segunda-feira, 6 de julho de 2015

Crise chega ao comércio popular, e vendas têm queda de até 40%

• Com medo de perder emprego, consumidor corta gasto com "lembrancinha"

João Sorima Neto e Marcello Corrêa – O Globo

Mesmo oferecendo preços mais baixos que a média do varejo, o comércio popular já sente os efeitos da crise econômica brasileira. Nos grandes centros de São Paulo, Rio, Nova Friburgo e Petrópolis, lojistas relatam queda de até 40% nas vendas. Segundo os próprios comerciantes e analistas do setor, o quadro negativo é causado pela piora no mercado de trabalho e alta da inflação — que consome a renda disponível do consumidor, sem dinheiro nem crédito sequer para os gastos menores.

Rio e São Paulo fecham lojas
Normalmente, quem vende barato demora a sofrer quando a economia vai mal, já que a tendência do consumidor é cortar primeiro as despesas maiores. Agora, no entanto, nem a lembrancinha escapa do período de seca, o que tem levado ao fechamento de lojas e corte de vagas. Na tradicional Rua 25 de Março, em São Paulo, a estimativa é que o faturamento recue de R$ 13 bilhões para R$ 8 bilhões, segundo a previsão mais otimista. Na Saara, no Rio, já há lojistas fechando as portas — e com dificuldades para passar o ponto.

Segundo analistas, a tendência é que o movimento continue fraco, à espera de alguma recuperação só no Natal, data mais importante para o setor.

— O consumidor está muito desmotivado. A gente não tem nenhuma atividade que incentive a compra nos próximos meses. As pessoas não vão gastar com risco de desemprego. A esperança é que algo mude na economia — afirma o consultor de varejo Marco Quintarelli.

Na Saara, lojistas enfrentam dificuldade para passar o ponto

• Em Madureira, lojistas apostam em mais propaganda para atrair clientela

Desde o ano passado, lojistas da Saara, maior polo de comércio popular do Rio, atribuem a forte queda nas vendas às obras na cidade. Nos últimos meses, o agravamento da crise econômica tornou a vida dos comerciantes da região ainda mais difícil. Segundo o Polo Centro Rio, que representa os varejistas da associação, o faturamento já recuou cerca de 30% desde o início do ano.

A retração é ainda mais significativa quando se considera que, entre junho e julho de 2014, o setor já havia sofrido com os feriados durante a Copa do Mundo. Ou seja, há uma piora em relação a um período que já havia sido muito fraco.

— A crise é generalizada. A obra é só um agravante — avalia Denys Darzi, presidente do Polo.
Segundo levantamento do Polo Centro Rio, a crise já causou o fechamento de pelo menos 24 lojas nas três principais ruas da Saara: Alfândega, Senhor dos Passos e Buenos Aires. O cálculo é conservador, já que o complexo ocupa 11 vias da região.

Quem fecha as portas tem dificuldade para passar o ponto. André Gonçalves, dono da Palácio Encantado, de tecidos, está quase desistindo. Há um ano, ele tenta vender sua loja. No começo, pedia R$ 400 mil. Hoje, o preço do imóvel está em R$ 150 mil, mas não há propostas. — Jogo a toalha — desabafa. Sem as obras que atrapalham a vida dos comerciantes na Saara, o varejo de rua em Madureira, Zona Norte do Rio, também vive um momento ruim. Os lojistas falam em queda de até 30% no movimento. Na Estrada do Portela, principal rua do bairro, a maior parte dos estabelecimentos é focada em roupas e acessórios: itens que tendem a perder espaço quando os preços de alimentos e energia sobem.

— O movimento caiu há uns três meses. Com tudo aumentando, as pessoas dão prioridade a outras coisas — afirma Andrea Gomes, vendedora da MF Modas, que recorre, sempre que possível, aos descontos para atrair a clientela.

Promoção e propaganda, aliás, são palavras de ordem na crise em Madureira. Luis Armando Bento da Silva, que agencia locutores para porta de lojas, estima aumento de 40% na procura pelo serviço em um ano.
— Trabalho em três lojas por semana — conta Elvis Azevedo, que trabalha com Luis.

"Entram, mas não compram"

Mas o esforço para chamar atenção nem sempre compensa:

— É sempre bom, mas as pessoas estão sem dinheiro. Entram, mas não compram — diz a vendedora Sandra Oliveira.

Aldo Gonçalves, presidente do Sindicato de Lojistas do Comércio do Rio (Sindilojas), confirma que a saída é ser criativo: — Mas não tem receita de bolo. A retração afetou até cidades que se beneficiam do tempo frio. Em Nova Friburgo, o sindicato dos lojistas estima queda de 17% nas vendas no primeiro semestre. Na Rua Teresa, em Petrópolis, 200 lojas fecharam.

— Antes, vendia-se até R$ 300 mil num mês. Hoje, se chega a R$ 100 mil é comemoração — diz Cláudia Pires, presidente da Associação da Rua Teresa, que trabalha na região há 24 anos.

'Formigueiro de compradores' mais vazio na 25 de Março

• Associação estima queda no movimento diário de ao menos cem mil clientes

O achatamento da renda dos brasileiros e o medo do desemprego já se refletem no maior centro de comércio popular da América da Latina, a Rua 25 de Março. Na região, as vendas caíram de 30% a 40% entre janeiro e junho ante o mesmo período de 2014, segundo comerciantes e a União dos Lojistas da Rua 25 de Março e Adjacências (Univinco). Alguns lojistas estimam que é a maior retração nas vendas dos últimos 25 anos, desde que o Plano Collor confiscou o dinheiro dos brasileiros depositado nos bancos. O quadro contrasta com "a era de ouro" do varejo no país, quando as vendas cresceram, em média 8% ao ano de 2004 a 2012.


— Com a crise externa em 2008, houve estímulos ao consumo no mercado interno, com juros baixos e isenções tributárias. Esse quadro mudou com a crise econômica. As pessoas estão evitando comprar itens supérfluos e se endividar. — explica o economista Vitor França, assessor da Federação do Comércio do Estado de São Paulo (Fecomércio).

Vagas fechadas
Antes, as 16 ruas da região da 25 de Março recebiam cerca de 400 mil consumidores por dia. Hoje, segundo a Univinco, são de 280 mil a 300 mil clientes.

No ano passado, essa multidão movimentou R$ 13 bilhões. Até dezembro deste ano, se o faturamento chegar a R$ 8 bilhões, o número será comemorado, diz a Univinco. A perda é mais expressiva ante 2013, quando a receita foi de R$ 17 bilhões. Se a previsão da Univinco se confirmar, será uma queda de mais de 50%.

— É umas das crises mais sérias que já tivemos. Só nas últimas semanas, pelo menos 18 lojas fecharam. Isso é inédito aqui na 25 de Março — diz Claudia Hurias, diretora da Univinco.

As vendas fracas afetaram o emprego: dos cerca de 40 mil funcionários, calcula-se que 15% tenham perdido o emprego desde o início do ano, o equivalente a 6 mil vagas fechadas.

Na visita do GLOBO à Rua 25 de Março foi possível observar os sinais da queda de movimento. Havia quiosques fechados com a placa "aluga-se" e avisos de "passa-se o ponto". O "formigueiro de compradores" característico da região também estava menos intenso.

O faturamento é afetado ainda pela alta dos aluguéis e pela escalada do dólar, já que boa parte das mercadorias é importada da China. Isso acaba elevando o preço final dos produtos.

— Uma loja com dez metros quadrados custa por mês R$ 60 mil. É um valor muito alto numa crise — diz Claudia, da Univinco.

Segundo o gerente da Armarinhos Fernando, Ondamar Antonio Ferreira, o movimento não caiu, mas os clientes estão gastando menos. Na loja Doural, que vende de utilidades domésticas a produtos têxteis, o gerente Marcelo Queiroz notou que os principais clientes que "sumiram" são da nova classe C.

Na Rua Santa Ifigênia, reduto de venda de eletrônicos em São Paulo, Joseph Riachi, presidente da Câmara dos Dirigentes Lojistas da Santa Ifigênia, estima queda de vendas de até 30% desde janeiro.

— Aqui já está todo mundo no vermelho — diz o dirigente.

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