- O Globo
Para ser coerente contra as prisões preventivas prolongadas decretadas pela Operação Lava-Jato, o ministro Gilmar Mendes teria que dar o habeas corpus pedido pela defesa de Joesley e Wesley Batista. Mas como já os classificou de bandidos, e está convencido de que armaram a gravação com o presidente Michel Temer no Palácio do Jaburu orientados pelo Ministério Público, com o objetivo de conseguir anistia para seus crimes, inclusive o de enriquecimento ilícito com manobras na Bolsa de Valores e no câmbio, Gilmar Mendes os manteve na cadeia.
Essa foi a segunda peça pregada pelo destino ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) que mais se bate para rever critérios de delações premiadas e as prisões preventivas pedidas pelo Ministério Público — geralmente concedidas pelos juízes da Lava-Jato, principalmente Sérgio Moro, de Curitiba, e Marcelo Bretas, do Rio de Janeiro.
A primeira foi embarcar no mesmo voo para Portugal usado por seu adversário, o ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot. Menos mal que não há nenhum registro de desavenças a bordo.
A revisão dos critérios para as delações premiadas levadas a efeito pelo Ministério Público é um assunto que, mais cedo ou mais tarde, terá que ser avaliada pelo plenário do Supremo, e em vários setores do Congresso há parlamentares empenhados em estabelecer novos parâmetros para a atuação do Ministério Público.
A comissão que discute propostas de alterações no Código do Processo Penal considera o momento atual oportuno para aprofundar as discussões sobre eventuais mudanças das regras de delações premiadas, prisão preventiva e condução coercitiva, prevendo que até a segunda quinzena de outubro o relatório estará finalizado.
A ideia é que o novo Código de Processo Penal tenha regras mais claras para evitar o que chamam de vícios nos acordos de delação premiada que, na opinião dos deputados membros da Comissão, não pode ter o papel de um habeas corpus para os presos.
O instrumento da “colaboração premiada” é regulamentado pela Lei de Organizações Criminosas, de 2013, e um dos objetivos da comissão é definir um prazo para a prisão preventiva e estabelecer em que casos uma condução coercitiva pode ser feita.
Em outro front, aliados do presidente Michel Temer pretendem usar a CPI mista instalada no Congresso supostamente para investigar a JBS para, acusando as irregularidades dos executivos da empresa, permitir que as delações premiadas, não só a da JBS, fiquem desacreditadas.
Desacreditar o ex-procurador-geral Rodrigo Janot servirá também para criar novas regras, através de um projeto de lei para as delações premiadas. Uma medida que conta com amplo apoio entre os políticos é a definição de penas pesadas a delatores que não apresentarem provas de suas acusações.
Também em consequência das diversas crises provocadas pela delação premiada de Joesley Batista, o Conselho Superior do Ministério Público Federal (CSMPF) pode criar, por sugestão do presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, José Robalinho Cavalcanti, uma comissão para estudar regras de delação premiada e de exoneração dos membros do MPF.
Uma das ideias é a imposição de quarentena aos que saírem, para impedir o conflito de interesses que se registrou no caso do ex-procurador Marcello Miller.
Todos esses temas foram abordados por ministros do STF na recente sessão sobre a segunda denúncia contra o presidente Temer, com ministros como Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Alexandre de Moraes e Ricardo Lewandowski, com maior ou menor ênfase, levantando questionamentos sobre as delações premiadas e suas consequências provocadas, principalmente, por vazamentos de informações ainda sob sigilo.
O próprio advogado de Joesley Batista, Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, divulgou nota criticando o que considera “excessos cometidos” na aplicação da delação premiada. “Na verdade, estamos vivendo a desmoralização da colaboração premiada, e criando instabilidade para todos aqueles que foram delatores”, disse o advogado.
Todos esses fatos indicam que há novamente em gestação, em diversos campos, uma tentativa de restringir os efeitos da delação premiada, um dos mais importantes instrumentos de combate à corrupção.
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