sábado, 5 de agosto de 2017

Sem Janot, Lava Jato terá 'rumo certo', afirma Temer

Presidente diz que 'nunca pretendeu destruir' a operação e defende caminho do 'cumprimento da lei'

Carla Araújo, Irany Tereza, Vera Rosa e Tânia Monteiro | O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - Dois dias após a Câmara barrar a denúncia por corrupção passiva, com o apoio de 263 deputados, o presidente Michel Temer disse que as mudanças na Procuradoria-Geral da República “darão o rumo correto à Lava Jato”. Em seu gabinete, redecorado, Temer também não descartou a possibilidade de troca de comando na Polícia Federal e afirmou que nunca pretendeu destruir a operação da qual virou alvo. “O rumo certo é o cumprimento da lei”, disse, em entrevista ao Estadão/Broadcast, quando questionado sobre qual caminho vislumbra para a Lava Jato, de agora em diante. Autor da denúncia chamada por Temer de “ridículo jurídico”, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, deixa o cargo em 17 de setembro.

Em uma hora de entrevista, o presidente procurou amenizar as traições na base aliada durante a votação da denúncia e apostou na aprovação de uma reforma da Previdência mais enxuta em setembro. Temer afirmou que não haverá retaliação aos infiéis, mas sugeriu que quem não vota com o governo deveria entregar os cargos. Questionado sobre a divisão no PSDB, que ameaça deixar a Esplanada, ele disse esperar apoio dos tucanos nas próximas batalhas no Congresso. “Quem estiver sentindo-se mal no PSDB sairá do governo, não tenho dúvida. Não estou dizendo o partido como um todo, porque lá há uma divisão muito grande.”

O sr. conseguiu derrubar na Câmara a denúncia de corrupção passiva, mas é possível que Rodrigo Janot apresente novas acusações. Como governar com esta espada na cabeça?

A Câmara cumpriu adequadamente uma missão constitucional e, ao final, o que se verificou foi uma vitória muito significativa. E o que se alardeava é que não haveria sequer quórum de 342 para que se começasse a votação. E esse quórum, para a surpresa daqueles que anteviam uma catástrofe, se deu logo ao meio-dia. Fico muito desagradado com os aspectos morais. Tenho muito orgulho do que fizemos nestes 14 meses. Agora, o que me prende ao cargo é muito mais a defesa da minha reputação moral. A denúncia é pífia, inepta. Se vier uma nova, vamos enfrentá-la. Eu me sinto muito constrangido, porque tentam imputar-me uma pecha de corruptor, de alguém que está violando os limites da lei, quando não sei bem quem é que está violando os limites da lei. Eu não sou.

Janot pediu que o sr. e os ministros Moreira Franco e Eliseu Padilha sejam incluídos no inquérito do “quadrilhão” do PMDB. Como responde?

Respondo com uma pergunta: Sabe quando o procurador fez isso, embora esse processo esteja correndo há três anos? Às vésperas da votação do Congresso, o que está a significar que, na verdade, ele passou a ter uma atuação muito mais de natureza política, e quase pessoal, do tipo “quero ver qual é o time que ganha”, e não a sua função institucional. Não se trata de disputas pessoais. Nem ele deve ter disputa pessoal com o presidente da República, muito menos eu terei com ele. Jamais lhe daria essa satisfação. Lamento é que ele, a todo momento, anuncie que vai fazer uma nova denúncia, baseada nos mesmos fatos. É um gestual político, institucionalmente condenável.

A base aliada encolheu após as delações da JBS. Hoje o sr. não tem 308 votos para aprovar a reforma da Previdência. Como vai reaglutinar a base?

Muita gente que votou contra mim vota a favor da Previdência. Nós podemos chegar a 310 votos. O PSDB, por exemplo, teve, acho, que 20 votos e 5 ausências, uma coisa assim (na verdade, foram 22 votos a favor de Temer, 21 contra e 4 ausências). São 25 votos e eu sei que eles têm compromisso com a responsabilidade fiscal, sempre pregaram isso.Mas como vai rearrumar essa base? Dialogando. Sem retaliação. Quem vota permanentemente contra o governo e faz parte da base está a indicar aos seus eleitores que não quer participar do governo. Então, o governo diz assim: “Bom, eu vou facilitar a sua vida”. Em outros episódios, alguns até tiveram a delicadeza institucional de dizer “Olha, eu não estou podendo votar com o governo, de modo que os cargos que eu tiver aí pode eliminar”. Eu acho que muitos até pedirão para eliminar os seus cargos.

