Mariana Carneiro – Folha de S. Paulo
SÃO PAULO - Na manhã de sexta-feira (22), o economista Eduardo Giannetti da Fonseca estava animado com o resultado de pesquisas feitas pelo PSB e por instituições do mercado financeiro que sugeriam crescimento das preferências eleitorais da candidata do partido à Presidência, a ex-senadora Marina Silva.
As pesquisas indicam que a candidata, que ele conheceu na campanha eleitoral de 2010, firmou-se em segundo lugar na disputa presidencial deste ano e tem condições de derrotar Dilma Rousseff (PT) no segundo turno.
A possibilidade de vitória tende a alimentar especulações sobre a função reservada para Giannetti, que se define como uma pessoa "sem ambições políticas", num futuro governo. Mas ele diz que não tem interesse em ser o próximo ministro da Fazenda.
"Sou um colaborador, um conselheiro, não uma pessoa de perfil executivo", diz. Em entrevista à Folha, ele afirma que, se for eleita, Marina procurará pessoas do PT e do PSDB para formar sua equipe de governo e garantir apoio a seus projetos no Congresso.
Para Giannetti, até os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Henrique Cardoso poderiam colaborar. "Se [José] Sarney, Renan [Calheiros] e [Fernando] Collor [de Mello] vão para a oposição, com que se governa e com quem se negocia? É com Lula e FHC."
Ele afirma que tentaria levar até para a cozinha do governo membros de siglas rivais. "O PSDB é um partido de muitos técnicos e pouca liderança", disse.
"O PT também tem técnicos de excelente qualidade, que trabalharam no primeiro mandato de Lula, e a gente adoraria trazê-los. Nossa ideia é governar com os melhores na política e na gestão de políticas públicas."
Folha - Se Marina for eleita, o sr. terá um cargo no governo?
Eduardo Giannetti - Não um cargo executivo. Me vejo como um conselheiro, alguém que pode ajudá-la na escolha dos quadros que vão assumir funções executivas. Mas não é o meu caso.
Essas pessoas vão aparecer na campanha eleitoral?
Espero que sim. É uma conversa que não vem de hoje, nem de ontem. É uma conversa de muitos anos. O Brasil não tem falta de quadros competentes. O que falta é liderança e valores na política. E é isso que Marina traz.
Quais são as mudanças na economia que Marina vai apresentar na campanha?
O governo Dilma se meteu em tamanha confusão que teremos que insistir em algo que deveria estar superado: restabelecer o tripé macroeconômico [câmbio flutuante, meta de inflação e disciplina fiscal]. O Brasil tinha construído um acordo em torno desses princípios. [O tripé] foi estabelecido no segundo mandato de FHC e não só foi confirmado, mas reforçado por Lula em seu primeiro governo. Agora, a gente está com inflação alta, artificialmente controlada, e com o câmbio supervalorizado, o que é um caminho ruim e que prejudica a nossa indústria. Além disso, estamos com um deficit em conta corrente [nas trocas com o exterior] de 3,2% do PIB, o que nos coloca de volta na vulnerabilidade externa do primeiro mandato de FHC. E isso com o menor crescimento da era republicana, excetuando [os governos de] Floriano Peixoto e Collor. É um quadro muito ruim. Não nos leva à beira do precipício, mas não dá horizonte para a sociedade brasileira.
Como a independência do Banco Central se encaixa aí?
Um dos elementos do tripé é a autonomia do BC. Há sérias dúvidas de que ela esteja valendo no governo Dilma. Enquanto prevalecia a autonomia, havia um acordo tácito de que o Executivo não interferiria nas decisões do BC buscando o cumprimento do centro da meta [de inflação]. Essa autonomia pode ser reforçada quando se formaliza a independência do BC. Ou seja, presidentes e diretores têm mandatos fixos e não estão sujeitos a ordens do presidente. Mas é preciso pensar com cuidado o desenho institucional deste modelo.
Há um esboço?
Não é o caso de predefinir os elementos centrais. Tem que ter regras para indicação e eventual destituição, se os dirigentes do Banco Central não atenderem seu mandato. Pode parecer uma coisa linda abstratamente e é um caminho corretíssimo, mas tem que tomar cuidado para garantir que a independência resulte no que se espera. Vamos imaginar que o governo Dilma, para tranquilizar os mercados, resolva implementar uma independência do BC. E indique um aventureiro para o cargo. Vamos ficar amarrados a isso? O governo Dilma cometeu uma grave barbeiragem na condução da política do BC, que foi deixar claro, no início do mandato, que a inflação no teto da meta [de 4,5%, com tolerância até 6,5%] estaria de bom tamanho. Se diz que o teto está bom, ele vira o novo centro. Foi o que aconteceu. E aí o governo, na base do desespero, começou a entrar no corpo a corpo com a inflação, algo que eu não esperava ver de novo na minha vida. A controlar os preços das tarifas públicas, da gasolina, usar o câmbio... A gente já deveria ter virado essa página.
