quinta-feira, 11 de outubro de 2018

Míriam Leitão: Os candidatos e o mercado

- O Globo

Equilíbrio das contas públicas não é de esquerda nem de direita; é a base da construção do projeto a ser escolhido nas urnas

O dia de ontem terminou melhor para Jair Bolsonaro do que começou. Ele concedeu uma entrevista que derrubou a bolsa e fez o dólar subir. Nela, ele mostrou que em economia sua visão é bem diferente da que tem sido defendida pelo economista Paulo Guedes. Isso foi um balde de água fria no mercado. No fim do dia, no entanto, a pesquisa Datafolha mostrou que ele abriu 16 pontos de dianteira do adversário. Fernando Haddad pôde comemorar ontem o apoio do PDT de Ciro Gomes, e tentou dar os primeiros passos para o centro.

Jair Bolsonaro demonstra, uma vez mais, desconhecimento básico de como funciona a economia. Isso é mais espantoso, e aqui tenho chamado a atenção para isso. Em determinado momento da entrevista ao “Jornal da Band", disse que o Brasil paga “um Plano Marshall por ano” de juros da dívida interna e por isso ele falou: “Paulo, como dá para negociar com o mercado? Ele que vai negociar". O que seria isso? Os juros são pagos a todos os milhões de aplicadores que investem em títulos públicos, em fundos lastreados por estes papéis. Não se negocia a redução dos juros, exceto na hipótese de um calote. As taxas são decididas pelo Copom com base na situação macroeconômica. Essa ideia de que se possa “negociar com os credores” ele já havia falado para banqueiros no começo da campanha. Não faz sentido.

Fernando Haddad repetiu velhos equívocos quando disse que “os juros vão cair de qualquer jeito". Quando a ex-presidente Dilma saiu do governo as taxas estavam em 14,25%. Foi possível reduzi-las para 6,5% porque a inflação caiu de quase 10% para o piso da meta. Com inflação baixa, os juros puderam cair. Houve um momento no governo Dilma, em que ela quis que os juros caíssem “de qualquer jeito". Eles caíram, a inflação avançou e eles tiveram que subir de novo.

O ex-governador Jacques Wagner disse que “o mercado se curvará ao governo". O PT exerceu tanto tempo o poder e já deveria saber que o mercado não é uma entidade. A opinião política dos operadores pode influenciar suas decisões de alocação de recursos, e provocar a alta e a queda das bolsas. Mas o realmente importante é que a dívida pública está alta demais. O FMI esta semana alertou que o Brasil tem a segunda maior dívida entre os emergentes, perdendo apenas para a demolida Venezuela. E isso terá que ser enfrentado com a redução do déficit público. A dívida não é devida ao “mercado", mas sim a todo brasileiro que investe em títulos públicos: ricos, classe média, empresas, fundos de pensão. Ela é o outro lado no espelho da poupança brasileira.

O que fez a bolsa cair ontem foi, além de um clima externo ruim, a declaração de Bolsonaro à “Band" negando que pretenda privatizar a geração de energia, ou seja, a Eletrobras. O argumento de Bolsonaro é que se você tem um galinheiro e se vender as galinhas ficará sem o ovo cozido de manhã. Essa analogia coloca em dúvida seu prometido programa de privatização. Fiquem então as galinhas porque o governo quer os ovos. A visão dele sobre a reforma da Previdência mostra que ele é o que sempre foi. Bolsonaro fez sua carreira política sendo um defensor de interesses corporativos de militares e policiais. Essa é a sua estreita agenda. Sempre votou contra reformas. Agora passou um verniz liberal conveniente para a campanha, mas entra em contradição em qualquer entrevista.

Fernando Haddad, por sua vez, disse ontem que não entregará o Ministério da Fazenda a um banqueiro porque seria colocar uma raposa no galinheiro. Os dois candidatos têm em comum as analogias avícolas. Durante seu primeiro governo, o ex-presidente Lula colocou Henrique Meirelles, um banqueiro, no Banco Central. A atuação daquela diretoria foi essencial para manter a inflação baixa e permitir o crescimento.

O equilíbrio das contas públicas não é de esquerda nem de direita. É a base para a construção do projeto que for escolhido nas urnas. Se Jair Bolsonaro tem um plano de governo ele só será factível se houver superação da crise fiscal do país. Da mesma forma, o PT. A pobreza aumentou de 2014 a 2017 porque o país entrou em recessão pelos erros na política macroeconômica. Acertar na economia é parte fundamental do projeto de enfrentar as muitas iniquidades sociais brasileiras.

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