quarta-feira, 15 de fevereiro de 2023

Lu Aiko Otta - Ruído nos juros tem custado caro ao país

Valor Econômico

Programa de ajuste precisa começar a acontecer

Seria bom que o governo concluísse logo o debate sobre mudanças na meta de inflação. A cacofonia tem custado caro ao país. E vamos combinar que, depois de quatro anos de cercadinho, não precisamos de mais ruídos.

O gráfico abaixo, elaborado pelo Valor Data, mostra a evolução dos juros longos. No caso, o custo das Notas do Tesouro Nacional (NTN) série B com vencimento em 2050. No dia 6 de fevereiro, o primeiro dia útil após a intensificação da pressão política sobre o Banco Central, a taxa atingiu 6,6% ao ano. Tal nível só havia sido registrado antes em abril de 2016, no pré-impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff.

O juro subiu para níveis de crise. Foi na direção contrária à buscada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Num ambiente assim, o Tesouro Nacional tem vendido menos títulos, como mostrou este jornal em sua edição de ontem. Como em outros momentos de turbulência, passou a leiloar lotes menores de papéis, até para não sancionar preços que considera exagerados. Tem pago parte dos vencimentos da dívida pública com as reservas do “colchão de liquidez”, prudentemente reforçado ao longo de vários meses que antecederam a eleição.

Esse climão não condiz com um país que tem sido saudado no mundo como a bola da vez, a economia prestes a decolar como nova potência verde e fonte de energia limpa.

A contradição existe porque a ideia de reduzir as metas de inflação para 2024 e 2025 e, supostamente, abrir caminho para a redução dos juros pareceu voluntarista. É aquela sensação de nova matriz macroeconômica que está no ar desde a campanha eleitoral.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem se esforçado para sinalizar aos agentes econômicos que não é bem assim e que o rombo nas contas públicas será domado. Tem a seu favor o fato de haver conquistado o grau de investimento para a cidade de São Paulo quando prefeito. Lançou um pacote de R$ 243 bilhões logo no dia 12 de janeiro. Além disso, tem prometido para as próximas semanas a proposta de um novo arcabouço fiscal que terá por objetivo controlar o endividamento. A reforma tributária foi alçada à condição de prioridade e a expectativa é que agregue 1% ao crescimento do Produto Interno Bruto (PIB). Mas, como se admite nos corredores do ministério, falta acontecer. Com 45 dias de governo, há pouco resultado a mostrar em termos de ajuste fiscal.

Pelo contrário, o Congresso resiste a reinstituir o voto de qualidade no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), que responde por R$ 50 bilhões do pacote. E, a julgar pelas últimas duas semanas, não deve ser pacífica a retomada da cobrança dos tributos federais sobre combustíveis, com a qual se esperam receitas de R$ 28,8 bilhões este ano.

A concretização do pacote de janeiro, aliado ao andamento do arcabouço fiscal e da reforma tributária, ajudaria a construir uma perspectiva de sustentabilidade nas contas públicas. A partir desse ponto, aí sim, seria possível debater a política de juros de uma forma útil para o país.

Os pontos de debate são muitos. Não há quem negue que a taxa de juros básica do Brasil, hoje em 13,75%, é alta. Em seu desdobramento mais recente, a disparada da Selic trouxe dificuldades para empresas endividadas, e pode estar se formando um novo “meteoro” no mercado de crédito.

Muitos especialistas acham que uma meta de inflação de 3% para 2024 e 2025 é exageradamente rigorosa. O próprio Banco Central analisou manter o objetivo permanentemente em 3,5%. Há também, não é de hoje, uma discussão sobre como aplicar o regime de metas de inflação.

São discussões válidas, mas que não deveriam tomar energia que seria mais bem empregada na aprovação das medidas que abririam um caminho incontroverso para a queda dos juros.

Quando assumiu o Ministério da Fazenda, em 2003, o ex-ministro Antonio Palocci alertou numa reunião com empresários do topo: “Preparem-se. O PT é pura emoção”. Vinte anos depois, o modo de decisão de Lula baseado no debate parece intocado. Não faltarão, nos próximos meses, tretas em torno da condução da economia.

Nesse ambiente, será importante zelar pelas instituições e pela estabilidade das regras do jogo, para que todos possam ter clareza sobre o que está se passando e qual o rumo traçado à frente.

A autonomia do Banco Central é um exemplo. É uma medida que protege a condução dos juros do ciclo político. Sua instituição contou pontos na avaliação de risco do Brasil e contribuiu positivamente para um dos objetivos do atual governo, que é recuperar o grau de investimento para o país. Foi uma medida construída no Congresso Nacional. Não por acaso, a cúpula do Legislativo reagiu aos ataques de Lula.

Foi pela recuperação de um ambiente de normalidade institucional que o presidente recebeu os votos decisivos de que precisava para chegar ao Palácio do Planalto. Vieram de uma parcela da população que o apoiou não por causa de sua gestão econômica, mas apesar dela. Isso não deveria sair do radar.

 

Um comentário:

Anônimo disse...

…depois de 4 anos não precisamos de mais ruídos. Perfeito, espero que seja ouvido e praticado pelos atuais .