segunda-feira, 22 de junho de 2009

Divisionismo

Raul Henry
DEU EM O GLOBO

Há no Brasil um debate efervescente sobre a ideia de implantar cotas raciais como critério de acesso às universidades federais. Os defensores da tese argumentam que é necessário reparar as injustiças históricas causadas pela escravidão, que geraram no Brasil uma sociedade profundamente desigual, sendo os negros sua principal vítima.

O Brasil é realmente um país injusto. A distribuição da renda, medida pelo indicador de Gini, coloca o país entre as dez nações de maior desigualdade social do mundo. As causas dessa realidade perversa são várias: a colonização baseada na expropriação das riquezas nacionais, o absoluto descaso com uma educação pública e universal e, sem nenhuma dúvida, o regime de escravidão que foi o último a ser abolido entre todos os países ocidentais.

Por que ser contra uma política afirmativa de cotas raciais em um contexto como esse?

A resposta fundamenta-se em vários argumentos, apresentados a seguir:

1 - Reparar essas enormes injustiças históricas exige, sim, políticas afirmativas e compensatórias. Mas elas devem ser extensivas a todos os pobres. Todos eles, sem exceção, sofrem as consequências da falta de oportunidades, da exclusão e da pobreza. Não é aceitável, portanto, na hora de implantar essas políticas, separá-los pela cor da pele. Qual a diferença entre uma criança branca pobre e uma criança negra pobre, que sejam vizinhas em qualquer favela do país?

2 - A escravidão é uma cicatriz que não pode ser negada. E sua maior consequência é que os negros são as maiores vítimas do fenômeno da desigualdade no país. Eles estão em maior proporção entre os mais pobres. Se o que se defende aqui são políticas afirmativas para os mais pobres, evidentemente, a população negra será a mais contemplada por essas políticas.

3 - A sociedade brasileira é injusta. Mas ela construiu um patrimônio único: o Brasil é, indiscutivelmente, a nação mais misturada do mundo. Não é correto tentar separar artificialmente o que naturalmente se misturou.

4 - Os mais recentes estudos sobre o código genético mostram, com toda clareza, que é impossível definir raças sob o ponto de vista científico. Pertencemos a uma única raça. A raça humana.

5 - Não é admissível, depois dos desastres históricos vividos por nações que adotaram o critério racial para orientar a ação do Estado, um retrocesso. Aceitar essas ideias é, por definição, aceitar um Estado baseado em uma ordem jurídica racista, a ser operada por tribunais raciais, instituições cujo destino deve ser o lixo da história.

6 - Alguns apresentam a experiência americana como um caso de sucesso das políticas afirmativas das cotas raciais. No entanto, nada é tão diferente quanto a formação da sociedade brasileira e a formação da sociedade americana sob o ponto de vista étnico.

7 - Alguns também afirmam, com razão, que existe preconceito racial no Brasil. Mas, para combater o preconceito, o instrumento adequado não é uma lei racial.

O Brasil tem uma agenda de grandes desafios pela frente: melhorar a educação básica e o sistema público de saúde, combater a violência nos grandes centros urbanos, aprimorar legislação do trabalho e o sistema tributário, investir em infraestrutura social e econômica, e proteger seu imenso patrimônio ambiental, entre outros. O tema das cotas raciais não se incorpora a esse conjunto por ser inadequado, divisionista e ultrapassado.

Raul Henry é deputado federal (PMDB-PE).

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