O Globo
Lula pode até governar em outra direção, e
é razoável acreditar nessa hipótese, mas quando fala aponta um caminho que gera
insegurança
Não culpem Aloizio Mercadante pelos
solavancos do mercado. Muito menos Fernando Haddad. Este, aliás, só tem feito
apaziguar ânimos e injetar otimismo e confiança nos mais reticentes quanto à
responsabilidade que quer empregar na condução da economia. O problema é outro,
maior, mais complexo e atende pelo nome de Luiz Inácio Lula da Silva. O
presidente eleito pode até governar em outra direção, e é razoável acreditar
nessa hipótese, mas quando fala aponta um caminho que gera insegurança. Talvez
porque se empolgue demais com a plateia ou com os acontecimentos prévios.
O anúncio de Mercadante para o BNDES teve estes dois componentes. Primeiro, Lula estava irritado com a baderna terrorista da véspera em Brasília e abriu aquele discurso atacando Bolsonaro, parecia ainda em campanha. Depois, reagiu empolgado. Disse que ouviu críticas ao companheiro e boatos de que ele iria para o banco. E, então, num rompante, anunciou: “Não é mais boato, Mercadante será presidente do BNDES”. Não precisava desse tom, que pareceu um desafio. E ainda avisou que não haverá privatizações no seu governo (veja nota ao lado), uma permanente expectativa do mercado brasileiro. Claro que haveria solavancos.
Além do presidente do BNDES, Lula já nomeou
alguns ministros e deixou pistas bem claras sobre outros nomes do primeiro e do
segundo escalões. Para a Fazenda, indicou Fernando Haddad, um dos bons quadros
da política nacional. Chamou para a Casa Civil Rui Costa, conhecido pelo seu
trânsito político. Escolheu para a Justiça Flávio Dino, uma unanimidade no
Congresso. Convocou para o Itamaraty Mauro Vieira, um embaixador mais do que
testado. Na Defesa escalou José Múcio, um conciliador. E apontou para a Cultura
Margareth Menezes, uma artista e não uma policial militar.
Entre os cotados para pastas e cargos
estratégicos estão Pérsio Arida, Josué Gomes, Simone Tebet, Marcelo Freixo,
Marina Silva, Nísia Trindade, Camilo Santana, Ricardo Henriques, Neri Geller,
Randolfe Rodrigues, Jean Paul Prates, Alexandre Padilha, Luiz Marinho, Celso
Amorim, Márcio França, Guilherme Boulos e Sônia Guajajara. O leitor pode até
ter algumas restrições a um ou outro nome, mas não pode negar que este elenco é
algumas dezenas de vezes melhor, mais comprometido com a causa pública, mais
ilibado, mais competente e bem mais patriota do que o time que vai sair de
campo no fim do ano.
Mesmo diante dessa avalanche de bons nomes,
o mundo veio abaixo quando Lula anunciou Mercadante. Faz até sentido o temor do
mercado com o ex-senador, considerado um desenvolvimentista, o que soa como
palavrão no dicionário liberal. O mundo é outro, moderno, tecnológico, digital,
não cabe mais basear o crescimento econômico na produção industrial. Mercadante
foi de fato formulador econômico do PT nos anos 90, mas só entrou para o
governo com Dilma, quando ocupou os ministérios da Ciência e Tecnologia, Educação
e Casa Civil. Não foi, nem de longe, responsável pela política econômica
desastrosa de Dilma, cuja elaboração coube a Guido Mantega.
O mercado até se tranquilizou em razão de
entrevistas onde Haddad reiterou que vai perseguir o equilíbrio, o controle e a
previsibilidade na economia. Para a GloboNews, disse que “responsabilidade
fiscal é parte da responsabilidade social”. Significa que sem a primeira não se
alcança a segunda. Não dava para ser mais claro. Mesmo com a absurda mudança da
Lei das Estatais, que atende tanto ao Centrão quanto ao novo governo, o
episódio Mercadante parecia superado. Aí veio o Lula. Outra vez.
O presidente eleito reiterou numa reunião
com catadores de papel em São Paulo, quinta-feira, que, embora tenha sido
eleito para governar todos os brasileiros, sua preferência será pelos mais
pobres. Não poderia ser diferente. Trinta milhões de miseráveis devem ter mesmo
prioridade em qualquer governo, petista ou não. O problema é que Lula fala mais
rápido do que pensa. No encontro, empolgado, disse que não dá para cuidar de
pobre “olhando a política fiscal”. Justamente o contrário do enunciado por
Haddad na véspera. Está claro que não dá para culpar Mercadante.
Panos quentes
Passar pano em malfeitos ou erros
governamentais é contribuir para a manutenção de crimes e equívocos. Em ambos
os casos, quem perde é o cidadão, o contribuinte. Cabe à imprensa fiscalizar e
denunciar governos de maneira a proteger e informar seu cliente, o mesmo
cidadão contribuinte que paga também para receber conteúdo jornalístico de
qualidade. Foi por essa razão que Lula no mensalão, Dilma nas pedaladas, Temer
no encontro do Jaburu, e Bolsonaro pelo conjunto da obra hedionda, foram
escrutinados de cima a baixo. Sem trégua, porque não cabe a jornalistas fazer
acordos de paz com quem quer que seja, muito menos com governantes. Governos
têm que ser vigiados com rigor, permanentemente, mesmo antes de tomar posse,
quando ainda desenham o caminho que querem seguir.
