sábado, 17 de dezembro de 2022

Ascânio Seleme - Não culpem Mercadante

O Globo

Lula pode até governar em outra direção, e é razoável acreditar nessa hipótese, mas quando fala aponta um caminho que gera insegurança

Não culpem Aloizio Mercadante pelos solavancos do mercado. Muito menos Fernando Haddad. Este, aliás, só tem feito apaziguar ânimos e injetar otimismo e confiança nos mais reticentes quanto à responsabilidade que quer empregar na condução da economia. O problema é outro, maior, mais complexo e atende pelo nome de Luiz Inácio Lula da Silva. O presidente eleito pode até governar em outra direção, e é razoável acreditar nessa hipótese, mas quando fala aponta um caminho que gera insegurança. Talvez porque se empolgue demais com a plateia ou com os acontecimentos prévios.

O anúncio de Mercadante para o BNDES teve estes dois componentes. Primeiro, Lula estava irritado com a baderna terrorista da véspera em Brasília e abriu aquele discurso atacando Bolsonaro, parecia ainda em campanha. Depois, reagiu empolgado. Disse que ouviu críticas ao companheiro e boatos de que ele iria para o banco. E, então, num rompante, anunciou: “Não é mais boato, Mercadante será presidente do BNDES”. Não precisava desse tom, que pareceu um desafio. E ainda avisou que não haverá privatizações no seu governo (veja nota ao lado), uma permanente expectativa do mercado brasileiro. Claro que haveria solavancos.

Além do presidente do BNDES, Lula já nomeou alguns ministros e deixou pistas bem claras sobre outros nomes do primeiro e do segundo escalões. Para a Fazenda, indicou Fernando Haddad, um dos bons quadros da política nacional. Chamou para a Casa Civil Rui Costa, conhecido pelo seu trânsito político. Escolheu para a Justiça Flávio Dino, uma unanimidade no Congresso. Convocou para o Itamaraty Mauro Vieira, um embaixador mais do que testado. Na Defesa escalou José Múcio, um conciliador. E apontou para a Cultura Margareth Menezes, uma artista e não uma policial militar.

Entre os cotados para pastas e cargos estratégicos estão Pérsio Arida, Josué Gomes, Simone Tebet, Marcelo Freixo, Marina Silva, Nísia Trindade, Camilo Santana, Ricardo Henriques, Neri Geller, Randolfe Rodrigues, Jean Paul Prates, Alexandre Padilha, Luiz Marinho, Celso Amorim, Márcio França, Guilherme Boulos e Sônia Guajajara. O leitor pode até ter algumas restrições a um ou outro nome, mas não pode negar que este elenco é algumas dezenas de vezes melhor, mais comprometido com a causa pública, mais ilibado, mais competente e bem mais patriota do que o time que vai sair de campo no fim do ano.

Mesmo diante dessa avalanche de bons nomes, o mundo veio abaixo quando Lula anunciou Mercadante. Faz até sentido o temor do mercado com o ex-senador, considerado um desenvolvimentista, o que soa como palavrão no dicionário liberal. O mundo é outro, moderno, tecnológico, digital, não cabe mais basear o crescimento econômico na produção industrial. Mercadante foi de fato formulador econômico do PT nos anos 90, mas só entrou para o governo com Dilma, quando ocupou os ministérios da Ciência e Tecnologia, Educação e Casa Civil. Não foi, nem de longe, responsável pela política econômica desastrosa de Dilma, cuja elaboração coube a Guido Mantega.

O mercado até se tranquilizou em razão de entrevistas onde Haddad reiterou que vai perseguir o equilíbrio, o controle e a previsibilidade na economia. Para a GloboNews, disse que “responsabilidade fiscal é parte da responsabilidade social”. Significa que sem a primeira não se alcança a segunda. Não dava para ser mais claro. Mesmo com a absurda mudança da Lei das Estatais, que atende tanto ao Centrão quanto ao novo governo, o episódio Mercadante parecia superado. Aí veio o Lula. Outra vez.

O presidente eleito reiterou numa reunião com catadores de papel em São Paulo, quinta-feira, que, embora tenha sido eleito para governar todos os brasileiros, sua preferência será pelos mais pobres. Não poderia ser diferente. Trinta milhões de miseráveis devem ter mesmo prioridade em qualquer governo, petista ou não. O problema é que Lula fala mais rápido do que pensa. No encontro, empolgado, disse que não dá para cuidar de pobre “olhando a política fiscal”. Justamente o contrário do enunciado por Haddad na véspera. Está claro que não dá para culpar Mercadante.

