sábado, 8 de janeiro de 2022

Ascânio Seleme: PT sendo PT

O Globo

Estranho seria se Lula apresentasse agora uma pauta liberal, sobretudo depois do fracassado governo de direita e falso liberal de Bolsonaro. Por isso, não tem por que se comover com os sinais do PT e do próprio Lula em torno de uma agenda de centro-esquerda para um provável novo governo petista. Pode não dar certo, tem tudo para dar errado, mas este é o seu caminho natural. Não dá para pedir algo diferente ao candidato que lidera as pesquisas dez meses antes da eleição presidencial. Só se quiséssemos engolir uma farsa eleitoreira, e o eleitor está farto de farsas.

Vamos ver os pontos que suscitaram o debate. O primeiro e mais óbvio é o da reforma trabalhista. Lula parabenizou o governo espanhol por reverter alguns pontos da reforma trabalhista de 2012, insinuando que poderá ir pelo mesmo caminho se for eleito. A reforma promovida pelo governo Temer mexeu em 117 artigos da CLT com a promessa de aumentar empregos no país. Obviamente não houve melhora na oferta de vagas, mais em razão da economia precária do que reflexo das mudanças. Se a reforma não é popular, mudá-la não será mera trivialidade. Lula vai precisar do Congresso para dar a guinada. E se der, ninguém garante que a vida do trabalhador vai melhorar. Pode se dar o contrário, já que a tendência natural é o enxugamento de vagas pelos empregadores.

Não dava para esperar algo diferente de uma agremiação que atende pelo nome de Partido dos Trabalhadores. Convenhamos.

O segundo ponto é o das privatizações. A presidente do partido, Gleisi Hoffmann, lembrou na semana passada a reestatização da empresa de energia argentina, sugerindo um caminho a seguir no Brasil. Alguma surpresa? Nenhuma. O PT sempre foi radicalmente contra privatizações. Nos governos de Lula e Dilma só foram privatizadas estradas e aeroportos. Contudo, aqui também será necessário o aval do Congresso para a revogação das privatizações. Se ocorrer, já dá para imaginar o tamanho da bagunça. Imagine se as empresas de telefonia forem estatizadas. Haverá emprego de montão para os companheiros, mas o serviço que já é ruim no setor vai cair ao nível das repartições públicas.

Sobre a política de preços dos combustíveis, a ideia do PT é encerrar a paridade dos preços internos aos praticados globalmente. A lógica de Lula é simples, embora equivocada. Ele afirma que a empresa é pública e o Estado pode dispor dela como melhor entender. Muito bem, o certo então é comprar todas as ações que estão em mãos privadas e daí, sim, fazer o que lhe der na telha. Politicamente, a proposta do PT, apresentada ao Senado em forma de projeto de lei no ano passado, interessa muito. É combustível eleitoral. Bolsonaro queria fazer o mesmo, mas não teve força para tanto. Não se sabe se Lula terá, mas depois de eleito os discursos costumam mudar.

Outro ponto é o fim do teto de gastos. Verdade que a proposta aprovada no governo Temer surpreendeu muita gente, até mesmo os parlamentares que trabalhavam a seu favor no Congresso. Mas isso não a torna ruim. Ter um teto auxilia no cumprimento da lei de responsabilidade fiscal, que determina que não se gaste mais do que se arrecada. A questão é que o teto aprovado não apenas limita os gastos, ele também os congela por 20 anos. O problema é o argumento de Lula para defender o seu fim. “Governo responsável não precisa de teto de gastos”, disse ele. Exatamente aí é que mora o perigo.

Finalmente, a proposta de reforma tributária é a mesma que Lula apresentou na sua primeira campanha presidencial, em 1989. O projeto é simplificar a barafunda tributária, reduzir os impostos dos mais pobres e aumentar os dos mais ricos. O fato é que desde então o PT vem reproduzindo a ideia no papel, mas só no papel. Nenhum centímetro se avançou nos três mandatos e meio da era petista. O Congresso não topou.

O PT é o PT, não adianta querer mudar sua gênese. Normalmente, ele caminha um pouco mais pelo centro, sobretudo sob o comando de Lula. Mas sua retórica nunca mudou e não vai mudar agora.

Analista diplomado

Mais uma polêmica acaba de ser instalada por gente que circula em torno de Bolsonaro e aproveita essa proximidade para buscar e levar vantagens das estruturas governamentais. A Uninter, universidade paranaense especializada em cursos de graduação à distância, pediu e obteve junto ao Ministério da Educação registro de um curso superior para a formação de psicanalistas. Um absurdo, diz nota de protesto assinada por 48 instituições ligadas ao setor e que formam o Movimento de Entidades Psicanalíticas Brasileiras. A prática da psicanálise não se aprende em escola. Sua formação, segundo o Movimento, “decorre de análise pessoal, da leitura crítica da teoria e das reflexões clínicas e se dá sempre de modo singular”, não através de grade curricular e tempo determinado.

Analista diplomado 2

O ex-deputado federal Wilson Picler, filiado ao PSL desde 2018, quando fez doações vultosas e participou da campanha de Bolsonaro no Paraná, é o fundador da Uninter. Foi com esse patrimônio político que ele acabou sendo atendido pelo MEC no pedido esdrúxulo de estabelecer um curso para psicanalistas. Um curso à distância, é bom que se diga. Formar um psicanalista com aulas online é mais ou menos como graduar um piloto de avião pelo WhatsApp. Segundo Fernanda Zacharewicz, psicanalista e doutora em Psicologia Social pela PUC/SP, “não há diploma que o viabilize, é a posição ética que vai sustentar o ofício do psicanalista”. Para a psicanalista Darlene Tronquoy, graduada em psicologia e doutora em Letras, é impossível formar psicanalistas na universidade. “Este só pode advir de sua experiência no divã com o inconsciente, de sua análise pessoal e da formação permanente junto aos seus (ím)pares”, diz ela.

