Correio Braziliense
A viagem do petista aos Estados Unidos e seu
encontro com o presidente Biden demonstram que a rota histórica de nossas
relações internacionais se mantém tendo por norte o Ocidente
A visita do presidente Luiz Inácio Lula da
Silva à Casa Branca, para um encontro com o presidente Joe Biden, muda o eixo
da política externa brasileira, que volta ao Ocidente, por razões geopolíticas
e político-ideológicas. Se num primeiro momento a política externa do governo
de Jair Bolsonaro fora de alinhamento absoluto com a política de Donald Trump,
com a vitória do democrata a política externa brasileira havia nos levado a um
afastamento dos Estados Unidos e a uma aliança tácita com os regimes iliberais
da Europa Oriental, da África e do Oriente Médio. Bolsonaro estava se tornando
um espelho do presidente russo Vladimir Putin.
O cientista político Luiz Werneck Vianna, logo no começo do governo Bolsonaro, foi um dos intelectuais a primeiro destacar que a democracia brasileira estava sob alto risco, não apenas por causa de um governo reacionário, “que faz do seu desmonte o seu objetivo estratégico”, mas também porque “uma parte de sua sociedade abandonou sua afeição por ela”. Uma de suas causas foi “o descaso com a organização da vida popular e a descrença no papel que uma cidadania ativa pode desempenhar nas democracias”.
Muito antes do assalto aos palácios da
Praça dos Três Poderes, Werneck nos advertia dos riscos de que uma “ralé de
novo tipo, com extração nos setores das camadas médias, em busca da fama e da
riqueza fácil, inebriadas pelo mito pós-moderno da personalidade”, vislumbrasse
na sociedade indefesa a sua hora e a sua vez. Dizia que a infiltração desses
vândalos em postos importantes no sistema da representação política era uma
grave ameaça “à obra ainda inacabada da civilização brasileira”.
“O Brasil não é uma ilha, e faz parte desde
sua origem do sistema capitalista mundial, filho do Ocidente, sua formação
nacional se forjou sob a influência das correntes de ideias que nos vinham da
França, no Império, segundo a modelagem operada pelo Visconde do Uruguai, e, na
República, dos EUA, que inspiraram em larga medida a sua primeira Constituição
em 1891, obra em grande parte derivada da influência de Ruy Barbosa na sua
redação”, dizia.
A derrota de Bolsonaro interrompeu o
caminho para a barbárie, mas parece que a verdadeira dimensão dos riscos que
corríamos está se perdendo, mesmo diante do que aconteceu no dia 8 de janeiro.
Lula está sendo tratado por nossas elites, principalmente aquelas que apoiaram
Bolsonaro no primeiro e segundo turnos, como um líder populista terceiro-mundista
de meados do século passado, ao contrário da percepção da opinião pública
mundial e da maior parte dos líderes do Ocidente. E, às vezes, parece gostar
disso.
Raízes do Brasil
Nesse aspecto, a viagem de Lula aos Estados
Unidos e seu encontro com o presidente Biden demonstram que a rota histórica de
nossas relações internacionais se mantém tendo por norte o Ocidente. Retoma-se
o eixo democrático da diplomacia do Barão do Rio Branco, de Joaquim Nabuco e de
Osvaldo Aranha. Oriente e Ocidente não são apenas espaços geopolíticos, são
culturas, valores e conceitos que remontam há 4 mil anos de processo
civilizatório, desde a antiguidade grega. A história viajou do Oriente, seu
começo, para o Ocidente, a sua modernidade. A pós-modernidade, porém, por causa
da China, é uma nova disputa entre Ocidente e Oriente no plano das estruturas
políticas.
O Brasil não tem como fazer um percurso
diferente, mesmo tendo um pé no Oriente ibérico, como nos mostrou Sérgio
Buarque de Holanda, em Raízes do Brasil. Um dos traços característicos dos
povos ibéricos é a cultura da personalidade, que consiste em se apegar a uma
pessoa, mais do que a seus títulos ou posição social. O personalismo é a marca
de uma sociedade que não consegue se organizar por si mesma. Relações sociais
são marcadas pela empatia, seja a familiar, seja de afinidade. O personalismo,
portanto, atravessa todas as camadas sociais. Nele, a obediência também é vista
como virtude e sinônimo de lealdade. Um pouco da polarização política existente
no país decorre desse fenômeno, que vale para Bolsonaro e para o presidente
Lula.
Entretanto, Lula tem a obrigação de
compreender os riscos desse fenômeno. A herança da escravidão e a da estrutura
agrária colonial estão na raiz da desigualdade social brasileira, da formação
da nossa elite econômica e política tradicional. Isso tudo tem um preço.
Acabamos de nos livrar de um governo inspirado na experiência neoliberal
chilena, que trabalhou para desconstruir o acervo social-democrata dos governos
da redemocratização, mas também a herança liberal republicana que deu
sustentação ao Estado brasileiro nos momentos de predomínio da democracia na
vida nacional.
Talvez a conversa de Lula com Biden nos
ajude a olhar para a frente. O presidente norte-americano acaba de fazer um
discurso sobre o Estado da Nação que reposiciona os Estados Unidos em várias
dimensões. As mais importantes são a defesa da democracia e de uma política
econômica voltada para a reindustrialização do país, defesa do meio ambiente,
combate às desigualdades e inclusão das minorias. Entretanto, o fantasma de
Donald Trump, que manteve seu controle sobre o Partido Republicano e lidera a
extrema direita norte-americana, ronda a Casa Branca. Existe muita convergência
entre a situação de Biden e a de Lula. Isso é muito mais importante do que as
boas relações com Argentina, Venezuela e Cuba.
3 comentários:
Excelente
O tempo passa e o Trump vai ficando mais encrencado e enjoativo. O gagá cada dia que passa vai perdendo mais e mais eleitores. Os jovens dizem que não votam nele de jeito algum. Trump nem nazista é, mas uma caricatura de nazismo. Ele na verdade não é nada somente um agente laranja bobão que virou da corte.
Concordo.
Postar um comentário