DEU EM O GLOBO
Quando o governo americano foi apanhado mandando espionar o partido adversário eclodiu nos Estados Unidos uma crise política sem precedentes e o presidente Richard Nixon caiu por impeachment. No Brasil, perdeu-se a noção de como é grave essa delinquência política. Não houve punição alguma quando o PT foi apanhado comprando dossiê no Hotel Ibis em São Paulo. Não haverá agora.
O ponto decisivo foi setembro de 2006, quando um grupo formado por dois graduados funcionários do comitê de campanha de reeleição do presidente Lula, um diretor do Banco do Brasil, o chefe de comunicação da campanha do então candidato do PT ao governo do estado de São Paulo, pessoas da copa e cozinha do presidente foram apanhados tentando comprar um dossiê contra adversários. Dois deles estavam com R$1,7 milhão na mão, em dinheiro vivo, sem origem comprovada.
Eles foram presos, depois soltos, o diretor do Banco do Brasil foi demitido com muitos elogios, o suposto chefe da operação é hoje próspero fazendeiro. A reação da ocasião foi tentar negar as óbvias ligações com a estrutura da campanha presidencial, o presidente Lula chamou-os de "meninos" e "aloprados", e depois denunciou um suposto golpismo contra ele, Lula.
Os atuais indícios de que se pretendia espionar o candidato do PSDB ou que podem ter sido acessados dados sigilosos dentro da máquina da Receita Federal de um dos integrantes da direção do maior partido da oposição são a comprovação de que o que não é punido se repete. De novo, o presidente Lula usa o mesmo truque de tentar inverter a situação e colocar seu partido como vítima de uma armação.
Mais assustador do que um episódio isolado é o fato de que eles se repetem, numa clara indicação de que vão se tornando prática política no Brasil em período eleitoral. Espionar o adversário político usando escutas ilegais, acessando dados informados exclusivamente ao Setor Público e que estão protegidos por sigilo é totalmente inaceitável. Acostumar-se a isso é começar a cavar a cova da própria democracia, que pressupõe que todos se submetam às leis e que os partidos que governam são administradores temporários e não donos da República. Usar a máquina pública para intimidar adversários políticos é um veneno letal às instituições.
Há várias formas de ameaçar a democracia. Da mais óbvia delas, o golpe de Estado, aprendemos a nos defender. Mas existem outras formas sutis de solapar a democracia, deformá-la até que ela fique irreconhecível. O uso da máquina pública para fins partidários é uma delas. Outra, é a delinquência política reiterada e sem punição até que ela se torne parte dos usos e costumes do país.
O que torna o ambiente cada vez mais perigoso é que o Brasil não tem mais um presidente, tem um chefe político em campanha incessante. É isso que faz com que ele, em palanque, acuse a oposição de fazer "jogo rasteiro inventando um dossiê por dia". A atitude correta do presidente deveria ser a de querer tudo esclarecido para se saber se foi realmente uma pessoa lateral na campanha da sua candidata que tomou uma atitude isolada ou parte de uma conspiração; se há funcionários públicos usando para fins políticos o acesso que têm a dados dos cidadãos.
Não há esperança alguma de que o presidente Lula se comporte como um chefe de um governo de todos. Ele é o flagrante mais explícito da mistura entre partido e governo. A última esperança de que agisse como estadista foi em 2006. À frente nas pesquisas, com claras chances de reeleição, ele poderia ter tomado uma atitude depuradora dos maus costumes políticos que estavam se instalando em seu próprio comitê de campanha. Como a condenação ficou apenas no levíssimo epíteto de "aloprados", tudo ficou por isso mesmo. O sistema político brasileiro foi avisado de que essa prática é aceitável, basta, se alguém for apanhado, romper um contrato de prestação de serviço, isolar temporariamente a pessoa contaminada. O capítulo seguinte é fazer a transposição de papéis em que vítimas viram culpados, e os culpados, vítimas.
Ainda há 100 dias pela frente de campanha. Os candidatos estão lançados e agora começa oficialmente a campanha, que, na prática, o presidente Lula já começou há mais de ano. O balanço até agora é assustador. O presidente, mesmo punido cinco vezes pela Justiça Eleitoral, tem usado todos os atos públicos de governo para fazer propaganda partidária.
Um governo bem avaliado, um presidente com popularidade alta, num momento de crescimento econômico e otimismo não precisa de qualquer tipo de afronta à leis e aos bons costumes políticos para se manter no poder por mais um período. Se precisasse, não deveria fazê-lo por disciplina institucional. Basta confiar no seu legado, na candidata que escolheu e no contexto favorável.
Crime sem castigo tem carta branca para se repetir. Há inquietantes sinais de que a tecnologia da espionagem está se consolidando. Nunca mais se soube que um governo americano repetiu a tentativa de investigar o adversário político. O Watergate ficou como símbolo de que a delinquência política é punida exemplarmente. Nós ficamos aqui sob risco de novas gerações de aloprados a cada eleição.
