- Valor Econômico
Partidos já iniciaram debates programáticos
O PT pode até insistir na manutenção da pré-candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao Palácio do Planalto, mas terá menos tempo do que gostaria até que as várias forças e o eleitor de esquerda definam que rumo tomarão nas próximas eleições. Excluindo o próprio Lula, que mais cedo ou mais tarde deve ser enquadrado na Lei da Ficha Limpa e impedido de concorrer a qualquer cargo em outubro, os representantes deste campo político mais bem posicionados na disputa presidencial são justamente os que têm evitado orbitar em torno do petista e o projeto de defesa da sua biografia e do projeto de poder do PT.
Preso há dez dias, Lula continua sendo o pré-candidato com os índices mais elevados de intenção de voto e poder de influência no pleito, mas já começa a ver seu apoio popular diminuir. Com perspectiva de poder decrescente, em razão das dificuldades para enviar suas mensagens para fora do cárcere e diante da possibilidade de sofrer novas condenações, o ex-presidente corre o risco de ver seu respaldo popular e político minguar.
Segundo a mais recente pesquisa do Datafolha, com Lula fora do páreo, o deputado Jair Bolsonaro (PSL) e a Marina Silva (Rede) pulariam para a liderança. Mas não é somente a ex-senadora que seria capaz de representar a esquerda de forma competitiva num eventual segundo turno, seja contra o próprio Bolsonaro ou ante o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin (PSDB). O ex-ministro Ciro Gomes (PDT) também. Em outras palavras, a sondagem demonstra que a esquerda não estaria condenada a ficar à margem da disputa, caso Lula seja barrado pela Justiça.
A pesquisa também já captou o potencial eleitoral do ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa (PSB). E ajudou a consolidar a visão de que os aliados dispostos a sustentar a pré-candidatura de Lula o quanto for possível não empolgam o eleitor.
O ex-ministro Jaques Wagner e o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad, outros possíveis nomes do PT, não ultrapassam 2% das intenções de voto. Guilherme Boulos (Psol) e Manuela d'Ávila (PCdoB), que encamparam a palavra de ordem segundo a qual eleição sem Lula é fraude - mesmo que isso possa tirar a legitimidade de uma eventual vitória de suas próprias candidaturas -, não têm desempenho mais animador.
Marina Silva, que apoiou o tucano Aécio Neves no segundo turno das últimas eleições e também por isso enfrenta resistências de petistas, e Ciro Gomes têm adotado um tom mais crítico em relação à situação do ex-presidente e seu partido. Mesmo assim, Ciro tenta manter canais de diálogo abertos para poder receber o maior número possível de votos de lulistas, caso eles se dispersem. Ele não participou do ato político que precedeu a prisão do ex-presidente, mas tenta prestar solidariedade a Lula em uma visita à sede da Polícia Federal em Curitiba com outros dirigentes do PDT.
Embora em público dirigentes petistas insistam na pré-candidatura do ex-presidente, essas mesmas lideranças destacam a importância de a esquerda se unir pelo menos em torno de um programa comum. O lance inicial para a construção dessa unidade já foi dado em fevereiro, quando as fundações dos partidos de esquerda divulgaram documento conjunto por meio do qual, além de analisar a conjuntura política, traçaram algumas diretrizes programáticas. O manifesto, destaque-se, não citou diretamente o ex-presidente Lula, sua situação na Justiça ou pré-candidatura.
A atual campanha está apenas no começo, mas já se desenha um cenário diferente do observado nas últimas eleições, quando Lula liderou um dos polos políticos e teve o PSDB como antagonista. Está chegando a hora de a esquerda refletir se passará a ser menos lulocêntrica e lulodependente.
Bolsonaro e a Justiça
Disputando a dianteira da corrida presidencial, Jair Bolsonaro começa a acumular problemas na Justiça.
O pré-candidato já respondia a uma ação por ofender a também deputada Maria do Rosário (PT-RS), depois de ter dito que a colega não merecia ser vítima de estupro. Na semana passada, adicionou-se à lista uma denúncia da Procuradoria-Geral da República por racismo e discriminação contra quilombolas, indígenas, refugiados, mulheres e LGBTs.
A PGR demorou um ano para apresentar a denúncia, que remonta a uma palestra feita pelo deputado no Rio de Janeiro em abril do ano passado. Bolsonaro afirmou, por exemplo, que os quilombolas "não fazem nada" e "nem para procriador eles servem mais". Também responsabilizou comunidades indígenas pela não construção de usinas hidrelétricas em Roraima ou pela não exploração de recursos existentes em suas terras. E criticou o acolhimento generalizado de refugiados.
Ironicamente, tais processos não devem fazê-lo perder votos. Podem afastar apoiadores em um eventual segundo turno, mas seus eleitores cativos não só concordam com tais declarações, como as aplaudem.
Bolsonaro, contudo, soube desviar-se de uma outra ação, esta sim potencialmente prejudicial à sua candidatura no curto prazo. Em meados do ano passado, o deputado negociou sua adesão ao Partido Ecológico Nacional (PEN), inclusive exigindo que o partido mudasse de nome para Patriota. Mas disse que só assinaria a ficha depois de o partido desistir de uma determinada ação no Supremo Tribunal Federal: a ação declaratória de constitucionalidade contra o entendimento da Corte de permitir prisões de pessoas condenadas em segunda instância.
Não é uma ação qualquer. Sua discussão pode voltar em breve à agenda do STF e levar, por exemplo, o ex-presidente Lula à liberdade. Ter seu partido sendo responsabilizado pela soltura do político mais contestado pelo seu eleitorado poderia trazer perdas incalculáveis à sua candidatura presidencial.
Bolsonaro acabou filiando-se ao PSL. Com receio de ser acusado de proteger políticos enrolados na Lava-Jato, o PEN afastou os advogados que usaram o partido como plataforma para protocolar a ação no STF e até agora tenta adiar o julgamento. No país em que diversos partidos são criados como legendas de aluguel, não são raros os casos em que há conflito de interesses entre os inquilinos.
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