quinta-feira, 16 de fevereiro de 2023

Maria Cristina Fernandes - Haddad toma posse

Valor Econômico

Ministro costura trégua com Lula e com o mercado

Quarenta e cinco dias depois do início do governo, Fernando Haddad tomou posse pela segunda vez como ministro da Fazenda. Ao contrário do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que o fez ao demitir o comandante do Exército, a segunda posse de Haddad não aconteceu por uma canetada. Deu-se ao longo desta semana por sucessivos sinais - desde a volta de Washington, onde conversou com Lula sobre a trégua, à reunião desta quinta no Conselho Monetário Nacional.

A segunda posse também teve discurso. Ao contrário daquele de 2 de janeiro, desprovido de plateia expressiva do PIB ou do primeiro escalão do governo, o desta quarta se deu sob a presença dos grandes gestores da dívida pública do país. Três deles - Luis Stuhlberger (Verde), André Jakurski (JGP), Rogério Xavier (SPX) - administram mais de R$ 100 bilhões. Precederam a fala do ministro e convergiram na crítica aos defensores “dogmáticos” da meta de inflação - “São os mesmos que aplaudiram quando o juro foi a 2%”, disse Xavier, que acusou o Banco Central de Roberto Campos Neto de “barbeiragem” e teve a anuência de seus pares.

Xavier dirigiu-se a Haddad, que, àquela altura já estava sentado à plateia, e disse: “Não é o meu caso, mas ninguém tem coragem de dizer que não sente segurança fiscal no que está sendo proposto, ministro”. Antes mesmo de Haddad começar a falar, sua gestão já tinha sido identificada pelos donos do dinheiro como vítima do dogmatismo do mercado e das barbeiragens da política econômica do bolsonarismo.

Ao anfitrião que, na transição, foi um dos focos de resistência ao nome de Haddad para a Fazenda, só restou lhe estender tapete vermelho. “O ministro tem sido uma voz de serenidade e compromisso como Brasil”, disse o presidente do Conselho de Administração do banco, André Esteves, ao apresentá-lo, emendando elogios ao pacote fiscal e à sua “disciplina e responsabilidade”, com menção ao grau de investimento obtido pela Prefeitura de São Paulo sob sua gestão.

Quando Haddad começou a falar, ficou claro por que Lula, em seu primeiro compromisso depois de Washington, emudeceu sobre economia. No aniversário de 43 anos do PT na noite de segunda, o presidente chorou três vezes ao longo de um discurso de 18 minutos. Estava de volta ao palanque, mas nenhuma lágrima foi provocada pela inflação, pelos juros ou pelo Banco Central. O tema, na trégua combinada, ficaria com Haddad, ou com os bodes na sala, como a presidente do partido, Gleisi Hoffmann, que, naquela noite, monopolizou a pancadaria.

Naquela mesma noite, Campos Neto foi ao Roda Viva. Além de não ter esclarecido a razão de ter votado de verde-amarelo ou o risco fiscal que pautou a ata do Copom, só faltou pedir desculpas a Haddad por ter custado a reconhecer os esforços fiscais de sua gestão. A evidência de que o jogo era combinado viria no dia seguinte quando o ministro confirmou a ausência da mudança da meta de inflação da reunião do CMN sinalizada por Campos Neto.

O jogo só não foi combinado com André Lara Resende que, ao Valor, antecipou muitas das críticas ouvidas no BTG à política monetária e até no discurso de Haddad. Pelo tom habitual, porém, o economista, paradoxalmente, acabou servindo aos propósitos da segunda posse do ministro. Lara Resende acertou no diagnóstico sobre a ausência de críticos, no governo, à política monetária, que levou Lula a se expor na tarefa. Tanto que personagens inesperados, como o vice Geraldo Alckmin, agora se apresentaram para a tarefa. Ao assumir a ofensiva e instigar outros a fazê-lo, Lara Resende acabou por valorizar o apelo conciliatório de Haddad.

Foi este o papel no qual o ministro se esmerou na manhã desta quarta. Sem as ironias que marcam seu discurso, Haddad distribuiu, com habilidade, os recados. Não se arvorou a mandar um para o presidente da República, mas sinalizou os termos da trégua ao dizer que, ao aceitar o convite para o cargo, havia dito a Lula que seu plano de voo era resgatar os oito anos da política econômica de seu governo. Sinalizou à sua plateia que pretende ir além. “Não acertou em tudo, mas nesses 40 anos em que acompanho política econômica, aqueles oito foram os mais virtuosos”.

O ministro fez questão de sublinhar que, neste resgate, não esquecerá as maldades: “Ele tomou medidas impopulares, inclusive em relação ao salário mínimo e à Previdência, mas colheu rapidamente os frutos de uma política que favoreceu os vulneráveis sem desfavorecer nenhum segmento”.

Depois respondeu a Stuhlberger, para quem o Brasil está por merecer estadistas que mirem o longo prazo. No conceito de Haddad, é a aceitação, com dignidade, de uma derrota que define, numa democracia, o estadista.

Convergiu ipsis literis no diagnóstico de Lara Resende de que é preferível focar na taxa de juros a chamar a atenção para a meta de inflação, mas emendou num recado que serviria de carapuça para o economista: “Não me lembro de nenhum prêmio Nobel convidado para o Tesouro americano. Há outros atributos em jogo”.

Depois respondeu a Campos Neto - “Temos matriz fiscal, creditícia e regulatória para destravar o investimento, mas com taxa de 8% ex-ante fica difícil navegar” - mas assim como o presidente do Banco Central reconheceu os esforços fiscais de sua proposta, também o fez com sua política monetária: “Ninguém cumpre meta no mundo. Quem mais se aproximou fomos nós, mas a um custo enorme depois da irresponsabilidade que foi tentar reverter uma eleição com gasto”.

Emendou numa estocada nas mesas de operação, mas sem a virulência de outros tempos: “Entendo a ansiedade do mercado e da meninada que fica dando ordem de compra e venda, mas as telas tiram a concentração”.

E, finalmente, buscou desfazer a reputação “professor-de-deus”. Não apenas abusou de expressões como “não sou dono da verdade”, “temos que ser humildes diante do objeto [a economia]”, “tem que ter sangue frio”, como atribuiu à ministra do Planejamento, Simone Tebet, a ideia de antecipar de abril para março a apresentação das novas regras fiscais com o propósito de ampliar o prazo de discussão.

A trégua tem chance de se estender até lá. Haddad não vai ganhar todas. Já está contratada sua derrota no reajuste do salário mínimo e na tabela do Imposto de Renda. O acordo sobre o Carf no Supremo ainda corre risco no Congresso. Não deixa de ser alvissareiro, porém, que, depois de quatro anos de bolsonarismo, o vetor dos conflitos volte a apontar para o lugar de onde nunca deveria ter saído.

 

3 comentários:

Anônimo disse...

Sensacional esta coluna! Parabéns à autora e ao blog por divulgar este texto excepcional!

Anônimo disse...

Diferentemente de leitões e rosas que pululam e palpitam no jornalismo econômico, Maria Cristina Fernandes sabe o que está dizendo, sabe como dizer e sabe explicar, encantar e orientar o leitor, desmistificando o assunto

ADEMAR AMANCIO disse...

Justamente.