Analista diplomado 3

Trata-se de tragédia anunciada. Esses homens e mulheres que se formarem estudando as apostilas online da Uninter vão cuidar da cabeça de brasileiros. Vai dar bode, alguém tem dúvida?

A bolsa da barusca

Mulheres de funcionários graduados da Petrobras que conviviam com Pedro Barusco, aquele gerente que ficou conhecido por desviar US$ 100 milhões da empresa, sempre desconfiaram que havia alguma coisa errada com ele em razão de uma bolsa que sua mulher usava em reuniões da turma. Era uma Hermès Jypsiere, que custa no mercado para lá de R$ 30 mil. Mais do que o salário do marido, que era de pouco mais de R$ 23 mil.

Salto e soberba

Quando uma candidatura já nasce forte, como a de Lula, alguns problemas acabam surgindo e atrapalhando. O principal é o velho sentimento do “já ganhou”, que deixa a turma meio que de salto alto e induz potenciais apoiadores a uma certa malemolência. Por isso, aliás, a federação dos partidos de esquerda está ameaçada, empacada. O PSB já anunciou que vai pular fora. Não disse, nem precisava, mas quer ficar livre no primeiro turno e só apoiar Lula formalmente no segundo. Segundo turno, aliás, que pode nem acontecer, embora o salto alto e a soberba sejam patamares bem apropriados para deles se estabacar.

Brasil moderno

Dia 13 de fevereiro completam-se 100 anos da Semana de Arte Moderna. Mas, em 1942, um de seus membros, o poeta e romancista Mário de Andrade, já indagava: “Como é possível ser moderno num país com tanta desigualdade e falta de acesso a direitos básicos?”.

Diplomatas

Já está disponível nas livrarias o título “Os diplomatas e suas histórias”. Livro em que alguns dos maiores nomes da diplomacia contam episódios interessantes, curiosos e exemplares da carreira. Há textos, todos curtos e muito bem escritos, de Rubens Ricupero, José Botafogo Gonçalves, Celso Amorim, Marcos Azambuja, Roberto Abdenur e Leda Lúcia Camargo (a organizadora da obra), entre outros 20 embaixadores, que mostram, como explica Ricupero, que diplomatas “salvam vidas, aproximam povos, criam riqueza, atraem investimentos, difundem arte, música, poesia, e contribuem para o tornar o mundo mais humano e mais nobre”. Quanta diferença do que vemos hoje no Itamaraty.

Chinelo e pipoca

Apesar de estar cheio de planos para este ano, o general Santos Cruz parece bem à vontade com sua condição de aposentado. Tem recebido interlocutores em sua casa invariavelmente de bermuda e chinelo. Eventualmente, comendo pipoca.

Meninos armados

O Centro para o Controle e a Prevenção de Doenças dos Estados Unidos revela que a taxa de morte de crianças com 14 anos ou menos causada por armas de fogo cresceu 50% entre 2019 e 2020. O acesso a armas é razoavelmente fácil nos EUA e, durante a pandemia, muitas crianças morreram porque brincavam com armas que acharam dentro da casa de seus pais e avós.

Novak Piquet

Depois do vexame de Novak Piquet Djokovic na Austrália, onde foi barrado na entrada por não apresentar comprovante de vacinação contra a Covid, melhor seguir torcendo por Nadal e Federer. Afinal, como explicou Bolsonaro na sua live de quinta-feira, somos “tarados por vacina”. 

Um comentário:

Fernando Carvalho disse...

Ascânio Seleme pelo visto é um defensor das privatizações e contra as estatizações, claro. E quem pensa assim acha que empresa privada funciona bem e as estatais são cabides de emprego, etc. Então pergunto e a Vale do Rio Doce ou simplesmente Vale? Foi estatal e depois privatizada. Se fosse estatal tais desastres ambientais talvez não tivessem acontecido. Falar nisso o nióbio brasileiro, 98% de todo o nióbio do mundo está sendo explorado pela iniciativa privada (Banco Itaú). Esse banco já vendeu aos chineses nióbio no valor de quase 3 bilhões de dólares. Pode uma empresa privada vender riqueza do solo do país? Por isso esse banco teve condições de doar um bilhão de reais para o combate à pandemia. Nenhuma outra empresa chegou perto desse valor. O Brasil tem que criar a Niobiobrás. O Itaú manda 70% de nióbio puro para os EUA. Para que? Só pode ser para fazer estoque. Bolsonaro está de olho no nióbio amazônico. Já construiu uma estrada perto do local onde fica o maior estoque de nióbio do planeta. FHC, Zé Dirceu e Cia. Queriam botar a mão nesse negócio que, segundo Marcos Valério, colocava no chinelo o dinheiro envolvido no Mensalão. Já que falou em telefonia. Os Correios tentaram entrar no mercado de internet. Fiquei interessado, mas não vi nem propaganda na televisão. Na França a internet é estatal, no Brasil é esse festival de empresas privadas. Agora na hora do 5G quero ver como vai ficar. A Petrobrás já teve suas partes mais lucrativas privatizadas. Assim é bom ser empresa privada.