Revista Veja
Lamentamos e choramos derrotas no futebol, mas não na ciência
Em 2014, o Brasil teve um dos mais tristes dias de sua história: choramos porque nossa seleção de futebol perdeu para a Alemanha por 7 a 1, e ainda hoje lamentamos o resultado. Agora soubemos que a Índia pousou uma nave na Lua, além de ter enviado um satélite para a órbita de Marte e um foguete em direção ao Sol. Mas não houve constrangimento nacional por termos ficado para trás na corrida espacial. Foi como se não tivéssemos interesse nesse campeonato. Não debatemos as causas de nossa derrota tão retumbante, por um país com renda per capita equivalente a 1/3 da brasileira. Durante os dias seguintes a essa derrota não houve tristeza nas ruas, nem discursos no Congresso, nenhuma CPI foi convocada. No máximo algumas lembranças da explosão do nosso foguete em Alcântara há vinte anos. A derrota para a Alemanha será superada em Copas seguintes, mas a recuperação na corrida espacial exigirá décadas.
Uma das causas do sucesso indiano é que seu
programa espacial faz parte de uma ideia maior: a Índia desenvolveu uma vontade
nacional pelo progresso científico e tecnológico. O pouso de sua nave na Lua
foi comemorado com tanta intensidade, inclusive pelas crianças, quanto nós
comemoramos ganhar a Copa do Mundo. A Índia nos ensina a querermos ser campeões
em ciência e tecnologia. Sua primeira lição é nos despertar para nosso atraso,
entender onde falhamos, definir a estratégia necessária e executá-la de forma
contínua, através de sucessivos governos ao longo dos anos futuros.
“Faz parte do projeto indiano a ênfase no
ensino de ciências e matemática”
Os indianos definiram a estratégia pela
qual o desafio tem sido enfrentado com a cooperação do setor estatal junto com
indústrias privadas, setor militar, universidades, centros de pesquisas e com
unidade política ampla e de longo prazo. Muitos argumentaram que não seria
justo enviar naves ao espaço antes da abolição da pobreza, mas o país decidiu
que se justificava canalizar energias para esse propósito de orgulho nacional,
até porque esses gastos não seriam suficientes para reduzir o nível de miséria
e também porque a pesquisa espacial promove resultados positivos em diversas
áreas, inclusive no enfrentamento da questão social.
Precisamos aprender que fez parte da
estratégia indiana a ênfase no ensino de ciências e matemática desde o ensino
fundamental, para criar a base dos recursos humanos necessários ao
desenvolvimento científico e tecnológico. O fato de que todos aprendem inglês
desde as primeiras séries do ensino fundamental facilitou o acesso do país à
comunidade científica e tecnológica internacional.
Ao pousar na Lua, a Índia nos dá a lição do
poder da vontade nacional para enfrentarmos desafios, nos mostra a relevância
da unidade política de que o Brasil precisa para realizar as metas. Graças ao
nosso potencial econômico e científico, temos condições de participar da
disputa espacial se a sociedade e nossas lideranças assumirem o compromisso da
retomada de nosso antigo programa, com metas ambiciosas de longo prazo, como
pousar na Lua. Ao mesmo tempo, devemos nos unir para executar objetivos mais
urgentes. Nossas lutas imediatas são a erradicação do analfabetismo e a
implantação de um sistema nacional público capaz de assegurar educação de base
com qualidade igual para todos. Até porque o alcance dessas metas nos ajudaria
a realizar os outros propósitos nacionais, inclusive chegar um dia a Marte,
algumas décadas depois da Índia.
Publicado em VEJA de 15 de setembro de 2023, edição nº 2859
Um comentário:
"Muitos argumentaram que não seria justo enviar naves ao espaço antes da abolição da pobreza" - acho que estes estavam certos, não o governo que decidiu mandar seus foguetes pro espaço! A Índia pousou uma nave na Lua e mandou outra para o Sol, mas isto mudou a situação de pobreza da maioria da sua população? O colunista acha que mudará, mas eu duvido!
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