quinta-feira, 29 de agosto de 2024

Malu Gaspar – De volta ao passado

O Globo

Uma parte do Brasil está vidrada no fenômeno Pablo Marçal, outra parte preocupada com o fogo que se alastra por florestas e plantações. A força da extrema direita e a emergência ambiental são desafios dos anos 2020 para os quais Lula terá de encontrar uma resposta. No dia a dia do governo, porém, os esforços estão mais voltados para prioridades que parecem ter saído de uma agenda dos anos 2000.

Uma delas, anunciada pelo presidente em reunião com os presidentes dos fundos de pensão na semana passada, envolve mudar a regulação dessas entidades para que Previ (dos funcionários do Banco do Brasil), Petros (Petrobras), Funcef (Caixa Econômica Federal) e Postalis (Correios) possam injetar dinheiro nas obras do PAC.

Juntos, esses fundos têm mais de R$ 500 bilhões para investir. Mas deixaram de poder aplicar em empreendimentos imobiliários e de infraestrutura, focos de escândalos que provocaram rombo estimado em R$ 50 bilhões com investimentos movidos a propina durante os governos Lula e Dilma Rousseff.

Para poder usar esse dinheiro, Lula pretende aprovar na Secretaria de Previdência Complementar uma autorização para que eles voltem a comprar títulos imobiliários e de infraestrutura.

Só que os gestores dos fundos já avisaram que só aceitam o novo modelo se ele derrubar também o decreto presidencial que pune os responsáveis por “erros de gestão”, com inabilitação de até dez anos e multa de até R$ 1 milhão.

Segundo esses dirigentes, manter as sanções seria a “criminalização” do setor. Curioso como esse termo, “criminalização”, tem sido usado ultimamente como sinônimo de injustiça contra pessoas que… cometeram crimes.

Os funcionários e pensionistas da Caixa, da Petrobras e dos Correios que pagam taxas extras ou sofrem descontos mensais no contracheque dificilmente encontrariam termo melhor que crime para descrever as negociatas praticadas com a poupança que eles fizeram durante uma vida para poder se aposentar com tranquilidade.

Foi à custa de propina que Joesley e Wesley Batista confessaram ter obtido mais de R$ 500 milhões de Funcef e Petros para financiar a fusão de empresas de celulose e um fundo de investimento em florestas de eucalipto.

Foi assim, também, que Marcelo Odebrecht contou à Justiça ter convencido a Previ a comprar dois prédios de R$ 800 milhões em São Paulo. O mesmo modus operandi deu origem à Sete Brasil, que só da Petros levou R$ 1,7 bilhão e afundou sem ter entregado os navios-sonda prometidos.

A solução do governo Lula para diminuir a resistência ao uso dos fundos é usar o caixa das empresas para ajudar a cobrir o rombo. Os Correios já se comprometeram a colocar R$ 7,6 bilhões no Postalis. Mas o buraco é de R$ 15 bi, portanto ainda sobrará metade para funcionários e aposentados pagarem.

Na Petrobras, discute-se aporte parecido, além do fechamento de um acordo para pagar cerca de R$ 1 bilhão de compensação à massa falida da Sete Brasil — como se a petroleira, em vez de vítima, fosse culpada pelo prejuízo.

Na cúpula da companhia, não é segredo que um dos maiores interessados nesse acordo é João Vaccari Neto, ex-tesoureiro do PT e ex-presidente do Sindicato dos Bancários. Com a volta de Lula ao poder, ele retomou a influência que tinha no passado, inclusive sobre os fundos de pensão.

É justamente na seara de Vaccari que o governo acaba de aprovar outra inovação com cheiro de naftalina. Esta permite aos sindicatos receber parte dos recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador, o FAT, para usar em projetos de qualificação e oferta de emprego.

Como se não bastasse, deputados e senadores também poderão destinar emendas para projetos com o dinheiro do fundo — inclusive os administrados pelos sindicatos.

O objetivo é socorrer entidades que mergulharam na penúria depois que a reforma trabalhista extinguiu o imposto sindical obrigatório. O fundo, que tem R$ 107 bilhões para aplicar em projetos de emprego e qualificação, é fonte de escândalos desde bem antes da era petista.

Não consta, porém, que tenha havido algum aperto nos controles sobre a gestão do dinheiro que agora será usado por deputados e sindicalistas.

A agenda ultrapassada de que Lula faz tanta questão já tirou o PT do poder nos anos 2010 e continua a pesar sobre o partido (e a esquerda em geral).

Por isso mesmo, em tempos de Marçais e de emergência ambiental, conviria buscar novas formas de impulsionar o desenvolvimento e gerir os recursos públicos. Mas, pelo jeito, não existe no entorno de Lula criatividade ou habilidade para enfrentar os problemas do presente sem depender da volta ao passado.

 

10 comentários:

Anônimo disse...

