quinta-feira, 1 de setembro de 2016

O duro começo - Míriam Leitão

- O Globo

Não será fácil o governo Michel Temer recolher aplausos no final, como ele disse ontem em sua primeira reunião ministerial. A economia está em frangalhos, com as contas públicas em descontrole, inflação acima do teto, uma recessão profunda e um desemprego avassalador. A base política continuará sendo um fator de incerteza, como demonstrou na votação que manteve os direitos políticos de Dilma.

A presidente Dilma Rousseff foi deposta no mesmo dia em que se anunciava uma queda acumulada de 10% do PIB per capita desde meados de 2014. Os dois fatos estão ligados. A crise que elevou a inflação abruptamente em 2015 e derrubou o PIB está na raiz da turbulência política que levou ao desfecho de ontem.


O ponto que conduziu todo o processo foi o crime de usar os bancos públicos como se fossem braços do Tesouro e desrespeitar a Lei Orçamentária. O Brasil foi longe na defesa da Lei de Responsabilidade Fiscal. Quando ela foi formulada, e depois votada, vivia-se o momento que vem após as grandes vitórias e o país se perguntava: Como é possível consolidar o que foi conquistado? O passado mostrava claramente que os bancos públicos eram emissores de moeda, que alimentavam a inflação pela maneira como os governantes os usavam. Por isso foi feita a lei. E tão convencidos estavam todos, os que acompanhavam aquela saga, de que era preciso evitar a repetição do erro do uso dos bancos públicos, que isso foi explicitamente proibido na Lei de Responsabilidade Fiscal, a lei que o PT não assinou e até hoje, pelo visto, não leu.

Dilma foi reeleita em 2014, no meio da crise que ela negava existir, e prometendo a volta do crescimento econômico. Mas o país não cresceu um trimestre sequer desde a posse. O IBGE divulgou a sexta contração consecutiva do PIB, a maior da série histórica, e um tombo acumulado de 4,9% nos 12 meses até julho. Grande parte dessa fragilidade econômica é resultado do desequilíbrio das contas públicas. O Banco Central, ontem, divulgou déficit primário de R$ 12,8 bilhões em julho e um rombo de R$ 154 bilhões no período de um ano. A dívida bruta subiu mais um ponto percentual e chegou a 69,5%.

Ontem foi um dia com mais eventos do que cabem numa coluna. Foram anunciados a queda do PIB no segundo trimestre, o rombo fiscal de julho, a manutenção da taxa de juros ao fim da reunião do Copom e o Orçamento de 2017. Tudo isso enquanto o país viu o impeachment da presidente Dilma, a posse do presidente Michel Temer, que, em seguida, viajou para a China deixando a Presidência com o deputado Rodrigo Maia.

Na intensidade com que se vive o tempo presente, o país vai procurando uma saída para a crise econômica. Os dados de ontem, por piores que sejam, trazem algumas luzes. A indústria, que está em longa hibernação, cresceu em relação ao primeiro trimestre e os investimentos também aumentaram. A projeção do governo é de que o PIB estabilizará no terceiro trimestre e voltará a ligeiro crescimento no fim do ano.

Tudo dependerá da capacidade do presidente Michel Temer de fazer o que tem prometido. Há uma agenda de reformas pela frente que, apesar de não terem efeito imediato, criam um horizonte que permite aumentar a confiança dos investidores e criadores de emprego.

Quanto à ex-presidente Dilma, ela continuará com seu incessante esforço para reescrever a história. Ontem, disse que sua queda era golpe contra todas as minorias e todos os discriminados. Incluiu até os índios entre esses seus liderados. A usina de Belo Monte, construída a ferro e fogo por ordem dela, passou por cima de direitos indígenas e do meio ambiente. Além disso, a obra foi citada como fonte de corrupção.

O governo Temer precisa evitar os sinais fiscais ambíguos do período de interinidade, manter a base unida nas votações e pavimentar o caminho da recuperação. Batalhas como a reforma da Previdência não trarão resultados positivos no seu período de governo, mas são fundamentais para o futuro, diante do fato auspicioso de que os brasileiros estão vivendo mais.

A Operação Lava-Jato continuará rondando o governo porque há investigados na base de Temer, como havia no governo do PT, que ontem encerrou uma era de 13 anos no poder. O novo governo começa sob o signo da crise e terá que se esforçar muito para vencê-la.

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