sábado, 3 de março de 2012

A indignação de Dilma:: Celso Ming

Tem pouco efeito prático externo a indignação que a presidente Dilma Rousseff manifestou quinta-feira por causa das políticas monetárias frouxas dos países ricos que canibalizam, segundo ela, as economias dos emergentes.

Apenas para relembrar, Dilma se queixou de que as impressionantes emissões de moeda pelos bancos centrais dos Estados Unidos e da área do euro provocam "tsunami monetário", ou seja, despejam vagalhões de moeda no resto do mundo e tiram competitividade do setor produtivo dos emergentes – especialmente do Brasil, à medida que acarretam desvalorização das moedas fortes e valorização das mais fracas, como o real.

Ao denunciar a guerra cambial provocada pela política monetária das grandes potências, o ministro Guido Mantega já denunciava esse efeito e continua acreditando em que possa contar com séria discussão no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC), sobre o impacto no comércio global provocado pela manipulação do câmbio.

Mas não dá para afirmar que, por terem despejado nos mercados mais de US$ 7 trilhões, os grandes bancos centrais estejam adotando políticas condenáveis e, portanto, sujeitas a represálias pelo resto do mundo. E não deixa de ser paradoxal que essa questão seja levantada no momento em que Ben Bernanke, presidente do Federal Reserve (o banco central dos Estados Unidos), e Mario Draghi, do Banco Central Europeu, estejam sendo festejados como salvadores globais por dominarem com essas políticas – ao menos temporariamente – os incêndios que varriam as economias dos Estados Unidos e dos países-membros do bloco do euro.

Mas, afinal, o que é melhor para o Brasil: enfrentar o efeito colateral dessas políticas (o tal tsunami de moeda estrangeira no câmbio interno), mas trabalhar sem as turbulências que paralisaram a economia mundial e a ameaçaram com uma tempestade perfeita; ou o contrário? Por acaso, o governo do PT prefere a paisagem desoladora de uma grande depressão global, de poder destrutivo equivalente ao dos anos 30? Ou, então, poderia sugerir aos grandes bancos centrais opções, politicamente viáveis, melhores do que a adotada?

O governo brasileiro também se contradiz quando condena o sacrifício imposto às populações dos países ricos – em recessão, desemprego, perda de salário e tal – e, ao mesmo tempo, acusa seus governos de praticar políticas fiscais flácidas, que têm de ser compensadas em seguida com despejo de trilhões de dólares.

Tivesse o Brasil poupança equivalente a 50% do PIB, como a da China, seria possível neutralizar os efeitos deste e de outros tsunamis. Mas não é o que acontece. O Brasil tem uma poupança insignificante, de apenas 17% do PIB, que tende a ficar ainda mais baixa em consequência da política econômica dos últimos anos, que privilegia o consumo em nome da criação de um forte mercado interno.

Pode-se lamentar a falta de políticas preventivas contra enchentes. Mas há um momento, como este, em que tudo o que é possível fazer é passar os móveis para o andar de cima e depositar sacos com areia para tentar deter os efeitos da enxurrada sobre a casa. No entanto, há razões para acreditar que a indignação de Dilma tenha mais objetivo interno do que externo.

CONFIRA

Encontro de damas. Os ataques da presidente Dilma Rousseff à atuação dos grandes bancos centrais foram prontamente transmitidos ao exterior pelas agências de notícias e, nesta sexta-feira, mereceram comentário da chanceler da Alemanha, Angela Merkel. Disse compreender as razões de Dilma, mas que a convenceria de que os bancos centrais estão certos.

Sem desastre. Dilma se encontrará com Merkel na próxima segunda-feira, em Berlim e, digamos, não pretende convencer Merkel de que está errada. Nem teria condições de sustentar o ponto de vista de que Mario Draghi, o presidente do Banco Central Europeu, está produzindo um desastre.

Bom para a Ata do Copom. Muito provavelmente, o discurso de Dilma terá mais utilidade interna do que externa. Poderá ser usado pelo Banco Central do Brasil para justificar novas derrubadas dos juros, agora como necessidade para reduzir a entrada de moeda estrangeira destinada à especulação com juros.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Nenhum comentário: