- O Globo
Uma jornalista finlandesa me pediu uma entrevista para falar sobre o Brasil. Maria Manner morou por aqui durante um ano, enviada por seu jornal, que queria informações mais precisas sobre o país-sede da Copa do Mundo e das Olimpíadas. Ela gostou tanto que pediu licença do trabalho, ficou outro ano, e hoje, com português fluente, volta a Helsinque para escrever um livro sobre essa experiência.
Maria foi batizada assim porque a mãe queria dá-la um nome internacional. A primeira pergunta que me fez foi se o Brasil havia me surpreendido nos últimos anos. Respondi que sim, me surpreendeu favoravelmente. O processo do mensalão foi mais longe do que eu inicialmente imaginava que pudesse ir. A Operação Lava-Jato tem se aprofundado mais do que pensei que fosse possível. Conclui que estou mais confiante, apesar de ser um momento de crise e de a investigação trazer à luz fatos e negócios escusos que são dolorosos de ver. E revoltantes.
Ela refletiu um pouco e me olhou com seus olhos claros, rosto muito branco e cabelos louríssimos, comuns em sua terra, e disse:
— De fato, nada disso estaria acontecendo no México, na Argentina, na Rússia. — Ainda menos na China — completei. — Alguns dizem que a corrupção aumentou muito e outros dizem que nunca se investigou tanto. Quem tem razão? — perguntou.
Respondi que os dois lados têm, mas que a investigação é melhor, mais profunda e eficiente não por concessão do governo, mas pela força das instituições brasileiras. O combate ao crime de corrupção deu ao Ministério Público e à Polícia Federal musculatura e tecnologia. A democracia deu à Justiça, ao MP e à PF a independência necessária para fazer cada vez melhor seu trabalho.
No dia seguinte a essa conversa, o país enfrentaria mais um momento inusitado e tenso. O procuradorgeral da República teria que ser submetido ao escrutínio dos senadores, mas 13 deles estão investigados pelo próprio procurador. É espantoso o momento que o Brasil vive. A presidente da República e o vice-presidente podem ser objeto de ação no Tribunal Superior Eleitoral por abuso de poder na campanha e por financiamento de origem ilícita. Pelo menos, o TSE já tem quatro votos a favor de que a ação continue e se o assunto foi suspenso foi porque uma ministra pediu vistas. Mas se ninguém alterar o voto o resultado está dado. O Tribunal de Contas da União concedeu mais 15 dias para que a presidente explique a tortuosa contabilidade com a qual seu governo escondeu a realidade fiscal.
Nessas situações-limite, do ponto de vista institucional, com o Ministério Público investigando políticos, inclusive os dois presidentes das Casas do parlamento, com a presidente Dilma sob avaliação no tribunal eleitoral e de contas, o país terá que reorganizar a economia, superar a crise e voltar a crescer. A semana foi de informações difíceis, como o aumento do desemprego e a confirmação da recessão. O desemprego não é apenas resultado das demissões, mas sim da insegurança das famílias, que leva mais gente ao mercado de trabalho. E agora o cenário externo ficou mais complicado.
No dia seguinte à conversa com Maria, fui me encontrar com o economista José Alexandre Scheinkman. Ele marcou um café em uma livraria ao lado do seu apartamento no Leblon.
— Finalmente a presidente Dilma terá a crise externa da qual tanto falou na campanha. Naquele momento, não havia, mas agora está surgindo uma das grandes — disse o economista, professor de Princeton.
Quando chegou à livraria, ele acabara de ter um conference call com dois outros economistas americanos especializados em China.
— Ninguém acredita em um único número chinês. Em qualquer país em que há um período longo de crescimento há um soluço. Há fatos pouco conhecidos na China. Um deles é um mercado de crédito privado concedido às empresas pequenas e médias. Elas vendem papéis que são comprados por pessoas com suas reservas financeiras. Provavelmente esse crédito às firmas pequenas e médias é concedido pelas mesmas pessoas que estão perdendo muito dinheiro na bolsa. Isso pode ampliar a crise — disse Scheinkman.
O momento que o Brasil vive é este: o país terá que passar por um agudo teste institucional, em crise econômica, e com o mundo assombrado sobre o que acontecerá na China.
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