terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Pobre menina rica:: Míriam Leitão

A chanceler Angela Merkel foi ontem ao Parlamento pedir a aprovação do pacote de ajuda à Grécia. Seu governo é criticado por estar fazendo pouco para evitar o pior na crise, sua coalizão política acha que ela está fazendo mais do que deveria com o dinheiro do contribuinte, e uma pesquisa mostra que 62% dos alemães são contra a aprovação do novo pacote. Ontem, Merkel recebeu o apoio da oposição social-democrata.

A má sorte é tal que até o garçom errou o alvo e derrubou cerveja gelada sobre a governante alemã, em pleno inverno europeu. A situação de Merkel é um exemplo da dificuldade enfrentada pela própria Alemanha, que consegue desagradar a todos ao mesmo tempo. O mundo cobra dos países mais fortes da Zona do Euro que façam mais pelos países em dificuldade. O problema é que o único país que está realmente forte é a Alemanha.

A coalizão conservadora está dividida, e o ministro do interior pediu publicamente a saída da Grécia da Zona do Euro, um dia antes de a chanceler ir ao Parlamento pedir que aprovasse o pacote. Parece contraditório e é. No pronunciamento diante do Congresso ela fez um apelo, mas teve que admitir que não há 100% de chance de que o pacote funcione para tirar a Grécia da crise. O que ganhou mais destaque não foi seu veemente apoio do pacote, mas sim a frase de que não era garantido o sucesso do remédio.

Em Atenas, as manifestações acusam a Alemanha de intervir na economia doméstica e impor ao país o sofrimento de redução de salários, renda, economia. Nas reuniões como a deste fim de semana, no México, a dos ministros do G-20, a cobrança vem de todos os lados, como se ela tivesse a responsabilidade única e a varinha de condão. Merkel com sua hesitação crônica não ajuda a melhorar o ambiente para o país e para si própria.

A cada reunião internacional, a Alemanha fica na desagradável situação de ser cobrada por todos. A cobrança é injustamente concentrada nela, a incapacidade de decidir, mas a dificuldade é que Angela Merkel rejeita todas as ideias e apresenta poucas. Sua atitude é apenas de negação. E já está marcada a próxima temporada de saia-justa: no fim de março haverá uma reunião de cúpula da União Europeia e, certamente, todos os olhares de cobrança serão dirigidos a Angela Merkel. É um espanto que com tanta reunião, negociação, viagem, ainda reste tempo para ela governar a Alemanha, que no final das contas é a principal função do cargo que ocupa.

A proposta da reunião de fim de semana impressiona pelo volume de dinheiro envolvido. Os ministros de finanças do G-20 falaram em US$ 2 trilhões de recursos multilaterais para socorro de países em dificuldade. Isso envolveria uma coleta geral de recursos entre os países, mas aí sempre se esbarra no mesmo ponto: quanto a Alemanha está disposta a dar para o socorro dos aflitos?

Ninguém acredita que seja possível arrecadar tanto dinheiro. O economista Raphael Martello, da Tendências consultoria, lembra que a França está em época de aperto de cinto, em pleno ajuste fiscal. A Itália já esteve no ano passado no meio do furacão e continua com sua dívida acima de 100% do PIB. Aí, acaba sobrando para a Alemanha. O Japão está tentando se recuperar ainda do tombo do ano passado, após o terremoto. Os Estados Unidos lutam contra a dívida, cujo crescimento tentará conter com cortes em todo o orçamento nos próximos anos. Sobra para países emergentes, leia-se China. Mas a China espera que a Alemanha mostre mais empenho e disposição de abrir o cofre antes de dizer em quanto poderá capitalizar os fundos multilaterais de resgate.

O Reino Unido cobra da Alemanha como se não fizesse parte da mesma Europa. O fato de ela não ter entrado na Zona do Euro não a isenta de participar do esforço coletivo de evitar o desmonte da união monetária, por três motivos: a Inglaterra tem também uma frágil situação fiscal, ela também está exposta aos ricos cruzados dos bancos do continente, e a crise da região a afeta diretamente.

Se, de fora, Angela Merkel é acusada de só dizer não; dentro do país é criticada por estar dizendo sim demais e comprometendo dinheiro do contribuinte em socorro a países que recebem a ajuda como atos hostis e não como ajuda.

A ideia de que haja um fortalecimento dos fundos multilaterais, para sair deles e não de um cofre específico os recursos para o resgate, é boa. Protege os países que recebem o dinheiro, e os que concedem, das hostilidades que costumam cercar essas operações de resgate.

O mais importante nesta semana não será o resultado da reunião dos ministros das finanças do G-20. O que houve na Cidade do México foi mais do mesmo: uma nova reunião em que todos os países decidem que é preciso haver mais recursos disponíveis nos mecanismos de estabilização ou no Fundo Monetário Internacional (FMI) para momentos de instabilidade monetária. O que vai dar o tom do mercado esta semana será o novo leilão de injeção de liquidez do Banco Central Europeu (BCE). A autoridade monetária vai oferecer recursos por três anos a juros baixos para os bancos. A ideia é que com isso os bancos possam ter mais disposição de financiar os governos, principalmente os que enfrentam problemas. A primeira operação desse tipo foi feita em fim de dezembro e injetou 500 bilhões no sistema financeiro europeu. Isso reduziu a tensão. Nova injeção será feita esta semana. Isso ajuda a melhorar o humor dos investidores, mas, para a solução definitiva, o mundo continuará esperando que a Alemanha faça alguma mágica.

FONTE: O GLOBO

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