A romaria de líderes venezuelanos e de outros países latino-americanos a Havana para se informarem e prestarem solidariedade a Hugo Chávez é demonstração clara da hegemonia ideológica cubana na região, um exemplo raro de supremacia política sobre a econômica. E também uma constatação de que o "comandante da revolução bolivariana" transformou-se no verdadeiro líder político da região, seja por proximidades ideológicas, seja pela sustentação financeira à custa do petróleo venezuelano.
Cuba depende do apoio financeiro de Caracas para sobreviver, mas os irmãos Castro dão as diretrizes políticas na ausência física do líder bolivariano. Foi lá que se firmou o já chamado "Pacto de Havana", em que as facções políticas do chavismo, representadas pelo vice Nicolas Maduro e pelo presidente da Assembleia Geral, Diosdado Cabello, fecharam um acordo de boa convivência para garantir o prosseguimento da experiência chavista na Venezuela mesmo na ausência do Grande Comandante.
No fim de semana passado, a alta cúpula do governo venezuelano reuniu-se com eles para analisar a recente reunião Alba-Petrocaribe, e aspectos da aliança entre a ilha e a Venezuela, segundo a imprensa oficial cubana. Estavam lá o poder político e o financeiro: Maduro, a procuradora-geral da Venezuela, Cilia Flores (que acumula a função com a de mulher de Maduro), Diosdado Cabello e o ministro de Mineração e Petróleo, Rafael Ramírez. Tudo indica que ganham tempo para sair desse impasse e estabelecer as bases do chavismo sem Chávez, mas para isso é preciso atingir um mínimo de ordem interna entre os diversos grupos. Diz-se que o governo brasileiro pressiona por novas eleições nos bastidores, maneira usual de nossa diplomacia trabalhar com as ditaduras amigas, mas o fato é que nenhuma solução existirá enquanto não for possível mostrar Chávez ao mundo, vivo ou morto.
A oposição venezuelana se queixa de que Havana se transformou no "centro político" da Venezuela, mas, na verdade, o fato de ter abrigado Chávez transformou a ilha dos Castro no centro político da América Latina. Do que está acontecendo lá em Havana, entre as paredes do Centro de Investigações Médico-Cirúrgicas, depende o futuro do projeto socialista na região.
A presidente argentina, Cristina Kirchner, esteve com Raul e Fidel, mas não pôde ver Chávez. Mesma sorte teve o presidente do Peru, Humala Olanta. Outros presidentes já estiveram lá. E noticia-se que o ex-presidente Lula se prepara para mais uma viagem à ilha.
Tratar de Chávez sob o mais rigoroso sigilo foi o que deu a Cuba essa inesperada ressurreição política, não sua medicina supostamente avançada. Cuba detém não só as informações sobre o real estado de saúde do venezuelano como o paciente está literalmente nas mãos de seus dirigentes, que manobram os acordos políticos pós-Chávez e ganham tempo para montar um esquema que dê sustentação à continuidade do projeto, muito dificultado sem a presença do líder.
Os últimos boletins médicos, após dias sem informações oficiais, indicam que Chávez estaria se recuperando, embora em situação ainda delicada. Não se sabe que tipo de verdade dizem esses boletins, mas parece improvável que o quase-ditador tenha condições físicas de se manter à frente do governo caso se recupere. Nessa probabilidade remota, restaria a ele o papel de símbolo vivo do movimento bolivariano. Caso faleça, certamente seu corpo será embalsamado e levado de volta a Caracas, para comoção popular. Pode ser que seja enterrado ao lado de seu ídolo Simon Bolívar, e a mobilização garantirá vitória tranquila do chavismo nas urnas e a permanência do movimento durante certo tempo, não se sabe quanto.
Os problemas econômicos tendem a criar um clima difícil de ser superado sem a presença carismática do "pai dos pobres". Mas todo esse clima de realismo fantástico que cerca a doença de Chávez, e o uso de sua imagem como catalisador de apoios populares mesmo na sua ausência, obedece a uma estratégia política organizada a partir de Cuba para que o socialismo do século XXI continue prevalecendo na região.
Fonte: O Globo
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