Panos quentes

Passar pano em malfeitos ou erros governamentais é contribuir para a manutenção de crimes e equívocos. Em ambos os casos, quem perde é o cidadão, o contribuinte. Cabe à imprensa fiscalizar e denunciar governos de maneira a proteger e informar seu cliente, o mesmo cidadão contribuinte que paga também para receber conteúdo jornalístico de qualidade. Foi por essa razão que Lula no mensalão, Dilma nas pedaladas, Temer no encontro do Jaburu, e Bolsonaro pelo conjunto da obra hedionda, foram escrutinados de cima a baixo. Sem trégua, porque não cabe a jornalistas fazer acordos de paz com quem quer que seja, muito menos com governantes. Governos têm que ser vigiados com rigor, permanentemente, mesmo antes de tomar posse, quando ainda desenham o caminho que querem seguir.

A quem interessa o Estado

O mercado pensa em negócios quando observa e reage a medidas governamentais. Quanto menor o Estado, melhor. Pela sua ótica, interferências externas atrapalham e o Estado só interessa quando oferece subsídios, corta taxas, reduz impostos e abre seus cofres para a iniciativa privada com juros amigos. O Estado importa a quem tem muito pouco, quase nada ou nada. Para estes, R$ 600 por mês fazem toda diferença, e só o governo pode lhe dar este cheque.

Privatizações

Em que melhora o governo manter sob o seu controle empresas como os Correios, a Companhia de Trens Urbanos, a Empresa Brasileira de Comunicação, as Companhias Docas, o Serpro, a Ceagesp e a ELP, a tão famosa quanto inútil empresa do trem bala? Em nada. Não estamos falando de Petrobras, BB ou CEF. Há inúmeras empresas estatais que não geram recursos ao Tesouro e muitas que causam prejuízos. Há ainda aquelas cujo objetivo para sua criação nem existe mais. É claro que o governo precisa privatizar e liquidar estatais. Até os eleitores de Lula concordam com isso.

Fala quem entende

No meio da tempestade que se viu em razão da nomeação de Aloizio Mercadante para o BNDES, uma entrevista do ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega chamou a atenção. Ele disse à CNN que o governo Lula pensa e age como se estivesse ainda nos anos 1950, que precisa se modernizar. Para quem não se lembra, Maílson foi ministro de José Sarney no final dos anos 1980. Ao assumir a Fazenda, prometeu uma política econômica “feijão com arroz”, que obviamente não deu certo. Ele assumiu com uma inflação de 415% ao ano e saiu com o índice de 1.037%.

Riacho fundo

Tancredo Neves eleito recebeu todo o apoio do governo Figueiredo. O último general-presidente destacou o embaixador Paulo Tarso para acompanhar Tancredo numa viagem internacional, com os custos arcados pela União, e ofereceu ao sucessor a residência oficial do Riacho Fundo, antes ocupada por Golbery do Couto e Silva, para ele morar no período da transição. Ao se eleger para o seu primeiro mandato, Lula também recebeu de Fernando Henrique Cardoso apoio indispensável para a transição. Da mesma forma foi oferecida uma residência para ele durante a transição, a Granja do Torto. Hoje, em Brasília, o presidente eleito do Brasil fica hospedado em hotel.

Cartuxa e umidor

O relator do Orçamento, senador Marcelo Castro, deu uma entrevista à TV outro dia tendo ao fundo quatro caixas do vinho português Cartuxa. Um bom vinho. Lembrou outra entrevista, dada por Lula há alguns anos para um site ligado ao PT. Ao fundo do então ex-presidente, havia dois ou três umidores, um deles elétrico, com porta de vidro, por onde se podia avistar algumas caixas de bons charutos cubanos. Devido a um câncer na garganta, Lula parou de fumar. Castro segue bebendo.

Doação de campanha

Um indivíduo pode participar da política de muitas formas. Uma delas é financiar candidaturas que defendem projetos que ele também apoia. Um bom exemplo é o de Pedro Bueno, CEO da Amil, filho do falecido Edson Bueno. Pedro doou em 2022, R$ 2,9 milhões para 25 candidatos escolhidos por um grupo que tinha de atender quatro premissas: 1) buscar um candidato com agenda ambiental; 2) escolher quem tivesse no máximo um mandato; 3) priorizar mulheres, indígenas e negros; 4) exigir que tivessem ficha limpa.

Prato único

Pezão governador recebeu para um almoço o então presidente do Tribunal de Justiça, desembargador Luiz Ribeiro de Carvalho. O serviço era picadinho carioca. O desembargador terminou o seu prato e falou ao governador: “Está tão bom que acho que vou repetir”. Pezão, meio constrangido, meio debochado, respondeu: “Sinto muito, desembargador, aqui é só um prato”. Depois explicou ao juiz atônito que as contas estavam apertadas e os ingredientes eram comprados e preparados pela sua mulher, Maria Lúcia, e sempre na conta exata dos comensais.

3 comentários:

Anônimo disse...

O ego dele não o deixa ficar calado, como alguém já disse Lula calado é um poeta. Todo narcissista é empolgado, aí, aí, o que me mata é a minha timidez. Na idade avançada se torna o dono da verdade. Tenho uma preguiça…

ADEMAR AMANCIO disse...

Lula não pode mais falar.
Sei.

Anônimo disse...

Culpem jornalistas como você que apostaram na radicalização e em voto útil !