O jornalismo da imprensa tradicional faz crítica ao Lula com todo cuidado e carinho agora por exemplo essa reportagem ao invés de denunciar uma nova tentativa de colocar a mão no dinheiro dos aposentado das grandes estatais fica aí de lero-lero dando conselho quase choramingando Pela volta da galera insaciável pelo dinheiro público que estão tomando os fundos de pensões para saqueá-los novamente

Mais um amador disse...

Economistas chamados de heterodoxos, com razão, defendem o amplo uso de recursos públicos para viabilização de projetos e políticas de Estado que promovam o desenvolvimento dos países. Reiteradamente, usam os exemplos positivos praticados nos países ricos do Ocidente e asiáticos. Sem entrar em romantismos, o PC Chinês dá uma aula ao mundo em termos de adaptação às exigências da economia global nas últimas décadas, inclusive enfrentando problemas seríssimos como os da corrupção entranhada na burocracia daquele país.

Enquanto isso, por aqui, os ratos, ratazanas e abutres, de todos os tipos, ficam a espreitar e, literalmente, sugar os recursos gerados por quase todos.

Por enquanto, é o que temos.

😏😏😏

Anônimo disse...

Sobre "corrupção entranhada na burocracia" governamental, será que a da China é a única? Ou a maior?

Mais um amador disse...

Sugiro a leitura :

" China pune 1 milhão de corruptos em maior expurgo desde Mao "

( BBC Brasil )

https://www.bbc.com/portuguese/internacional-41733390

Anônimo disse...

Excelente coluna! Lula parece mesmo ter dificuldade de sair do passado... Várias coisas deram certo nos seus governos anteriores, e podem ser mantidas ou repetidas, mas outras foram negativas e até catastróficas. Seu governo tem que aprender com os erros do passado, mas isto não parece estar ocorrendo.

Daniel disse...

Excelente! Vale muito a leitura!

ADEMAR AMANCIO disse...

Criticar é sempre mais fácil que governar.

marcos disse...

O que o PT inventou deu errado
O que deu creto não foi ele que inventou

Dito isso, o artigo é perfeito. Já Anônimo à direita é um imbecil. Mais um Amador é de extrema esquerda! Chama de romantismo criticar o PC Chinês totalitário e assassino. E nos informa - usando a BBC estatal a favor de Putin e Khamenei - que o PC chinês combate a corrupção! Mais um amador é um pulha.

MAM

Mais um amador disse...

MAM diz que Amador é de extrema esquerda e " chama de romantismo criticar o PC Chinês ".

MAM tem dificuldades com interpretação de textos básicos, mas, se não tiver, pode ser só ingênuo. Mas, se não for ingênuo, pode ser burro. Mas, como não deve ser burro, pode ser apenas hipócrita. Pode ser hipócrita, mas como gosta de categorizar e definir os outros a partir de uma esperta seleção de palavras, MAM pode não ser apenas tudo isso, mas, antes, um canalha. Um canalha que se acha no direito de julgar os outros a partir de sua pobreza e de sua desonestidade.

MAM finge desconhecer que todos, absolutamente todos os países, partidos ou grupos possuem interesses. E que todos, absolutamente todos, possuem, mais ou menos, as mãos sujas de lama ou de sangue. Quando se diz um crítico dos totalitarismos dos outros, MAM finge desconhecer que as atuais democracias liberais também são permeadas de práticas totalitárias, inclusive de governos. Se MAM acredita que somente a China e a Rússia são exemplos de regimes totalitários, MAM, além de desonesto, hipócrita e canalha, também é ingênuo.

MAM também finge desconhecer que, numa era de globalização e economias de escala, todos os grandes conglomerados, bancos e afins possuem interesses e investimentos em praticamente todos os países, independentemente de seu regime ou viés ideológico, pois, no final, o que realmente conta, é a obtenção de resultados para os grupos envolvidos. Mas se MAM acredita realmente na bandeira da liberdade por se achar livre para criticar o governo e políticos de seu país, diferentemente do que ocorre no regime chinês ( mesmo sabendo que ni interior do tal PC existem diversas correntes teóricas ), e acha que isso está realmente de bom tamanho, MAM, além de ingênuo, hipócrita e canalha, também é um iludido.

MAM pode até acreditar que é um julgador honesto, mas, no final, pode não ser merecedor de algo que não vá além do desprezo.

Mais um amador disse...

Mais uma coisinha, para não dar margens a respostas de desonestos FDPs: NÃO sou defensor de grupos terroristas, nazismo, fascismos, regimes e governos como os do Irã, Rússia, Venezuela ou China. De todos os que estão espalhados por aí, as democracias liberais ocidentais com economias de mercado ainda são o melhor modelo a ser aperfeiçoado. Mas nada que me impeça de ( tentar ) imaginar o que outros países produziram de bom para ser adaptado e aplicado aqui. Todas as atuais potências fizeram isso. Só ler um pouco e ( tentar ) ser um pouco menos tapado.