Quando o governo americano foi apanhado mandando espionar o partido adversário eclodiu nos Estados Unidos uma crise política sem precedentes e o presidente Richard Nixon caiu por impeachment. No Brasil, perdeu-se a noção de como é grave essa delinquência política. Não houve punição alguma quando o PT foi apanhado comprando dossiê no Hotel Ibis em São Paulo. Não haverá agora.
O ponto decisivo foi setembro de 2006, quando um grupo formado por dois graduados funcionários do comitê de campanha de reeleição do presidente Lula, um diretor do Banco do Brasil, o chefe de comunicação da campanha do então candidato do PT ao governo do estado de São Paulo, pessoas da copa e cozinha do presidente foram apanhados tentando comprar um dossiê contra adversários. Dois deles estavam com R$1,7 milhão na mão, em dinheiro vivo, sem origem comprovada.
Eles foram presos, depois soltos, o diretor do Banco do Brasil foi demitido com muitos elogios, o suposto chefe da operação é hoje próspero fazendeiro. A reação da ocasião foi tentar negar as óbvias ligações com a estrutura da campanha presidencial, o presidente Lula chamou-os de "meninos" e "aloprados", e depois denunciou um suposto golpismo contra ele, Lula.
Os atuais indícios de que se pretendia espionar o candidato do PSDB ou que podem ter sido acessados dados sigilosos dentro da máquina da Receita Federal de um dos integrantes da direção do maior partido da oposição são a comprovação de que o que não é punido se repete. De novo, o presidente Lula usa o mesmo truque de tentar inverter a situação e colocar seu partido como vítima de uma armação.
Mais assustador do que um episódio isolado é o fato de que eles se repetem, numa clara indicação de que vão se tornando prática política no Brasil em período eleitoral. Espionar o adversário político usando escutas ilegais, acessando dados informados exclusivamente ao Setor Público e que estão protegidos por sigilo é totalmente inaceitável. Acostumar-se a isso é começar a cavar a cova da própria democracia, que pressupõe que todos se submetam às leis e que os partidos que governam são administradores temporários e não donos da República. Usar a máquina pública para intimidar adversários políticos é um veneno letal às instituições.
Há várias formas de ameaçar a democracia. Da mais óbvia delas, o golpe de Estado, aprendemos a nos defender. Mas existem outras formas sutis de solapar a democracia, deformá-la até que ela fique irreconhecível. O uso da máquina pública para fins partidários é uma delas. Outra, é a delinquência política reiterada e sem punição até que ela se torne parte dos usos e costumes do país.
O que torna o ambiente cada vez mais perigoso é que o Brasil não tem mais um presidente, tem um chefe político em campanha incessante. É isso que faz com que ele, em palanque, acuse a oposição de fazer "jogo rasteiro inventando um dossiê por dia". A atitude correta do presidente deveria ser a de querer tudo esclarecido para se saber se foi realmente uma pessoa lateral na campanha da sua candidata que tomou uma atitude isolada ou parte de uma conspiração; se há funcionários públicos usando para fins políticos o acesso que têm a dados dos cidadãos.
Não há esperança alguma de que o presidente Lula se comporte como um chefe de um governo de todos. Ele é o flagrante mais explícito da mistura entre partido e governo. A última esperança de que agisse como estadista foi em 2006. À frente nas pesquisas, com claras chances de reeleição, ele poderia ter tomado uma atitude depuradora dos maus costumes políticos que estavam se instalando em seu próprio comitê de campanha. Como a condenação ficou apenas no levíssimo epíteto de "aloprados", tudo ficou por isso mesmo. O sistema político brasileiro foi avisado de que essa prática é aceitável, basta, se alguém for apanhado, romper um contrato de prestação de serviço, isolar temporariamente a pessoa contaminada. O capítulo seguinte é fazer a transposição de papéis em que vítimas viram culpados, e os culpados, vítimas.
Ainda há 100 dias pela frente de campanha. Os candidatos estão lançados e agora começa oficialmente a campanha, que, na prática, o presidente Lula já começou há mais de ano. O balanço até agora é assustador. O presidente, mesmo punido cinco vezes pela Justiça Eleitoral, tem usado todos os atos públicos de governo para fazer propaganda partidária.
Um governo bem avaliado, um presidente com popularidade alta, num momento de crescimento econômico e otimismo não precisa de qualquer tipo de afronta à leis e aos bons costumes políticos para se manter no poder por mais um período. Se precisasse, não deveria fazê-lo por disciplina institucional. Basta confiar no seu legado, na candidata que escolheu e no contexto favorável.
Crime sem castigo tem carta branca para se repetir. Há inquietantes sinais de que a tecnologia da espionagem está se consolidando. Nunca mais se soube que um governo americano repetiu a tentativa de investigar o adversário político. O Watergate ficou como símbolo de que a delinquência política é punida exemplarmente. Nós ficamos aqui sob risco de novas gerações de aloprados a cada eleição.
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