terça-feira, 10 de janeiro de 2023

Pedro Cafardo - Com terrorismo, fica difícil olhar a economia

Valor Econômico

O que aconteceu domingo em Brasília é uma vergonha nacional, sequência do tenebroso 2022, um dos anos mais tristes de nossas vidas

É difícil escrever sobre economia diante da repercussão do maior e mais absurdo ato de vandalismo antidemocrático da história do país. O que aconteceu domingo em Brasília é uma vergonha nacional, sequência do tenebroso 2022, um dos anos mais tristes de nossas vidas. O total de mortos pela covid chegou a quase 700 mil desde o início da pandemia; o Brasil voltou a ter 33 milhões de pessoas passando fome; perdeu ícones nacionais como Jô Soares, Elza Soares, Gal Costa, Erasmo Carlos, Éder Jofre e Nélida Piñon. No apagar das luzes do ano, quando parecia não haver mais espaço para tristezas, morreu Pelé.

O ano foi tenebroso também por circunstâncias políticas. O Brasil virou pária ambiental global. Os brasileiros tiveram que defender a democracia em luta feroz que uniu a sociedade em torno do presidente Lula e contra a ameaça totalitária. 2023 começou mais civilizado. Aí voltaram os terroristas camuflados de verde e amarelo.

Cobra-se de Haddad em dez dias o que Guedes não fez em quatro anos

Mas vamos para a economia. Empossado pela terceira vez, Lula tem enorme responsabilidade perante os brasileiros que cativou. Não pode adotar política econômica radicalmente heterodoxa. Ele foi bem ao escalar um ministério com diferentes matizes. Fernando Haddad, na Fazenda, é sociólogo e economista keynesiano. Mas no Planejamento está Simone Tebet e no Desenvolvimento e Indústria e Comércio, Geraldo Alckmin, dois políticos liberais na economia.

Haddad está longe de ser um gastador irresponsável e demonstrou isso como prefeito de São Paulo. Já vimos nos últimos dias que não vai embarcar em experimentos desenvolvimentistas semelhantes aos malsucedidos no governo Dilma. Simone e Alckmin são liberais, mas também não rezam pela bíblia radical do fracassado neoliberalismo.

Entre parêntesis, vale sempre lembrar que os neoliberais dominaram as políticas macroeconômicas no mundo a partir dos anos 1980, baseadas na crença de que a prosperidade resultaria da liberdade individual para empreender, investir e trabalhar sem as amarras do Estado. Durante 40 anos, a agenda global priorizou privatizações, desregulamentações financeiras e de mercado de trabalho, redução de alíquotas de importação e corte de despesas ou impostos. Não funcionou: taxas de crescimento e emprego diminuíram, salários e distribuição de renda pioraram, não houve a prosperidade esperada e, ao mesmo tempo, a desregulamentação solapou a estabilidade financeira mundial, culminando com a grande crise de 2008.

Voltando ao Brasil de 2023, tanto Haddad, de um lado, quanto Tebet e Alckmin, de outro, não bebem nas fontes desses radicalismos fracassados à esquerda ou à direita. Por isso, são apressados vaticínios pessimistas após declarações isoladas de ministros ou do próprio Lula sobre estatais, gastos sociais e políticas fiscais.

Vinte anos atrás, ao subir a rampa do Planalto pela primeira vez, Lula e sua então esposa Marisa (1950-2017) usavam sapatos nacionais, de Franca. Pelo que se sabe, saíram da festa sem bolhas nos pés. No período entre a eleição e a posse, ambos viajaram no jato nacional Legacy, da Embraer, para Argentina, Chile, México e EUA. Voaram confortavelmente.

Esses gestos de Lula marcavam a grande preocupação brasileira na época: a desindustrialização. Com atitude nacionalista, ele indicava que iria tentar estancar esse processo. A produção da indústria representava, então, 17% do PIB, em comparação com até 30% nos anos 1980. De lá para cá, a tendência se manteve e a indústria responde hoje por 10% a 11% do PIB.

Lula não entregou a reindustrialização pretendida - não é o caso, portanto, de repetir políticas desenvolvimentistas que não deram certo no passado. Também não entregou a reforma tributária prometida.

Por outro lado, é inegável, ele adotou políticas que deram certo e podem ser repetidas. Contra fatos não há argumentos. Lula saiu do governo com 87% de aprovação e pagou muitas promessas eleitorais que melhoraram o país. Acelerou o crescimento e a média anual da expansão do PIB foi de 3,50% no seu primeiro mandato e 4,60% no segundo, as maiores desde a redemocratização; criou 22 milhões de empregos em oito anos; a média anual da inflação em seu segundo mandato (5,1%) foi a mais baixa também desde a redemocratização; elevou o superávit da balança de US$ 2,3 bilhões (média anual) no FHC II para US$ 36 bilhões em seu primeiro mandato e US$ 25 bilhões em seu segundo; pagou a dívida com o FMI e entregou o governo com reservas de US$ 288,5 bilhões.

Na área social, melhorou a distribuição de renda: o índice de Gini caiu de 0,574 (fim do governo FHC) para 0,526; reduziu a mortalidade infantil de 29 para 14 por mil nascidos vivos; tirou o Brasil do Mapa da Fome, da ONU. Na área fiscal, demonstrou responsabilidade e baixou a dívida líquida do setor público de 52,2% do PIB para 40,2%.

Sim, esses resultados foram turbinados pelo “boom” de commodities, mas também, prejudicados pela grande crise global de 2008. Não é razoável desdenhá-los com o frágil argumento de que as condições econômicas são diferentes.

Antipetistas lembrarão da corrupção no governo Lula, principalmente na Petrobras. A corrupção é inegável, mas até agora não se provou envolvimento pessoal dele nas falcatruas. E não há como contestar decisões do STF e, principalmente, o voto de 60 milhões de brasileiros, na prática uma absolvição plebiscitária. Assim como não puderam ser contestados os 57,8 milhões de votos a Bolsonaro em 2018, uma espécie de anistia a seu vergonhoso passado pró-ditadura e pró-tortura.

Em 2002, antes de ser eleito pela primeira vez, Lula escreveu a famosa Carta ao Povo Brasileiro, que acalmou a sociedade e o mercado, temerosos de que transformaria o Brasil em uma Cuba ou Argentina. Desta vez, Lula formou uma frente multi-ideológica que atraiu pessoas de esquerda, centro e direita. Ao governar, terá de mostrar sobriedade, tolerância e modéstia, qualidades nem sempre explícitas nos tumultuados primeiros dias de governo - ainda se ouve um certo coaxo do antigo “sapo barbudo”. Mas os fiscalistas também precisam olhar para o currículo de Lula e para o que ele realizou em oito anos. Não para os seis anos de Dilma Rousseff. Lula não é Dilma, assim como Haddad não é Guido Mantega nem Paulo Guedes. É surreal cobrar de Haddad, em dez dias, o que Guedes não fez em quatro anos.

2 comentários:

Anônimo disse...

Excelente coluna! Gostei muito da sua análise e concordo plenamente com ela. Especialmente a última frase! Lula e Haddad nem completaram suas equipes e vários analistas já preveem que não vai dar certo... E deu com o Jegues?

ADEMAR AMANCIO disse...

Pedro Cafardo sabe das coisas.