doméstico, os conservadores adotaram
um programa econômico ultraliberal, baseado em cortes de impostos e enxugamento
do Estado. O déficit fiscal caiu, mas os serviços públicos ficaram em
frangalhos. O efeito mais visível foi sobre o sistema de saúde, que sempre foi
um orgulho nacional. A fila de espera por atendimento triplicou, e os hospitais
começaram a sofrer com a falta de investimentos e mão de obra.
Quando Cameron chegou ao poder, 70% dos
britânicos se diziam satisfeitos com o sistema, conhecido pela sigla NHS. No
ano passado, a aprovação havia minguado para 24%. O sucateamento castigou a
classe média e os mais pobres, que já penavam com a alta do custo de vida.
Parte desse eleitorado migrou para a extrema
direita, liderada pelo histriônico Nigel Farage. Com discurso xenófobo, seu
Partido Reformista abocanhou 14% dos votos na quinta-feira. Pelas regras do
sistema eleitoral britânico, isso só resultou em cinco cadeiras no Parlamento.
Mas foi determinante para a ruína dos conservadores.
Diante da derrota iminente, Sunak ainda
ensaiou uma guinada nacionalista. Filho de indianos, anunciou um plano para
capturar e despachar imigrantes para Ruanda. A ideia não saiu do papel. Só
serviu para expor o desespero do premiê.
A vitória trabalhista consagrou Keir Starmer,
um político de pouco carisma que costuma ser descrito como “pragmático” e
“centrista”. Depois de assumir a liderança do partido, ele promoveu um expurgo
em sua ala mais à esquerda, tachada de radical. Na campanha, evitou temas
polêmicos e administrou o favoritismo com promessas genéricas.
Na véspera da eleição, Starmer aceitou falar
sobre o Brexit. Descartou uma volta ao bloco europeu, na contramão do que
defendia até pouco tempo atrás. A ver se os britânicos votaram na mudança para
que tudo permaneça como está.
Um comentário:
A ver.
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