A jornada foi dura e exitosa: quase três anos desde a apresentação da proposta de iniciativa popular ao Congresso, em 2009, até a confirmação da constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa pelo Supremo Tribunal Federal há poucos dias.
Noves fora as exceções - tanto as bem intencionadas que enxergam riscos ao Estado de direito e perigo de surgir um novo balcão de negócios no Judiciário e nos tribunais de contas, quanto as más que não ousam dizer seus nomes - o clima geral é de celebração.
Governos, prefeituras e assembleias legislativas se propõem a estender o pré-requisito País afora e surgiu até um projeto de lei federal sugerindo a exigência de ficha limpa para diretores de ONGs postulantes ao uso de verbas federais.
Isso tudo como se já não houvesse na Constituição (artigo 37) a exigência do cumprimento dos preceitos de moralidade, legalidade, impessoalidade e publicidade para a administração pública direta, indireta e fundações nos âmbitos federal, estadual e municipal.
O Brasil parece entoar em coro um animado "agora vai". Mais realista, porém, seria ponderar um agora é que são elas.
Sim, resta o mais difícil. O teste da realidade, fonte de dúvidas pertinentes.
Como vão se comportar os partidos? Terão de fato, conforme preveem os otimistas, mais cuidado no exame da vida pregressa de alguém antes de ceder-lhe a legenda para candidatura?
A Justiça Eleitoral terá estrutura, independência disposição e agilidade para decidir sobre a concessão ou eventualmente cassação de registros ou será lenta e leniente?
O Ministério Público atuará em nome da sociedade em defesa do cumprimento da nova legislação ou permanecerá impassível como aconteceu em outras ocasiões?
Para não ir longe, lembremos a desenvoltura com que o então presidente Lula cometeu abusos durante a campanha de 2010 sem ser importunado, a não ser com a aplicação de multas sem maiores consequências.
E o eleitor, o que fará com a posse da nova ferramenta, praticará o voto limpo? Analisará com acuidade condutas e biografias ou vai escolher ao léu só para cumprir a tabela exigia pela obrigatoriedade do voto?
Ainda há outro problema: no caso de eleições proporcionais (em 2012, para vereador) o cuidado não garante nada, pois a regra em vigor não cria relação direta entre o eleitor e seu candidato. Vota-se em alguém e, de repente, se elege outro, de partido diferente e a respeito de quem não se sabe coisa alguma.
A ideia aqui não é desdenhar da importância da Lei da Ficha Limpa. Qualquer passo dado na direção de alguma mudança na maneira como a política está funcionando é muito útil. No caso específico o exemplo melhor foi o de que, com pressão, as ações acabam se impondo.
A questão é que existem muitos outros quinhentos a serem resolvidos e que não podem ser perdidos de vista, sob pena de o esforço virar pó.
Um aspecto ainda não discutido, por exemplo, guarda relação com o "dia seguinte". Vamos que todos os candidatos às eleições dos próximos anos tenham fichas devidamente abonadas pelo novo critério.
Ótimo, assumem seus mandatos e cargos de contas zeradas com a Justiça. A providência, contudo, terá sido vã se no exercício das respectivas funções não se mantiverem "limpos" e devidamente esquadrinhados por todos os instrumentos disponíveis nos três Poderes e na opinião pública.
Disso nos deram notícia as demissões em série de ministros de ficha e conduta nebulosas no ano passado.
E a respeito disso também poderá nos dar notícias boas ou más o Supremo Tribunal Federal quando do julgamento dos 38 processados sob acusação de terem montando uma quadrilha para financiar a formação de uma base político-partidária com vista à sustentação de um projeto de poder.
De cocheira. Difícil distinguir se é torcida ou fruto de informação, mas no Palácio do Planalto trabalha-se com a hipótese de o processo do mensalão entrar na pauta do Supremo só mesmo em 2013.
FONTE: O ESTADO DE S. PAULO
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