sábado, 7 de janeiro de 2023

Miguel Reale Jr. - Reconstrução com integridade

O Estado de S. Paulo.

Lula bem enfrentou os fatores sociais e do meio ambiente. Porém, deixou de se atentar à governança, valor essencial para a credibilidade da gestão

No início do governo de Franco Montoro no Estado de São Paulo, foi solicitado a todos os órgãos da administração pública relato acerca do estado da arte, visando à obtenção de radiografia acerca da situação deixada por Paulo Maluf, necessária à execução do plano do então novo governo. Coube-me, como assessor do governador, realizar a síntese dos relatos. Era um descalabro, a começar pela área de segurança pública, da qual se jactava o malufismo, pois não havia fardamento, carros, armas, cassetetes, cavalos, motocicletas. Porém Montoro, em sua fidalguia, não quis publicar, tomando o texto apenas como ponto de partida para organizar a reconstrução do Estado.

Não foi a melhor orientação, pois se deixou de mostrar a farsa que era o governo Maluf com déficit público da ordem de 20% e desperdício. Agora andaram bem o gabinete de transição e Lula da Silva, este nos discursos de posse, em divulgar o resultado trágico dos anos Jair Bolsonaro.

No relatório do gabinete de transição, referido por Lula, revela-se a situação calamitosa do quadro da fome e da miséria instalada a partir de 2018. Segundo o 2.º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar, realizado pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (Rede Penssan), o Brasil apresentava nível desesperador em 2022: 33,1 milhões de pessoas não tinham o que comer. Assustadoramente, a insegurança alimentar, em algum grau, é sentida por 58% da população, ou seja, em números absolutos, por 125,2 milhões de brasileiros, correspondendo a 60% a mais do que em 2018. Esse resultado é em grande parte consequência do desmonte das políticas públicas.

Basta ver o ocorrido em duas áreas fundamentais, educação e saúde. Na primeira, houve sucessivos e sistemáticos cortes de recursos: no Orçamento de 2023 a dotação é inferior em R$ 18,5 bilhões à média do valor comprometido no período 2015-2021, e inferior em R$ 9,2 bilhões ao de 2021, que já havia sido o pior ano de toda a série histórica.

Por essa razão, a construção de escolas de educação infantil despencou de R$ 111 milhões para R$ 2,5 milhões; o Programa Caminho da Escola, para aquisição de transporte escolar para a educação básica, reduziu-se de R$ 15,2 milhões para R$ 425 mil; congelou-se a parte da União na merenda escolar durante quatro anos em R$ 0,36 centavos por aluno; os livros didáticos para 2023 não começaram a ser editados.

E mais: não se cumpriram as metas de erradicação do analfabetismo; de superação das desigualdades educacionais e de redução de todas as modalidades de discriminação. O clima nas escolas foi, modo geral, de exasperação de conflitos, sendo agora preciso reinstalar a paz. Por essa razão, cabe ir além da transmissão de conhecimento e visar à formação, para desenvolver nas crianças habilidades socioemocionais como empatia, diálogo, respeito ao diferente.

No campo da saúde, houve grandes cortes no Orçamento, gerando redução da taxa de coberturas vacinais, com alto risco de reintrodução de doenças como a poliomielite; queda acentuada de consultas, cirurgias, procedimentos diagnósticos e terapêuticos realizados pelo SUS, na atenção básica e hospitalar, atrasando o início do tratamento de doenças crônicas, como cânceres e doenças cardiovasculares; estagnação na trajetória de queda da mortalidade infantil e aumento de mortes maternas; redução da provisão de médicos na atenção primária de R$ 2,69 bilhões para R$ 1,46 bilhão.

Para o Orçamento de 2023, os cortes são da casa de R$ 10,47 bilhões, o que inviabiliza programas e ações estratégicas do SUS, tais como: Farmácia Popular, Saúde Indígena e o programa de combate ao Hiv/aids.

Na área da assistência social, veio à tona o descaso para com os pobres e o meio ambiente com a revogação do Decreto n.º 7.405, de 2010, pelo qual se criara o Programa Pró-catador, visando à inclusão social dos catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis. O decreto tinha dois valiosos objetivos: a melhoria das condições de trabalho dos catadores e a expansão da coleta seletiva de resíduos sólidos. Felizmente, apenas empossado, Lula determinou a reedição do programa.

Como reconhece o relatório do gabinete de transição, há doravante quatro anos de intenso trabalho para recompor o Estado e as políticas públicas. São objetivos, todavia, a serem alcançados com obrigatória participação de frente democrática e multipartidária e da sociedade civil. Muito especialmente é imperioso haver absoluta integridade administrativa e transparência. É vital precaver-se para impedir possível conduta desviante de agentes políticos ao exercer o poder em benefício próprio, levando à improbidade e ao descalabro financeiro.

Lula bem enfrentou os fatores sociais e do meio ambiente. Porém, deixou de se atentar à governança, valor essencial para a credibilidade da administração e condição para correta reconstrução do Estado sem os vícios do passado. Espera-se que o faça.

 

*Advogado, professor titular sênior da Faculdade de Direito da USP, membro da Academia Paulista de Letras, foi ministro da Justiça

3 comentários:

Anônimo disse...

Esse cara é o mesmo do impecheamant da Dilma?

ADEMAR AMANCIO disse...

Parece que sim.

Anônimo disse...

Cavando um espacinho pra se mostrar, antes que a Janaína o roube e ocupe, como da outra vez, parece...