O Globo
Defender a democracia de ameaça extremista
não pode ser visto como causa de esquerda
Um golpista nunca admite que deseja o
golpe. Sempre tenta camuflar seu plano com um verniz de legalidade. Os
extremistas do 8 de
Janeiro não confessavam desprezar a democracia. Fingiam
defendê-la, pregando uma “intervenção militar constitucional”.
Quando Jair Bolsonaro perdeu a eleição, sua tropa de choque resgatou a tese de que o artigo 142 da Constituição autorizaria as Forças Armadas a arbitrarem conflitos entre os Poderes. De tanto repetir a mentira, o capitão pareceu acreditar nela. Seus aliados, também. Políticos, militares e advogados de extrema direita passaram a martelar a farsa.
“É
necessário que o presidente Bolsonaro, com o apoio do povo brasileiro, invoque
o artigo 142”, bradou o deputado Filipe Barros. “O senhor tem o poder de
convocar as Forças Armadas para botar ordem na bagunça”, endossou o pastor
Silas Malafaia. O discurso podia variar, mas o objetivo era sempre o mesmo:
melar a eleição e recorrer aos militares para barrar a posse do presidente
eleito.
Em 2020, o ministro Luís Roberto Barroso
definiu a tese como “terraplanismo constitucional”. “Em nenhuma hipótese, a
Constituição submete o poder civil ao poder militar”, escreveu. Em outra
decisão, o ministro Luiz Fux esclareceu que as Forças Armadas não podem ser
usadas para promover “indevidas intromissões” nos Poderes da República.
Nenhum jurista sério concorda com a leitura
bolsonarista. Ainda assim, a intentona de janeiro mostrou a necessidade de
livrar a Constituição de qualquer pretexto para tentativas de golpe.
Na segunda-feira, o PSOL pediu que o
Supremo Tribunal Federal declare que a interpretação deturpada do artigo 142
configura crime contra o Estado de Direito. Em outra frente, deputados do PT
começaram a recolher assinaturas para enxugar o texto. Querem deixar claro que
a missão dos militares se limita a “assegurar a independência e a soberania do
país e a integridade do seu território”.
É um erro ver a reforma do artigo 142 como
uma causa de esquerda. A bandeira deveria ser empunhada pelo centro e pela
direita civilizada, que também sofreriam as consequências de um golpe.
Ontem o ministro Gilmar Mendes contou à
GloboNews que o general Eduardo Villas Bôas o procurou para perguntar se era
“correta” a interpretação bolsonarista do artigo 142. Na época, ele comandava o
Exército e era apresentado como um militar legalista.
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