quarta-feira, 15 de fevereiro de 2023

Bernardo Mello Franco - Blindagem antigolpe

O Globo

Defender a democracia de ameaça extremista não pode ser visto como causa de esquerda

Um golpista nunca admite que deseja o golpe. Sempre tenta camuflar seu plano com um verniz de legalidade. Os extremistas do 8 de Janeiro não confessavam desprezar a democracia. Fingiam defendê-la, pregando uma “intervenção militar constitucional”.

Quando Jair Bolsonaro perdeu a eleição, sua tropa de choque resgatou a tese de que o artigo 142 da Constituição autorizaria as Forças Armadas a arbitrarem conflitos entre os Poderes. De tanto repetir a mentira, o capitão pareceu acreditar nela. Seus aliados, também. Políticos, militares e advogados de extrema direita passaram a martelar a farsa.

 “É necessário que o presidente Bolsonaro, com o apoio do povo brasileiro, invoque o artigo 142”, bradou o deputado Filipe Barros. “O senhor tem o poder de convocar as Forças Armadas para botar ordem na bagunça”, endossou o pastor Silas Malafaia. O discurso podia variar, mas o objetivo era sempre o mesmo: melar a eleição e recorrer aos militares para barrar a posse do presidente eleito.

Em 2020, o ministro Luís Roberto Barroso definiu a tese como “terraplanismo constitucional”. “Em nenhuma hipótese, a Constituição submete o poder civil ao poder militar”, escreveu. Em outra decisão, o ministro Luiz Fux esclareceu que as Forças Armadas não podem ser usadas para promover “indevidas intromissões” nos Poderes da República.

Nenhum jurista sério concorda com a leitura bolsonarista. Ainda assim, a intentona de janeiro mostrou a necessidade de livrar a Constituição de qualquer pretexto para tentativas de golpe.

Na segunda-feira, o PSOL pediu que o Supremo Tribunal Federal declare que a interpretação deturpada do artigo 142 configura crime contra o Estado de Direito. Em outra frente, deputados do PT começaram a recolher assinaturas para enxugar o texto. Querem deixar claro que a missão dos militares se limita a “assegurar a independência e a soberania do país e a integridade do seu território”.

É um erro ver a reforma do artigo 142 como uma causa de esquerda. A bandeira deveria ser empunhada pelo centro e pela direita civilizada, que também sofreriam as consequências de um golpe.

Ontem o ministro Gilmar Mendes contou à GloboNews que o general Eduardo Villas Bôas o procurou para perguntar se era “correta” a interpretação bolsonarista do artigo 142. Na época, ele comandava o Exército e era apresentado como um militar legalista.

 

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