Correio Braziliense
A radicalização política de
indivíduos armados, que estão se mobilizando para a luta política por meios
truculentos, é um fato perturbador do processo eleitoral e uma ameaça ao Estado
democrático
O marco de afirmação dos Direitos Humanos
foi a Declaração de 1948, da Organização das Nações Unidas (ONU). Inspirada na
declaração francesa de 1789 e na declaração de Independência dos Estados
Unidos, de 1776, a Declaração Universal dos Direitos Humanos é fruto do trauma
provocado pela Segunda Guerra Mundial, principalmente pelo genocídio nazista.
“Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direito”,
proclama o primeiro artigo da Declaração, que enumera em 30 pontos os direitos
humanos, civis, econômicos, sociais e culturais inalienáveis e indivisíveis. O
texto foi aprovado em Assembleia da ONU presidida pelo brasileiro Osvaldo
Aranha.
A globalização desses direitos parte da ideia de que sua violação em qualquer lugar repercutiria nos demais. A Convenção da ONU de 1965 para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial e a Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio, de 1948, são exemplos desse entendimento. A origem dessa compreensão é a violência nazista. A “racionalidade” no campo de concentração em Auschwitz, na Polônia, levou à discussão do tema do mal sob dois aspectos: o mal ativo, infligido pela violência prepotente e sem limites do poder, e o mal passivo, sofrido por aqueles que padecem uma pena sem culpa, no qual se enquadram os preconceitos de gênero e o racismo.
O genocídio foi o maior delito até agora
perpetrado por homens contra outros homens. Entre o horror da guerra e o horror
do genocídio existe uma diferença de natureza: a guerra pode conduzir ao
extermínio, mas o seu fim é a vitória, não o extermínio. No genocídio
organizado e premeditado, o extermínio foi o fim em si mesmo. Nas suas
reflexões sobre o julgamento do criminoso nazista Adof Eichmann, em Jerusalém,
Hannah Arendt mostrou que o conceito de “inimigo objetivo” alimentou esse fim:
“o ódio racional, o ódio voltado não contra esta ou aquela pessoa, mas contra
um genus e, portanto, contra todos aqueles que pertencem àquele genus
independentemente do fato de nos terem trazido algum dano”.
Segundo Arendt, “não existe uma culpa
coletiva. A culpa coletiva, admitindo que seja lícito usar essa expressão, é
sempre uma soma, grande ou pequena, de responsabilidades individuais”. Já a
responsabilidade coletiva tem outra característica: é política e envolve uma
preocupação que não é com o próprio ser, mas com o mundo. Chegamos ao ponto que
nos interessa, no caso do petista assassinado na sua festa de aniversário por
um bolsonarista. Aconteceu em Foz do Iguaçu (PR), mas poderia ser em qualquer
outro lugar do país onde houvesse homens armados, mesmo que policiais,
supostamente treinados para empregar o uso proporcional da força no exercício
da segurança pública e em defesa dos direitos humanos.
Armas de fogo
O conceito de “inimigo objetivo” alimenta a
violência política. A narrativa dos grupos de extrema-direita bolsonaristas,
cujo ódio aos petistas é generalizado, não é contra uma pessoa, mas contra
todos os adversários. Mesmo quem é um liberal que discorde do governo é tratado
como inimigo nas redes sociais. A narrativa política do presidente Jair
Bolsonaro disseminou o conceito entre seus apoiadores. O caso de Foz do Iguaçu
é um evento gravíssimo, porque mostra a ultrapassagem de uma guerra virtual nas
redes sociais para um contexto de confrontos físicos.
Isso já estava sendo observado em
manifestações e comícios, porém era inimaginável numa festa de aniversário, que
reunia familiares e amigos. A radicalização política de indivíduos armados, que
estão se mobilizando para a luta política por meios truculentos, é um fato
perturbador do processo eleitoral e uma ameaça ao Estado de Direito
democrático. A Constituição de 1988 se fundamenta nos direitos humanos. O
estímulo generalizado ao porte de armas e à justiça pelas próprias mãos, quando
parte do Presidente da República, transforma a violência em política de Estado.
A expressão material dessa política está no aumento vertiginoso de armas em
poder da população.
Estudo do Fórum Brasileiro de Segurança
Pública registra 1.490.323 armas de fogo com cadastro no Sistema Nacional de
Armas (Sinarm), um crescimento de 21% dos índices de 2021 em relação a 2020,
que tinha 1.233.745 unidades. Desse total, 243.806 armas estão no Distrito
Federal, que lidera como a unidade federativa com o maior número de registros.
São Paulo registrou 50 mil armas de fogo a menos, com uma população 15 vezes
maior. Em 2017, o DF tinha 35.693 armas particulares. O crescimento do número
de registros de armas de fogo no DF foi de 583%. Nenhuma outra unidade
federativa cresceu mais. Estamos falando da capital do país, não dos grotões.
O engajamento de indivíduos armados nas
disputas políticas precisa ser desencorajado. Se essa iniciativa não parte do
governo federal, como deveria, a sociedade deve reagir. Aliás, já está
reagindo.
Um comentário:
Não sabia que os brasilienses gostavam tanto de arma de fogo assim,cruzes!
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