DEU EM O GLOBO
O desastre que hoje enfrenta a Grécia não surgiu da noite para o dia. Resultou de sérios equívocos de ação coletiva cometidos pela sociedade grega ao longo de muitos anos e vários governos. O que agora se vê é apenas o trágico final de uma aposta prolongada na ideia de que o país poderia viver para sempre muito além de suas possibilidades. Entre nós, o infortúnio grego deveria ensejar reflexões mais que oportunas sobre as inconsequências fiscais da sociedade brasileira.
No Brasil, o processo político vem engendrando, já há muito tempo, aumento continuado e explosivo de despesas públicas. Nos últimos 16 anos, os gastos primários dos três níveis de governo vêm-se expandindo ao dobro da taxa de crescimento do PIB. As contas públicas só têm sido mantidas sob relativo controle porque, em paralelo, a sociedade tem sido obrigada a destinar ao financiamento do governo parcela cada vez maior dos recursos que gera a cada ano. No esforço de aprofundamento da extração fiscal, a carga tributária teve de ser elevada de cerca de 24% do PIB, no início dos anos 90, para os atuais 36% do PIB. Uma assustadora elevação de 12 pontos percentuais do PIB.
O grande problema é que não há sinal crível de que esse regime fiscal insustentável, que tem requerido um aumento de carga tributária de 3 pontos percentuais do PIB a cada mandato presidencial, esteja prestes a sofrer mudança significativa.
É notória a falta de compromisso da ex-ministra Dilma Rousseff com a ideia de controle do dispêndio público. Desde 2005, quando liderou a resistência à contenção da expansão de gastos proposta por Antonio Palocci e Paulo Bernardo, Dilma Rousseff tem-se empenhado de todas as formas pelo aumento de dispêndio. Em termos de mudança do regime fiscal, não há muito a se esperar, caso seja eleita presidente.
Se o eleito for José Serra, é até possível que haja mais empenho no controle de gastos de custeio. Em entrevista à revista "Veja" (21/4), Serra mencionou a possibilidade de conter gastos com fornecedores por meio de revisão criteriosa de contratos. Mas nada disse sobre as despesas que compõem o grosso do gasto primário federal. O que, sim, deixou perfeitamente claro é que conta com o "aumento de arrecadação via combate à sonegação" para ampliar os investimentos públicos.
Combate à sonegação é fundamental. Mas, a esta altura, já não deveria mais ser plataforma para aumento de carga tributária. Caso Serra venha a ser eleito, o que de melhor se pode esperar no front fiscal, portanto, é alguma contenção no crescimento nos gastos de custeio, combinada a forte expansão de gastos de investimento, sem interrupção da escalada de carga tributária que vem sendo observada há muitos anos. É a insistência na ideia de que é sempre possível gastar mais com novo aprofundamento da extração fiscal.
Foi nesse clima de desalento sobre as reais possibilidades de mudança do regime fiscal, que foi anunciada, na semana passada, a estapafúrdia decisão da Câmara de extinguir a aplicação do fator previdenciário, uma fórmula que vem contribuindo para atenuar o impacto das aposentadorias precoces nas contas públicas. O mais chocante, contudo, não foi a irresponsabilidade do Congresso, sobre o qual o Executivo já não tem nenhuma ascendência, em face dos seus próprios e sucessivos desmandos na área fiscal. Foram, sim, as manifestações espantosamente escapistas e eleitoreiras que os dois principais candidatos a presidente se permitiram, diante de fato tão grave.
A toada é conhecida. Tudo indica que, numa triste repetição de 2002 e 2006, o país vai mais uma vez marchar para as eleições passando ao largo das questões fiscais que efetivamente importam para a discussão do programa de governo do próximo mandato presidencial. O Brasil vai-se dar ao luxo de mais quatro anos de enredo grego. Afinal, como o quadro ainda não configura uma tragédia, sua elite política acha que essas questões podem ficar para a campanha de 2014. Ou, os deuses permitindo, para as calendas gregas.
Rogério Furquim Werneck é economista e professor da PUC-Rio.