O sr. pretende fazer uma reforma ministerial para rearrumar a base?

Não penso. Estou preocupado com as reformas estruturantes do País, é isso que me preocupa. As circunstâncias é que vão determinar, ditar o nosso comportamento.

Não foi constrangedora a negociação de emenda em plenário no dia da votação?

Vocês vão ficar estarrecidas. (Irritado, Temer volta-se para auxiliares e pergunta: “Cadê aquela coisa das emendas, hein? Estava aqui sobre a minha mesa”). Vou mostrar alguns casos do PT e vocês verão quem mais recebeu. São emendas impositivas e eu sou obediente à lei. Não posso negar e dizer “impositivas eu dou para os da base e não dou para os da oposição”. Há pessoas (da oposição) que empenharam R$ 10 milhões, quando muitos da base empenharam R$ 4 milhões...

Mas no dia da votação, no plenário?

Isso não aconteceu. O que aconteceu foi que o Imbassahy (ministro da Secretaria de Governo) voltou para o plenário para votar e lá muitos foram a ele para falar de emendas, e alguém ouviu ele falar que iria empenhar livremente as emendas como têm sido liberadas. Aliás, muita gente que ganhou muito dinheiro nos empenhos votou contra.

Como contar com o PSDB para outras votações sendo que o partido está rachado e praticamente metade da bancada votou contra o senhor?

Mas será que eles votam contra o Brasil? Eu não acredito que eles votem contra o Brasil. O PSDB sempre diz: “Olha, temos compromisso com as reformas. Não interessa quem está no poder”.

O sr. está magoado ou irritado com o PSDB? Vai dar um prazo para os tucanos decidirem se ficam ou saem do governo?

Não. Nem magoado nem irritado. Você sabe que presidente da República não pode ficar magoado nem irritado. Pode, muitas vezes, ficar decepcionado. Mas decepcionado, com pena daquele que votou assim ou assado, porque daí eu é que fico com pena do sujeito.

Dizem que o seu governo está refém do Centrão.

Não sou refém de nenhum partido.

Parlamentares do Centrão ameaçam não aprovar a reforma da Previdência, caso o sr. não puna quem o traiu na votação de quarta-feira.

Os próprios que não votam com o governo vão se sentir pouco à vontade de participar de um governo que não apoiam. Tenho a impressão de que vão acabar saindo.

O sr. também está se referindo ao PSDB?

Quem estiver sentindo-se mal no PSDB sairá do governo, não tenho dúvida. Não estou dizendo o partido como um todo, porque lá há uma divisão muito grande.

Com essa crise, o PMDB terá candidato próprio em 2018?

A minha preocupação é 2017. Estou fixado em 2017 e nas reformas estruturais. 2018 chegará sua vez. Lá que vamos examinar.

Em setembro de 2015, o sr. disse a empresários que era difícil a então presidente Dilma resistir e chegar ao fim do mandato com uma popularidade tão baixa (à época 7% a 8%). O sr. tem agora 5%. Como conseguirá governar mais um ano e meio sendo tão impopular?

É que há uma diferença entre a impopularidade daquela época e a desta. Acredito que a minha impopularidade, para usar o vocábulo, decorre das reformas que estou fazendo. Portanto, o reconhecimento virá depois. Vejam um caso impressionante como esse, de uma autorização para processar o presidente da República. Vocês estiveram na frente do Congresso? Fotografaram na frente do Congresso? Vocês estiveram na época do impeachment? Fotografaram na época do impeachment? (com tom de voz mais elevado). A notícia que tenho é de que agora tinha três pessoas lá na frente, duas saíram e daí ficou uma só. Sem graça, foi embora.

O sr. não tem receio de delações de Lúcio Funaro e Eduardo Cunha?

As pessoas estão cansadas disso. Primeiro, não conheço Lúcio Funaro, segundo, não sei o que ele vai dizer. Portanto, não posso falar sobre hipóteses. Não tenho nenhuma preocupação com isso. Eduardo Cunha, sim, foi líder do PMDB, foi presidente da Câmara. Às vezes me perguntam, como é que você falava com ele? Meu Deus, estou falando com o líder do PMDB, com o presidente da Câmara... E eu não devo falar com ele?

Vai ter mudança na Polícia Federal?

Não sei. Este é um assunto que está sendo estudado pelo Ministério da Justiça.

O sr. acredita que, com a entrada de Raquel Dodge na Procuradoria-Geral da República, haverá alguma mudança?