A quem interessa o Estado
O mercado pensa em negócios quando observa
e reage a medidas governamentais. Quanto menor o Estado, melhor. Pela sua
ótica, interferências externas atrapalham e o Estado só interessa quando
oferece subsídios, corta taxas, reduz impostos e abre seus cofres para a
iniciativa privada com juros amigos. O Estado importa a quem tem muito pouco,
quase nada ou nada. Para estes, R$ 600 por mês fazem toda diferença, e só o
governo pode lhe dar este cheque.
Privatizações
Em que melhora o governo manter sob o seu
controle empresas como os Correios, a Companhia de Trens Urbanos, a Empresa
Brasileira de Comunicação, as Companhias Docas, o Serpro, a Ceagesp e a ELP, a
tão famosa quanto inútil empresa do trem bala? Em nada. Não estamos falando de
Petrobras, BB ou CEF. Há inúmeras empresas estatais que não geram recursos ao
Tesouro e muitas que causam prejuízos. Há ainda aquelas cujo objetivo para sua
criação nem existe mais. É claro que o governo precisa privatizar e liquidar
estatais. Até os eleitores de Lula concordam com isso.
Fala quem entende
No meio da tempestade que se viu em razão
da nomeação de Aloizio Mercadante para o BNDES, uma entrevista do ex-ministro
da Fazenda Maílson da Nóbrega chamou a atenção. Ele disse à CNN que o governo
Lula pensa e age como se estivesse ainda nos anos 1950, que precisa se modernizar.
Para quem não se lembra, Maílson foi ministro de José Sarney no final dos anos
1980. Ao assumir a Fazenda, prometeu uma política econômica “feijão com arroz”,
que obviamente não deu certo. Ele assumiu com uma inflação de 415% ao ano e
saiu com o índice de 1.037%.
Riacho fundo
Tancredo Neves eleito recebeu todo o apoio
do governo Figueiredo. O último general-presidente destacou o embaixador Paulo
Tarso para acompanhar Tancredo numa viagem internacional, com os custos arcados
pela União, e ofereceu ao sucessor a residência oficial do Riacho Fundo, antes
ocupada por Golbery do Couto e Silva, para ele morar no período da transição.
Ao se eleger para o seu primeiro mandato, Lula também recebeu de Fernando
Henrique Cardoso apoio indispensável para a transição. Da mesma forma foi
oferecida uma residência para ele durante a transição, a Granja do Torto. Hoje,
em Brasília, o presidente eleito do Brasil fica hospedado em hotel.
Cartuxa e umidor
O relator do Orçamento, senador Marcelo
Castro, deu uma entrevista à TV outro dia tendo ao fundo quatro caixas do vinho
português Cartuxa. Um bom vinho. Lembrou outra entrevista, dada por Lula há
alguns anos para um site ligado ao PT. Ao fundo do então ex-presidente, havia
dois ou três umidores, um deles elétrico, com porta de vidro, por onde se podia
avistar algumas caixas de bons charutos cubanos. Devido a um câncer na
garganta, Lula parou de fumar. Castro segue bebendo.
Doação de campanha
Um indivíduo pode participar da política de
muitas formas. Uma delas é financiar candidaturas que defendem projetos que ele
também apoia. Um bom exemplo é o de Pedro Bueno, CEO da Amil, filho do falecido
Edson Bueno. Pedro doou em 2022, R$ 2,9 milhões para 25 candidatos escolhidos
por um grupo que tinha de atender quatro premissas: 1) buscar um candidato com
agenda ambiental; 2) escolher quem tivesse no máximo um mandato; 3) priorizar
mulheres, indígenas e negros; 4) exigir que tivessem ficha limpa.
Prato único
Pezão governador recebeu para um almoço o então presidente do Tribunal de Justiça, desembargador Luiz Ribeiro de Carvalho. O serviço era picadinho carioca. O desembargador terminou o seu prato e falou ao governador: “Está tão bom que acho que vou repetir”. Pezão, meio constrangido, meio debochado, respondeu: “Sinto muito, desembargador, aqui é só um prato”. Depois explicou ao juiz atônito que as contas estavam apertadas e os ingredientes eram comprados e preparados pela sua mulher, Maria Lúcia, e sempre na conta exata dos comensais.
3 comentários:
O ego dele não o deixa ficar calado, como alguém já disse Lula calado é um poeta. Todo narcissista é empolgado, aí, aí, o que me mata é a minha timidez. Na idade avançada se torna o dono da verdade. Tenho uma preguiça…
Lula não pode mais falar.
Sei.
Culpem jornalistas como você que apostaram na radicalização e em voto útil !
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