O desastre que hoje enfrenta a Grécia não surgiu da noite para o dia. Resultou de sérios equívocos de ação coletiva cometidos pela sociedade grega ao longo de muitos anos e vários governos. O que agora se vê é apenas o trágico final de uma aposta prolongada na ideia de que o país poderia viver para sempre muito além de suas possibilidades. Entre nós, o infortúnio grego deveria ensejar reflexões mais que oportunas sobre as inconsequências fiscais da sociedade brasileira.
No Brasil, o processo político vem engendrando, já há muito tempo, aumento continuado e explosivo de despesas públicas. Nos últimos 16 anos, os gastos primários dos três níveis de governo vêm-se expandindo ao dobro da taxa de crescimento do PIB. As contas públicas só têm sido mantidas sob relativo controle porque, em paralelo, a sociedade tem sido obrigada a destinar ao financiamento do governo parcela cada vez maior dos recursos que gera a cada ano. No esforço de aprofundamento da extração fiscal, a carga tributária teve de ser elevada de cerca de 24% do PIB, no início dos anos 90, para os atuais 36% do PIB. Uma assustadora elevação de 12 pontos percentuais do PIB.
O grande problema é que não há sinal crível de que esse regime fiscal insustentável, que tem requerido um aumento de carga tributária de 3 pontos percentuais do PIB a cada mandato presidencial, esteja prestes a sofrer mudança significativa.
É notória a falta de compromisso da ex-ministra Dilma Rousseff com a ideia de controle do dispêndio público. Desde 2005, quando liderou a resistência à contenção da expansão de gastos proposta por Antonio Palocci e Paulo Bernardo, Dilma Rousseff tem-se empenhado de todas as formas pelo aumento de dispêndio. Em termos de mudança do regime fiscal, não há muito a se esperar, caso seja eleita presidente.
Se o eleito for José Serra, é até possível que haja mais empenho no controle de gastos de custeio. Em entrevista à revista "Veja" (21/4), Serra mencionou a possibilidade de conter gastos com fornecedores por meio de revisão criteriosa de contratos. Mas nada disse sobre as despesas que compõem o grosso do gasto primário federal. O que, sim, deixou perfeitamente claro é que conta com o "aumento de arrecadação via combate à sonegação" para ampliar os investimentos públicos.
Combate à sonegação é fundamental. Mas, a esta altura, já não deveria mais ser plataforma para aumento de carga tributária. Caso Serra venha a ser eleito, o que de melhor se pode esperar no front fiscal, portanto, é alguma contenção no crescimento nos gastos de custeio, combinada a forte expansão de gastos de investimento, sem interrupção da escalada de carga tributária que vem sendo observada há muitos anos. É a insistência na ideia de que é sempre possível gastar mais com novo aprofundamento da extração fiscal.
Foi nesse clima de desalento sobre as reais possibilidades de mudança do regime fiscal, que foi anunciada, na semana passada, a estapafúrdia decisão da Câmara de extinguir a aplicação do fator previdenciário, uma fórmula que vem contribuindo para atenuar o impacto das aposentadorias precoces nas contas públicas. O mais chocante, contudo, não foi a irresponsabilidade do Congresso, sobre o qual o Executivo já não tem nenhuma ascendência, em face dos seus próprios e sucessivos desmandos na área fiscal. Foram, sim, as manifestações espantosamente escapistas e eleitoreiras que os dois principais candidatos a presidente se permitiram, diante de fato tão grave.
A toada é conhecida. Tudo indica que, numa triste repetição de 2002 e 2006, o país vai mais uma vez marchar para as eleições passando ao largo das questões fiscais que efetivamente importam para a discussão do programa de governo do próximo mandato presidencial. O Brasil vai-se dar ao luxo de mais quatro anos de enredo grego. Afinal, como o quadro ainda não configura uma tragédia, sua elite política acha que essas questões podem ficar para a campanha de 2014. Ou, os deuses permitindo, para as calendas gregas.
Rogério Furquim Werneck é economista e professor da PUC-Rio.
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