Pelo que conheço da procuradora Raquel Dodge, ela vai cumprir rigorosamente o que a lei estabelece. Onde houve delito ela vai continuar. Não tenho a menor dúvida disso. Acho que, pelo histórico dela e conhecimento jurídico, ela vai cumprir rigorosamente as funções que compete ao procurador-geral.

E todas essas mudanças na PGR, na PF e no Supremo Tribunal Federal darão um novo rumo para a Lava Jato?

Darão o rumo correto à Lava Jato. Ninguém nunca pretendeu destruir a Lava Jato. Eu não ouvi o depoimento de nenhum agente público que dissesse vamos paralisar a Lava Jato, ninguém. Muito menos de ministros do Supremo ou membros da Procuradoria ou do governo. Ninguém disse isso.

E qual é o rumo certo?

O rumo certo é o cumprimento da lei. Rigorosamente o cumprimento da lei. Não há como descumprir a lei sob pena de criar instabilidade social.

Nas denúncias contra o senhor, acha que foi cumprida a lei?

Prefiro não comentar, porque tudo isso estará um dia sob a avaliação do Judiciário. Mas faço um registro: alguns deputados, quando votaram, disseram: “O presidente será investigado”. Sabe qual é a suposição? Que o relator do STF vai ouvir testemunhas, chamar pessoas, pegar matérias. A investigação é algo que antecede a denúncia. O que se quer é o seguinte: como não se fez investigação durante o inquérito, vão agora, depois da denúncia. Isso é de um ridículo jurídico que envergonha qualquer aluno do segundo ano da Faculdade de Direito.

'Reforma da Previdência não será tão abrangente', diz Michel Temer

Presidente admite que as regras previdenciárias serão ‘atualizadas’ em vez de passar por revisão ampla neste ano; juros podem cair mais

BRASÍLIA - O projeto de uma revisão ampla das regras previdenciárias a partir deste ano parece estar mesmo fadado à fixação de uma idade mínima para a aposentadoria. Tanto que o presidente Michel Temer prefere substituir o termo “reforma” por “atualização” e já admitiu, em entrevista exclusiva ao Estadão/Broadcast, que uma nova mudança deve ser necessária daqui a alguns anos. “Sendo a reforma possível, não será tão abrangente como deveria”, disse Temer, que espera também igualar as regras dos servidores públicos aos da iniciativa privada. Otimista, o presidente acredita que conseguirá tocar ao mesmo tempo no Congresso as reformas tributária e política. Mais positivo ainda, aposta em uma taxa básica de juros (Selic) de 7% ao ano no fim de 2017. O relatório oficial do Banco Central prevê 8% ao ano para a taxa em dezembro. Em julho, a Selic voltou a registrar um dígito, pela primeira vez em quatro anos.

A reforma da Previdência, que é considerada prioritária, parou.

Não é a única do meu governo. Peço licença para contestá-la. Porque, na verdade, não é prioritária, ela foi a última proposta. Primeiro nós propusemos o teto dos gastos públicos, o que significa cortar na própria carne, e foi aprovado por uma maioria significativa. Depois, a reforma do ensino médio e a reforma trabalhista. Depois as várias... Eu não poderia relacionar as mais de cem medidas que tomamos. A última que propusemos foi a reforma previdenciária, aprovada por uma comissão especial da Câmara, quando muitos alardeavam e pregavam que não seria aprovada. Depois, houve, aí reconheço, uma breve paralisação, por força de recesso e outros eventos que ocorreram na Câmara, mas vamos retomá-la. E continuar a discuti-la nos mesmos moldes que foi discutida ao longo de todo o período.

O que é, hoje, prioritário para o sr.: a reforma da Previdência, a política, como quer a base, ou a tributária, como disse o ministro Antonio Imbassahy?

Acho que as três devem caminhar juntas. A reforma política deve ser aprovada até o fim de setembro para poder valer para a próxima eleição. Portanto, é prioritária. De igual maneira, a simplificação tributária. Eu mesmo – não são deputados nem a minha equipe que têm falado – tenho dito que um dos objetivos é fazer a simplificação tributária. E ao mesmo tempo a Previdência. São três prioridades.

A previdenciária sai agora?

Temos tido muita colaboração do Congresso. O presidente Rodrigo Maia (DEM-RJ) acha que poderá votar na Câmara até o começo de setembro. Essa agora é uma decisão do Congresso Nacional, não é mais uma decisão nossa. A matéria está sob exame da Câmara no presente momento e depois do Senado. Mas vejo no Rodrigo Maia um presidente que quer as reformas, assim como o presidente Eunício Oliveira (PMDB-CE), lá no Senado. Portanto, acho que ela sai. Mas eu não quero fazer previsão, porque não quero interferir no Congresso. Acho que até outubro ela deve sair.

