DEU NA FOLHA DE S. PAULO
"Lula, o Filho do Brasil" é incrivelmente ruim. Fábio Barreto transformou uma vida única em vida exemplar; a biografia de Lula foi idealizada. Tudo é didático e infantilizante, e o repertório de clichês parece vasto como nunca antes na história do cinema deste país.
Crítica/"Lula, o Filho do Brasil"
Ficção ruim converte vida única em história exemplar
Clichês e interpretações fracas marcam longa de tom didático e infantilizante
"Lula, o Filho do Brasil" é um filme incrivelmente ruim. A ponto de ter frustrado a plateia de convidados que o recebeu com aplausos discretos e ligeiros ao final da estreia, anteontem, na abertura do 42º Festival de Cinema de Brasília.
Na presença da primeira-dama, Marisa Letícia, do elenco, de vários ministros de Estado e de mais algumas centenas de figuras do mundo oficial brasiliense, esperava-se uma noite apoteótica. Não foi.
Antes da exibição, o produtor Luiz Carlos Barreto foi ao palco e criticou a organização do festival pela superlotação da sala.
Alertou que todos corriam risco de morte e pediu que os corredores fossem esvaziados. Foi vaiado. Fábio, o filho do Barretão, reclamou que os atores não tinham onde sentar. Pediu assentos livres. Mais vaias.
Curtos-circuitos à parte, o diretor Fábio Barreto tinha em mãos a matéria-prima de uma vida sem dúvida excepcional: a história única do retirante nordestino que chega à Presidência da República num país desigual como o Brasil.
O filme, no entanto, transformou a vida única em vida exemplar. A biografia de Lula foi idealizada, como se o presidente já estivesse contido em cada gesto da criança predestinada que nasceu no sertão pernambucano, filha de pai alcoólatra e de mãe infinitamente dedicada e bondosa. De resto, passagens importantes na vida do personagem, como a filha Lurian, que teve com Miriam Cordeiro, são deixadas de lado.
O ideário nacional-popular no filme assume propósitos edificantes, como se estivéssemos diante de uma aula-show de moral e cívica dos novos tempos. A narrativa é linear e convencional; tudo é didático, esquemático, infantilizante; o repertório de clichês parece vasto como nunca antes na história do cinema deste país.
A preocupação pedagógica, de realizar um filme bem explicadinho e redundante, lembra algo dos procedimentos da arte socialmente engajada, do antigo CPC ou do realismo socialista.
Mas, aqui, a pedagogia da superação pessoal está submetida à lógica do dramalhão, posta a serviço de uma sensibilidade que aproxima o filme das telenovelas. Seria talvez o caso de falar em realismo de mercado, ou mercadista.
Barretão parece sincero quando diz que fez o filme para "ganhar dinheiro". Fábio não mente quando insiste que o filme é um "melodrama épico", feito para "divertir e emocionar". O pragmatismo sem peias e a vulgaridade da família Barreto não deixam de ser um sinal (político? estético?) do momento nacional.
Registre-se a passagem em que um sindicalista, nos anos 70, saúda o bar "cheio de brameiros". A expressão não existia na época. O jargão da publicidade recente invade a tela sem nenhum pudor. É triste que uma produção tão cara para os padrões brasileiros tenha resultado em interpretações tão precárias em alguns casos.
Rui Ricardo Dias não se decidiu entre ter ou não ter a língua presa, entre imitar o Lula verdadeiro ou inventar uma dicção para seu personagem. Aristides, o pai de Lula, vivido por Milhem Cortaz, é quase um vilão de quadrinhos, resmungando, cambaleando e babando cachaça, sempre com gestos caricatos. A Marisa Letícia arisca de Juliana Baroni é a boa surpresa do elenco, que tem em Glória Pires, no papel de Dona Lindu, a mãe de Lula, seu porto seguro. De novela ela entende.
O filme se encerra com o trecho do discurso de posse em que Lula oferece seu "diploma" à mãe. A narrativa, no entanto, acaba em 1980, quando Lindu morre e o líder sindical deixa o Dops depois de um mês preso.
A história política aparece no filme como pano de fundo, quase uma moldura da trajetória do filho de Dona Lindu. Desde cedo, Lula está sempre fazendo comentários ponderados.
Quando vê pela TV a decretação do AI-5, solta, em tom de lamento: "Mas já estava tudo na mão deles".
A moral da história, porém, vai sendo salpicada ao longo da trama pelas falas que a mãe dirige ao filho em tom de ensinamento: "Primeiro a obrigação, depois a distração"; "O mais importante é não esquecer de onde você veio"; "A gente faz o que dá pra fazer, mesmo que seja pouco"; "Se você sabe o que é pra fazer, vai lá e faz, se não der, espera."
Com "O Filho do Brasil", o lulismo recebe a bênção materna.
