terça-feira, 10 de janeiro de 2023

Fernando Luiz Abrucio* - A batalha pela democracia não acabou

O Globo

Há uma liderança clara aqui: é o bolsonarismo que alimentou nos últimos anos a visão golpista da política

A invasão dos prédios dos Três Poderes por terroristas bolsonaristas foi o maior ataque à democracia brasileira desde sua restauração, em 1985. O país vive o momento democrático mais longo de sua história, mas tendências políticas e sociais autoritárias ainda são relevantes, representadas principalmente pelo bolsonarismo e por grupos extremistas que orbitam em torno dele. Embora a tentativa de golpe de Estado tenha fracassado, e as instituições tenham reagido fortemente contra os vândalos fascistas, o perigo continua rondando o Brasil.

A batalha pela democracia não acabou com o Capitólio à brasileira. Três frentes deverão ser enfrentadas para garantir o regime democrático nos próximos anos. A primeira envolve fortalecer as instituições contra ameaças autoritárias. Isso passa, de início, pela recuperação dos órgãos que, de algum modo, colaboraram com o bolsonarismo. O Ministério Público Federal (MPF), sobretudo a cúpula, as polícias Federal e Rodoviária e, com grande destaque, as Forças Armadas e as PMs têm de ser direcionadas a um comportamento republicano e democrático.

O MPF terá de atuar mais firmemente nos diversos processos que surgirão contra os terroristas e seus financiadores, incluindo atuações que atingirão a família Bolsonaro. A PF e a PRF terão de se guiar pela defesa da ordem democrática e serão essenciais na investigação e controle de grupos de extremistas que agem subterraneamente na sociedade. Mas o maior desafio será desbolsonarizar as Forças Armadas. Nos últimos anos, vários de seus integrantes, da reserva e da ativa, compraram o modelo golpista bolsonarista.

A culpa da verdadeira barbárie que tomou conta de Brasília não foi somente da PM do Distrito Federal. As Forças Armadas foram cúmplices neste processo. O problema é que o episódio causou uma enorme reação na sociedade brasileira e, sobretudo, das principais nações do mundo. Desse modo, ao flertar com o golpismo, as Forças Armadas podem perder a legitimidade interna e externa, neste caso principalmente dos Estados Unidos. Seria a maior desmoralização de sua história, o que dificultaria o exercício de seu papel essencial para a manutenção da ordem nacional. Caxias deve estar se remexendo no túmulo de revolta e vergonha com a instituição que criou.

A frente institucional também passa pela ação firme do Legislativo, do Judiciário e da Federação contra os golpistas e terroristas que seguem o bolsonarismo. É preciso dizer em alto e bom som: a vitória desses extremistas seria a destruição da legitimidade de toda a classe política e dos membros do sistema de Justiça. O STF e o TSE foram os guardiões da democracia nos últimos meses, e agora precisarão muito da atuação conjunta com a Câmara, o Senado, os governadores e o presidente da República. Aliás, o Executivo federal tem de se abrir mais para grupos políticos e sociais mais diversos do que o petismo se quiser evitar o caos autoritário.

Uma segunda frente da batalha pela democracia é a investigação e a punição de todos os responsáveis pela construção do mais amplo movimento de complô contra o regime democrático brasileiro. Há uma liderança clara aqui: é o bolsonarismo que alimentou nos últimos anos a visão golpista da política, cujo resultado último foi a mobilização de terroristas financiados por agentes econômicos. O 8 de janeiro foi o dia da infâmia contra os valores mais profundos da civilização brasileira e, por isso, é fundamental punir sua principal liderança: o ex-presidente Bolsonaro.

Por fim, há uma luta de mais longo prazo para garantir a solidez da democracia brasileira. É a batalha social pelos corações e mentes dos brasileiros em torno de ideais e práticas democráticas. Muitos parentes e amigos dos terroristas estão desesperados neste momento e precisam de ajuda. Muitos dos que votaram em Bolsonaro estão sem chão no momento e precisam de apoio. As escolas, igrejas, empresas e as padarias da esquina precisam conversar sobre democracia. O extremismo é mais profundo do que as mobilizações dos terroristas em Brasília. É fundamental ouvir especialistas como Michele Prado e Guilherme Casarões, que estão acompanhando as redes de ódio montadas nos últimos anos. Para se livrar do autoritarismo e da desgraça econômica, social e internacional que adviria de sua vitória, o país terá de semear flores democráticas que tragam esperança a todo o povo brasileiro.

*Fernando Luiz Abrucio, doutor em ciência política pela USP, é professor e pesquisador da FGV-SP

 

5 comentários:

Anônimo disse...

Excelente artigo. Outro inimigo da Democracia é a crise econômica e social, pobreza, desigualdade e desemprego. Novo governo ainda fraco politicamente, compartimentado e sem autoridade sobre Forças Armadas.

Anônimo disse...

Quando os partidos de oposição ao regime militar começaram chegar ao poder e depois da promulgação da nova Constituição a agenda da redemocratização foi gradualmente relegada a segundo plano.

Afinal, o que sempre interessa mais é usufruir do poder e se reeleger. Os processos de reforma político-institucional são complexos, difíceis, via de regra lentos e contrariam interesses e, em nosso país, a questão da democracia e da República nunca foram prioridade prá ninguém e pra nenhuma força política, seja da esquerda, do centro ou da direita.
Depois de 20 anos de governos "social democratas", salvo a criação do Ministério da Defesa, praticamente nada foi mexido nas instituições policial-militares. Ao contrário, temo que tenham até piorado, do ponto de vista do controle da sociedade.

Entre os militares, dos "valores" da segurança nacional, transitamos para a visão de "inimigos internos" e da guerra civil permanente.

Anônimo disse...

Isso, inimigos internos. Nossos milicos só servem pra isso, pra ameaçar seu próprio povo. ESTAMOS SOB AMEACAS DELES AGORA, NESTE MOMENTO. Não temos inimigos externos e, se os temos, não temos condições de enfrentá-los. Quando pergunto pra q servem nossas FA, muitas vezes recebo como resposta "proteger o pré-sal". Ora, enfrentar potências como EUA, China, Rússia e outras com quantos submarinos nucleares? Sem chance. E as FA nossas sabem disso. Conclusão: nossas FA só servem pra nos apurrinhar. Precisamos é de softpower, nossa força moral.

ADEMAR AMANCIO disse...

''Flores democráticas'',gostei.

Glaico Braga disse...

Seu rabo que foi os bolsonarista. Cria vergonha nesta cara idiota