Será preciso uma nova Carta ao Povo Brasileiro, como a que Lula apresentou na campanha de 2002 para vencer as desconfianças dos investidores?
Não creio. Não há temor em relação a Marina como havia com o PT. Agora, qualquer reforço de credibilidade e de confiança é bem-vindo.
E o que fazer com quem a considera uma pessoa inflexível?
Não existe democracia sem negociação. A questão são os limites, até onde se transige. O projeto de Marina a diferencia muito de Dilma e Aécio. Ela quer construir uma nova governabilidade, que não é baseada na barganha de pedaços do governo para obter apoio no Congresso. Eduardo Campos tinha dito, e Marina está alinhada com isso, que no seu governo Sarney, Renan e Collor iriam para a oposição. E com quem se governa e se negocia? Com Lula e Fernando Henrique. Temos todo o interesse em ter os dois como aliados de projetos que interessem ao país. FHC tem compromisso com a estabilidade econômica, nós também. Lula tem compromisso com a inclusão social, nós também. Vamos trabalhar juntos. Acho possível. Se a democracia brasileira tem razão de ser, é para que isso possa acontecer.
Embora Marina se apresente como uma alternativa a petistas e tucanos na política, muito do que ela defende na economia representa uma volta à rota proposta pelo PSDB.
Recuperar o arcabouço macroeconômico é pré-condição para que coisas importantes possam ser feitas. Onde está o problema do brasileiro comum? Na condução, na delegacia, no posto de saúde, na sala de aula. É aí que o Brasil tem que agir com desembaraço e coragem. O deficit brasileiro hoje é de cidadania. A escalada do consumo não resolveu esse problema. Em certo sentido, ela até o agravou.
É preciso reduzir ou reformular os programas sociais?
Eles são intocáveis. O gasto aumentou porque o governo deu isenções de impostos. O governo Dilma deu algo em torno de R$ 250 bilhões de isenção tributária para setores escolhidos. O incentivo do BNDES para um grupo seleto de empresas é maior do que o gasto com o Bolsa Família.
O PSB propõe reduzir a meta de inflação para 4% em 2016 e 3% em 2019. O governo diz que isso geraria desemprego.
Não há relação negativa entre estabilidade e desemprego. Meta de inflação é como guerra de trincheira. Se você fica receoso em adotar as medidas para manter a inflação em 4,5% e aceita flexibilizá-la para 6,5%, a guerra continua igual, a única coisa que acontece é que você saiu de 4,5% para 6,5%. O que é preciso é credibilidade e fazer com que as expectativas convirjam para onde você deseja, e 3% é melhor do que 4%.
Poderia haver demissões?
O custo de não fazer é maior que o de fazer. A geração de empregos despencou, a indústria está demitindo.
Qual é o custo de fazer?
É aceitar que as tarifas públicas ficaram defasadas, o que causa distorções em outros setores da economia, e que os gastos públicos terão que ser melhor controlados.
Economistas dizem que será necessário ou reduzir gastos ou aumentar impostos.
Aumentar impostos nem pensar.
Significa cortar gastos?
Significa ser muito criterioso nos gastos e entender onde eles vêm crescendo. A regra de ouro é que os gastos correntes não podem crescer mais do que o PIB. Significa rever isenções tributárias. O governo mexeu discricionariamente em impostos com base na pressão de setores empresariais para obter benefícios, não só de impostos como o IPI, mas também nas tarifas de importação. Com a economia retomando o crescimento e com os gastos públicos crescendo menos do que o PIB, no tempo, podemos corrigir isso. Não haverá um choque fiscal maluco, uma bala de prata. É um caminho de correção.
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RAIO-X: EDUARDO GIANNETTI*
IDADE 57 anos
FORMAÇÃO Graduado em economia e em ciências sociais pela USP; PhD em Economia pela Universidade de Cambridge (Inglaterra)
ATUAÇÃO Foi professor em Cambridge, na USP e no Insper. É colunista da Folha. Escreveu os livros "Vícios privados, benefícios públicos?" (1993), "Autoengano" (1997),"Felicidade" (2002) e "A ilusão da alma" (2010
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