domingo, 10 de junho de 2012

Entrevista: "Pressões não funcionam nesta Casa", diz Ayres Britto

Na semana em que a data do julgamento do mensalão é definida, presidente do STF fala a ZH.

“O Supremo não tem faltado à nação”
Carlos Ayres Britto Presidente do Supremo Tribunal Federal (STF)

Carolina Bahia e Klécio Santos

BRASÍLIA - A véspera do feriadão de Corpus Christi foi um dia especial na rotina do Supremo Tribunal Federal. Os ministros da Corte definiram o calendário do rumoroso julgamento do mensalão do PT. Na noite daquela quarta-feira, o presidente do STF, Carlos Ayres Britto, recebeu ZH para uma entrevista de uma hora.

Na imensa sala com móveis antigos, apenas um moderno cronômetro digital contrastava com o ambiente sóbrio. Ayres gosta de receber as visitas em um sofá de couro, o mesmo em que o colega Gilmar Mendes sentou para comunicar-lhe o mal explicado encontro com o ex-ministro Nelson Jobim e o ex-presidente Lula.

– Ele estava sentado aí, neste canto – aponta o ministro.

Em meio à entrevista, a todo momento o sergipano de 69 anos envereda a conversa para o mundo das artes. Autor de sete livros de poesia, diz que ele e a presidente Dilma Rousseff têm em comum o gosto pela literatura espiritualizada. Sua mais recente obra, DNAlma está pronta há seis meses, mas ele não se cansa de revisá-la. Pretende encaminhá-la à editora em breve. Antes de encerrar a entrevista, já de pé, ele cita ainda o Poeminha do Contra, de Mário Quintana, num recado às críticas de que deseja marcar sua gestão com julgamentos polêmicos.

– Esses que aí estão, atravancando o meu caminho, eles passarão, eu passarinho – recita.

Zero Hora – O julgamento do mensalão irá ocorrer em pleno período eleitoral. Isso deve gerar muita tensão?

Carlos Ayres Britto – Eu vinha defendendo que o ideal seria julgar antes do período eleitoral, até porque em época de eleição teremos três ministros deslocados para o TSE. Isso não foi possível.

ZH – Agosto será o último mês do ministro Cezar Peluso no Supremo. É possível julgar o processo do mensalão antes da aposentadoria dele?

Ayres Britto – Sim. E a presença dele é muito importante, devido aos seus altíssimos conhecimentos processuais.

ZH – Mas vocês conseguem encerrar o julgamento em agosto ou o ministro Peluso irá adiantar o voto?

Ayres Britto – Não. Trabalho com a possibilidade de o processo terminar antes da aposentadoria. Se não terminar, em tese o processo não é suspenso pelo fato de um ministro se aposentar ou não poder participar. O processo prossegue. Somos 11, julgaríamos com 10.

ZH – Até que ponto esse clima de pressão em torno do julgamento fez com que vocês fechassem esse cronograma?

Ayres Britto – Quem propôs esse cronograma fui eu. Como presidente, me cabia tomar a dianteira, porque o processo é singular, seja pelo número de denunciados, pela quantidade e gravidade das acusações, pelo numero de testemunhas – são 600 – e pela aposentadoria iminente de dois ministros. Tudo isso evidencia a peculiaridade do processo, demandando uma atenção especial. Agora, do ponto de vista da subjetividade dos julgadores, não é um processo diferenciado. É igual a tantos outros, por mais intensa que seja essa ambiência política. O julgamento em si tem de ser técnico, imparcial, objetivo e em cima da prova dos autos. Pressões não funcionam nesta Casa. Somos vacinados contra pressões, venham de onde vierem.

ZH – O senhor já tem o seu voto?

Ayres Britto – Não. E acho que ninguém tem. Estou em condições de votar, e praticamente todos os outros também. Mas não tenho o voto pronto porque preciso ouvir as sustentações orais, ver as alegações, o voto do relator e do revisor. Ainda tenho alguns estudos mais aprofundados a fazer. Mas não tenho predisposição para condenar, nem para absolver.

ZH – Há possibilidade de os crimes prescreverem?

Ayres Britto – Em tese, nenhum crime está prescrito, porque ele só surge da pena em concreto. Se aplicar a pena mínima, de fato alguns crimes já estarão prescritos. Quando você é condenado por mais de um crime, isso dificulta a pena mínima. Então é bom aguardar.

ZH – Se condenado, alguém pode sair algemado do plenário?

Ayres Britto – Ninguém sairá algemado, até porque temos uma súmula vinculante sobre uso de algema. Não trabalho com essa ideia de espetacularização do processo. Ele será julgado rigorosamente sobre coordenadas técnicas. Já definimos que defensores gerais estarão aqui para suprir a falta ou a desistência eventual de advogados.

ZH – O senhor disse que teria uma gestão curta, mas intensa. Nos bastidores da Corte, começam a surgir críticas de que o senhor deseja votar um processo de repercussão por semana.

