quinta-feira, 16 de novembro de 2017

Venezuela caminha para o default na dívida externa – Editorial: Valor Econômico

Um default pode coroar a trágica história da decadência econômica da Venezuela, provocada por Hugo Chávez e, agora, Nicolás Maduro. A empresa de rating S&P qualificou o atraso de R$ 200 milhões de pagamento de juros de dois bônus soberanos como "calote seletivo" e há mais R$ 400 milhões de outros bônus que já deveriam ter sido pagos. Até agora os chavistas deram prioridade ao pagamento dos credores, relegando o país à escassez de divisas, a uma drástica carestia e escassez de alimentos, remédios etc. Os dólares terminaram e o fato de Maduro afirmar que "o default nunca chegará à Venezuela" é mais um sinal de que ele está a caminho.

As reservas internacionais do país são baixas, mal alcançam US$ 10 bilhões, e mais US$ 8 bilhões vencem em 2018. A truculência política isolou o governo na cena doméstica e no exterior, tornando especialmente delicada, se não impossível, a tarefa de negociar com os detentores de títulos. Estimativas privadas indicam uma dívida em bônus de US$ 63 bilhões e uma dívida externa total entre US$ 100 bilhões e US$ 150 bilhões. O banco central venezuelano diz que a Venezuela deve US$ 93 bilhões, mas nenhuma informação oficial é confiável em um regime que decidiu não divulgar sequer os índices de inflação.

O fechamento ditatorial do regime, consumado pela eleição sob encomenda de uma Assembleia Constituinte, com o objetivo de acabar com a oposição, retirando-lhe das mãos o Poder Legislativo, provocou mais sanções contra o governo, em especial por parte dos EUA. O governo Trump proibiu empresas e investidores americanos de negociarem com vários membros do governo chavista, que não podem mais por os pés em território americano, e também de realizar transações com títulos venezuelanos.

Mesmo tendo a necessidade a lhe recomendar responsabilidade em uma hora crítica, Maduro faz novas jogadas políticas. Ele escalou como encarregado da "renegociação" ou "reestruturação" das dívidas seu vice-presidente Tareck El Aissami, acusado pelo governo americano de tráfico de drogas, e o ministro da Economia, Simon Zerpa, outra persona non grata nos EUA. Perto de 70% dos títulos passíveis de serem refinanciados pertencem a investidores americanos e canadenses.

Não é possível saber se, ao escolher pessoas que mais dificultam que facilitam os entendimentos, o governo venezuelano aposta em um desfecho ruim com segundas intenções. Ao anunciar que o processo de "refinanciamento" da dívida externa começou com um "retumbante sucesso", a nota oficial atacou Trump e também a oposição venezuelana. Encontrar bodes expiatórios para seu próprio fracasso tem sido atitude recorrente de Maduro, assim como os exageros retóricos. O governo anunciou que pouco mais de 400 investidores haviam aceito participar de reunião na segunda-feira em Caracas, mas pouco mais de um centena compareceu e ouviu que a Venezuela continuaria pagando suas dívidas. Nenhuma proposta foi apresentada.

Um alívio da dívida, consentido ou litigioso, diminuiria o sufoco externo e permitiria importar mais, mitigando a grave escassez de bens e criando um clima menos desfavorável para que Maduro tente sua reeleição em 2018, especula a Eurasia Group. Seja qual for o desígnio de Maduro, abre-se mais um período de dificuldades para a Venezuela, já a caminho avançado de se tornar um pária internacional.

Dificilmente os credores concederão muita coisa porque o governo chavista não tem nenhum plano que dê ao menos a ilusão de que a situação econômica e financeira do país será melhor no futuro. E ainda que a Venezuela consiga algum progresso, terá de voltar atrás em parte da obra ditatorial construída. Os EUA acenam com a permissão aos investidores de seu país na reestruturação, desde que a nova emissão de títulos seja aprovada pela Assembleia Nacional, esmagada pela Constituinte chavista, que usurpou seu papel.

Não há sinais públicos do que pensa o maior credor venezuelano, a China. A Rússia reestruturou ontem US$ 3,15 bilhões em dívidas, de olho em vantagens na exploração de petróleo do país. Ao perder a capacidade de pagar, que sustentou enquanto pôde, Maduro, com um default, estará cortando seus últimos laços com o mundo capitalista. Até certo ponto este sempre foi um sonho dos chavistas, que agora está perto de se transformar em um pesadelo para o povo venezuelano.

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