Se tivesse de escolher prioridade para o semestre legislativo, qual seria?

Escolho as três. Elas são importantes igualmente. A política, a simplificação tributária e a previdenciária. Acho que o que vai caminhar muito celeremente é a da Previdência e a política, por causa do prazo que mencionei.

É possível que a reforma da Previdência se resuma mesmo à idade mínima?

Muitas vezes chamo a reforma de atualização previdenciária. Se vocês fizerem um retrospecto histórico, verificarão que a cada oito, dez anos, há uma atualização. Porque o mundo está mudando, a idade vai mudando, as condições vão mudando. Eu mesmo fui relator da reforma da Previdência em 1995, 1996. Anos depois, em 2003, 2004, foi preciso fazer uma nova atualização. Depois, mesmo no governo anterior, foi preciso propor novas regras de atualização previdenciária. E agora, igualmente, nova atualização. A gente faz agora a reforma que é possível. E, sendo uma reforma possível, ela não será tão abrangente como deveria sê-lo. Então, é possível que daqui a seis, sete, oito anos, tenha que fazer uma nova atualização.

E a reforma possível agora é só a idade mínima?

Não, acho que é idade e a quebra dos privilégios. A questão de igualar a previdência privada com a pública é fundamental. As pessoas não suportam mais a história de diferenças, de privilégios. A Constituição determina que todos são iguais perante a lei, ou mesmo homens e mulheres são iguais em direitos e deveres. Na verdade, o mote constitucional é dizer que não poderá haver distinções entre pessoas. A não ser que haja distinções pautadas por correlação lógica entre a discriminação e o fato que leva a discriminar. Agora, eu pergunto: Será que há uma discriminação possível entre quem está no serviço público e quem está na previdência privada? Não há razão para essa distinção. Esses dois fatos me parecem importantes.

O governo anunciou corte adicional de quase R$ 6 bilhões nas despesas e está cada vez mais claro que vai haver revisão da meta neste ano. Para quanto o déficit de R$ 139 bilhões vai aumentar?

Em primeiro lugar quero dizer que este é um governo que não mente. Quando temos dificuldade, nós todos, a área econômica, vamos a público e dizemos como está a situação. Neste momento em que houve contingenciamento foi porque, de fato, não havia como permanecer com aquelas verbas sem sair da meta. Estamos agora procurando meios e modos de reduzir o contingenciamento, portanto fazer voltar verbas. Não sabemos se será necessário ou não aumentar o limite da meta. Se for, diremos claramente. Mas, não tenho valores, não tenho números.

O ministro Henrique Meirelles (Fazenda) já admitiu a possibilidade de revisão.

Ele já conversou comigo sobre isso. Ficamos de conversar outras vezes para verificar qual seria o montante, se necessário.

Não tem ideia se ficará no mesmo nível do ano passado?

Não, ainda não tenho. E acho que ninguém tem no governo.

E a necessidade de elevação de tributos para aumentar a arrecadação, não apenas neste ano, mas para 2018, que já começa no vermelho?

Já elevamos PIS/Cofins só combustíveis; não pegou serviços, não pegou outras áreas.

Outros tributos podem ser elevados?

Isso tudo está sendo estudado com muita calma. Não há nenhuma definição. Eu nem devia estar dizendo isso porque vocês vão publicar que estamos examinando tributos sobre dividendos. Exames sempre existem.

É que o governo está amargando uma frustração grande na arrecadação...

É que você não está querendo dar os dados positivos. Se quiser, verá que, depois de muitos anos, pela primeira vez, nos últimos três meses temos índices positivos de emprego. Em segundo lugar, depois de muito tempo, quando peguei o governo, a inflação era de 10,70% e hoje é de 3,5% (pelo cálculo de junho do IBGE, a taxa está em 3%). Depois de muito tempo, a Selic que era 14,25% está em 9,25% e até mesmo pode chegar ao fim do ano entre 7% e 7,5%. São dados positivos, que vejo que as pessoas se esquecem.

A Selic vai chegar a 7% a.a. em 2017?

Em 7,5% com muita possibilidade.

O senhor acredita que a arrecadação com a repatriação foi muito mais fraca do que o esperado por não incluir políticos e parentes de políticos?

A segunda chamada foi mais fraca. Não sei dizer o porquê. Confesso que não tenho os dados. Mas obedeço ao que o Congresso estabeleceu. O Congresso proibiu (parentes de políticos), nem discuto.

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