Ayres Britto – Essa crítica não tem nenhuma procedência. A minha pauta é a minha cara, a minha pregação. Não estou jogando para a plateia. E essa pauta eu não faço de modo unilateral, nem tenho recebido nenhuma reclamação. Não me sinto contestado, muito menos desprestigiado. Os processos que coloquei para julgamento nos primeiros 30 dias foram muito importantes e de impacto social na perspectiva de renovação da nossa cultura.

ZH – O ministro Gilmar Mendes se envolveu em uma grande polêmica há poucos dias. Antes disso, Joaquim Barbosa e Cezar Peluso haviam trocado farpas pela imprensa. O Supremo não deveria ser mais discreto?

Ayres Britto – Os ministros têm infinitamente mais virtudes do que defeitos. E têm servido muito bem ao país na produção de decisões que estão ajudando para melhorar a própria cultura brasileira. Basta lembrar a Lei da Ficha Limpa, a Lei Maria da Penha, a igualdade de direito entre casais heteroafetivos e parceiros homoafetivos, a liberação de pesquisas com células-tronco. O Supremo não tem faltado à nação. O que se chama de discrição maior ou menor não tem nada a ver com caráter, devoção à causa pública ou competência profissional. Tem a ver com temperamento.

ZH – O senhor acha que alguém errou no mal explicado encontro entre o ministro Gilmar Mendes, o ex-presidente Lula e o ex-ministro Nelson Jobim?

Ayres Britto – Foram três personagens. Estava ouvindo a explicação de um deles. E sempre me dou um tempo para ouvir também os demais – não que eu pedisse a Jobim ou a Lula que falassem. Simplesmente aguardei. O episódio se esvaiu por si mesmo, sem interferir em nada no funcionamento do Supremo.

ZH – O ministro Gilmar Mendes não demorou demais a tornar público o encontro com Lula?

Ayres Britto – Ele é quem era o juiz do próprio timing. O timing é dele. Quem sou eu para dizer que ele deveria ter feito isso ou aquilo? Ele não me pediu providência. Contou o fato. O ministro é reconhecidamente – ou era – amigo de Lula, amigo de Jobim.

ZH – O senhor tem se encontrado com o ex-presidente Lula?

Ayres Britto – Devo ter me encontrado com o presidente Lula, nesses nove anos, em torno de umas quatro vezes. Sempre em reuniões oficiais, protocolares. Em suma, nem eu frequento Lula, nem Lula me frequenta.

ZH – Ainda há resistência no atendimento de Lei de Acesso à Informação (em vigor desde 16 de maio). O senhor é a favor da divulgação dos contracheques de servidores e magistrados?

Ayres Britto – Já aprovamos aqui, a proposta foi minha. O mérito não é meu, é dos ministros, que aprovaram. Aprovamos aqui e no Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

ZH – Houve ganhos ou prejuízos para o Judiciário com a polêmica envolvendo a corregedora do CNJ, Eliana Calmon?

Ayres Britto – A população, e às vezes os jornalistas, têm uma visão equivocada do que seja o CNJ. Todas as vezes em que ele decide apenar um juiz, é o Judiciário cortando na sua própria carne. O Judiciário está na vanguarda dos acontecimentos. Foi ele o primeiro poder que proibiu o nepotismo.

ZH – Uma pesquisa da Fundação Getulio Vargas revelou que a maioria dos brasileiros não confia no Judiciário. Como reverter essa sensação?

Ayres Britto – Se você fizer a pesquisa, o povo vai dizer: a maioria não confia no Judiciário, mas confia no CNJ. Só que o CNJ é o Judiciário. Ou seja, está havendo uma compreensão equivocada da natureza jurídica do CNJ. Dos 15 membros, nove são do Judiciário, entre eles o presidente e o corregedor.

ZH – Rosa Weber, a mais nova integrante do STF, foi submetida a uma dura sabatina no Senado, num dos questionamentos mais longos dos últimos tempos. O senhor concorda com o método de escolha dos ministros, por indicação presidencial e sabatina no Senado?

Ayres Britto – Em linhas gerais, concordo. É um processo que congrega três poderes. O Executivo indica, o Legislativo faz o escrutínio e o Supremo dá posse. A Constituição exige dois pré-requisitos fundamentais: reputação ilibada e saber jurídico notável. Se eles estão sendo observados, o processo é bom. E esses pré-requisitos são transformados em exercício, desempenho. Não assisti à sabatina, mas soube que ela foi tratada com muita severidade. No entanto, em pouco tempo ela mostrou que faz jus à nomeação e que o Poder Judiciário ganhou uma excepcional ministra.

ZH – O senhor lamenta ter de sair do STF. É a favor da proposta que revoga aposentadoria compulsória aos 70 anos?

Ayres Britto – Não tenho legitimidade para opinar sobre esse isso porque, teoricamente, eu seria parte interessada. Estou muito satisfeito pelo tempo de presidência e pelos nove anos de Supremo. Se depender de mim, não estico nenhum dia sequer.

ZH – E depois vai se dedicar a quê?

Ayres Britto – Aulas, livros. Tenho um livro de poemas que não saiu porque os escritores são perfeccionistas. Você fica lendo, relendo. E chega um momento em que você tem de se livrar do livro. E ainda tenho um livro sobre direito que pretendo editar na minha presidência.

FONTE: ZERO HORA (RS)

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