LULA, O FILHO DO BRASIL
Quando: estreia em 1º/1 nos cinemas
Avaliação: ruim
"Lula, o Filho do Brasil" é incrivelmente ruim. Fábio Barreto transformou uma vida única em vida exemplar; a biografia de Lula foi idealizada. Tudo é didático e infantilizante, e o repertório de clichês parece vasto como nunca antes na história do cinema deste país.
Crítica/"Lula, o Filho do Brasil"
Ficção ruim converte vida única em história exemplar
Clichês e interpretações fracas marcam longa de tom didático e infantilizante
"Lula, o Filho do Brasil" é um filme incrivelmente ruim. A ponto de ter frustrado a plateia de convidados que o recebeu com aplausos discretos e ligeiros ao final da estreia, anteontem, na abertura do 42º Festival de Cinema de Brasília.
Na presença da primeira-dama, Marisa Letícia, do elenco, de vários ministros de Estado e de mais algumas centenas de figuras do mundo oficial brasiliense, esperava-se uma noite apoteótica. Não foi.
Antes da exibição, o produtor Luiz Carlos Barreto foi ao palco e criticou a organização do festival pela superlotação da sala.
Alertou que todos corriam risco de morte e pediu que os corredores fossem esvaziados. Foi vaiado. Fábio, o filho do Barretão, reclamou que os atores não tinham onde sentar. Pediu assentos livres. Mais vaias.
Curtos-circuitos à parte, o diretor Fábio Barreto tinha em mãos a matéria-prima de uma vida sem dúvida excepcional: a história única do retirante nordestino que chega à Presidência da República num país desigual como o Brasil.
O filme, no entanto, transformou a vida única em vida exemplar. A biografia de Lula foi idealizada, como se o presidente já estivesse contido em cada gesto da criança predestinada que nasceu no sertão pernambucano, filha de pai alcoólatra e de mãe infinitamente dedicada e bondosa. De resto, passagens importantes na vida do personagem, como a filha Lurian, que teve com Miriam Cordeiro, são deixadas de lado.
O ideário nacional-popular no filme assume propósitos edificantes, como se estivéssemos diante de uma aula-show de moral e cívica dos novos tempos. A narrativa é linear e convencional; tudo é didático, esquemático, infantilizante; o repertório de clichês parece vasto como nunca antes na história do cinema deste país.
A preocupação pedagógica, de realizar um filme bem explicadinho e redundante, lembra algo dos procedimentos da arte socialmente engajada, do antigo CPC ou do realismo socialista.
Mas, aqui, a pedagogia da superação pessoal está submetida à lógica do dramalhão, posta a serviço de uma sensibilidade que aproxima o filme das telenovelas. Seria talvez o caso de falar em realismo de mercado, ou mercadista.
Barretão parece sincero quando diz que fez o filme para "ganhar dinheiro". Fábio não mente quando insiste que o filme é um "melodrama épico", feito para "divertir e emocionar". O pragmatismo sem peias e a vulgaridade da família Barreto não deixam de ser um sinal (político? estético?) do momento nacional.
Registre-se a passagem em que um sindicalista, nos anos 70, saúda o bar "cheio de brameiros". A expressão não existia na época. O jargão da publicidade recente invade a tela sem nenhum pudor. É triste que uma produção tão cara para os padrões brasileiros tenha resultado em interpretações tão precárias em alguns casos.
Rui Ricardo Dias não se decidiu entre ter ou não ter a língua presa, entre imitar o Lula verdadeiro ou inventar uma dicção para seu personagem. Aristides, o pai de Lula, vivido por Milhem Cortaz, é quase um vilão de quadrinhos, resmungando, cambaleando e babando cachaça, sempre com gestos caricatos. A Marisa Letícia arisca de Juliana Baroni é a boa surpresa do elenco, que tem em Glória Pires, no papel de Dona Lindu, a mãe de Lula, seu porto seguro. De novela ela entende.
O filme se encerra com o trecho do discurso de posse em que Lula oferece seu "diploma" à mãe. A narrativa, no entanto, acaba em 1980, quando Lindu morre e o líder sindical deixa o Dops depois de um mês preso.
A história política aparece no filme como pano de fundo, quase uma moldura da trajetória do filho de Dona Lindu. Desde cedo, Lula está sempre fazendo comentários ponderados.
Quando vê pela TV a decretação do AI-5, solta, em tom de lamento: "Mas já estava tudo na mão deles".
A moral da história, porém, vai sendo salpicada ao longo da trama pelas falas que a mãe dirige ao filho em tom de ensinamento: "Primeiro a obrigação, depois a distração"; "O mais importante é não esquecer de onde você veio"; "A gente faz o que dá pra fazer, mesmo que seja pouco"; "Se você sabe o que é pra fazer, vai lá e faz, se não der, espera."
Com "O Filho do Brasil", o lulismo recebe a bênção materna.
LULA, O FILHO DO BRASIL
Quando: estreia em 1º/1 nos cinemas
Avaliação: ruim
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