sexta-feira, 16 de junho de 2023

Hélio Schwartsman - Barbárie prisional

Folha de S. Paulo

Quebrar dedos de encarcerados é chocante, mas não surpreende

"Procedimento" é o nome que se dá a uma técnica de tortura de presos que já foi identificada em pelo menos cinco estados do país. Consiste em utilizar cassetetes para quebrar dedos das mãos dos presidiários.

A notícia choca, mas não surpreende. Pelo menos desde o célebre experimento da prisão de Stanford, de 1971, sabemos que a estrutura prisional é propensa a abusos. Ali, o psicólogo social Philip Zimbardo recrutou um grupo de alunos considerados mentalmente sãos e, por sorteio, definiu que metade deles faria o papel de guardas e metade o de presos numa simulação de encarceramento. Bastaram algumas horas para que os guardas começassem a maltratar os presos, e a coisa se agravou tanto que o experimento foi interrompido por razões éticas.

No mundo real, essa tendência fica muito mais exacerbada, pois o encarceramento não é encenado, grande parte dos presos de fato cometeu crimes e ainda operam várias desigualdades raciais e sociais que inexistiam no experimento original.

Evitar abusos em prisões depende de criar e manter vigilância ativa contra eles, tarefa em que o Brasil falha miseravelmente. O próprio STF já reconheceu um "estado de coisas inconstitucional" em nossos presídios. Um leitor mais kantiano poderia perguntar-se como, diante dessa constatação, a corte permite que eles sigam em funcionamento.

Meu ponto é que não basta melhorar a prevenção aos abusos. Também precisamos prender menos, muito menos. Minha posição, que está longe de consensual, é que a pena de privação de liberdade deve ser reservada a casos muito especiais, em que o condenado não consegue interagir socialmente de forma não violenta. Para todos os demais, precisamos encontrar outras sanções, que conservem o valor dissuasório e reparativo da pena, mas não transformem instituições do Estado em linha de montagem de violações a direitos humanos e em agências de RH para organizações criminosas.

 

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

Muito bom o artigo.