O Estado de S. Paulo
A idolatria do Estado não é privativa de Lula, é uma mania que não sai da cabeça de milhões de brasileiros
Sempre me pareceu que Lula nutre uma especial
simpatia por Cuba; simpatia que não se deve apenas às praias e à hospitalidade
dos cubanos, mas também ao que eles pensam a respeito do Estado e da economia.
Como eles, Lula, se pudesse, estatizava até os salões de beleza. Imagino como ficou constrangido, dias atrás, quando viajou a Havana a fim de cobrar os US$ 500 milhões que devem ao BNDES. Enquanto isso, em São Paulo, na terça-feira passada (3/10), os sindicatos fizeram greve contra a eventual privatização da Sabesp, alegando que o serviço irá piorar. Os sindicalistas por certo se esqueceram de como era tempos atrás a telefonia. Lembro-me de que, naquela época, residindo no Rio de Janeiro, num apartamento na Avenida Rainha Elizabeth, eu tinha de caminhar até uma farmácia próxima e entrar numa fila de pelo menos meia dúzia de pessoas. A espera podia demorar uma hora ou duas, porque o telefone não dava linha. Furiosos, os que chegavam ao aparelho o esmurravam, acreditando que assim ele por fim funcionasse. Hoje, os próprios sindicalistas recorrem ao celular para agilizar a convocação da greve.
Lula deve ter lido ou ao menos ouvido falar
de Albert Hirschman, um dos gênios da ciência econômica do século passado. Hirschman
tinha o dom de fazer o óbvio soar como uma grande novidade. Escreveu, por
exemplo, que modelos de crescimento bem-sucedidos sempre trazem embutidos
fatores de obsolescência, pois foram concebidos para resolver algum conjunto
específico de problemas e, assim, destravar a economia num dado período
histórico. É o que está acontecendo na China neste preciso momento. Os
formuladores da política econômica estão quebrando a cabeça para impedir o
declínio da taxa de crescimento do país, que se manteve altíssima a partir do
governo de Deng Xiaoping, que logrou a proeza de combinar seu Estado
totalitário com o dinamismo de uma economia de mercado. Conseguiu isso
reprimindo brutalmente o consumo. Agora, o país precisa compatibilizar o férreo
controle político que mantém sobre a sociedade com a economia de mercado, mas
como operar esse milagre sem permitir um aumento substancial do consumo?
Mercado sem consumidores é uma contradição em termos.
Mas voltemos ao Brasil. A idolatria do Estado
não é privativa de Lula, é uma mania que não sai da cabeça de milhões de
brasileiros. Remonta à Revolução de 30. Naquela ocasião, como todos se lembram,
as forças comandadas por Getúlio Vargas desfecharam um golpe para impedir a
posse do presidente eleito, Júlio Prestes. O mesmo aconteceu na Argentina, com
a derrubada do presidente Hipólito Yrigoyen. Desde então, os dois países
passaram a ter muito em comum. Ambos aderiram à idolatria da empresa estatal (e
a ditaduras), fórmula que haveria de nos levar aos píncaros do desenvolvimento.
Mas com uma importante diferença: nossos irmãos do Sul eram riquíssimos – a
renda anual per capita de seu país era superior à de vários países da Europa –
e despencaram para o nível atual, rente ao Quarto Mundo. Uma apagada e vil
tristeza.
O Brasil não caiu tanto porque não tinha de
onde cair, não estava na mesma altura. Ao contrário, até conseguiu crescer
bastante durante algumas décadas, recorrendo à chamada Industrialização
Substitutiva de Importações (Isis) e incorporando a vasta mão de obra miserável
que vinha para o Sudeste maravilha a bordo dos paus-de-arara. Depois, estancou,
e nem podia ser diferente, uma vez que o modelo de crescimento se baseava (como
ainda se baseia) num forte predomínio do Estado sobre o setor privado, num
delirante fechamento da economia em relação ao exterior, ao conhecido viés
ideológico contra investimentos estrangeiros e, não menos importante, ao nosso
conhecido descalabro na educação e na pesquisa científica e tecnológica.
Neste momento, em Brasília, as autoridades
econômicas e o Congresso estão se contorcendo para fechar o Orçamento de 2024
e, mesmo logrando seu objetivo este ano, sabem que tal situação se repetirá no
ano seguinte. Como fechar as contas? E, se mal conseguimos fechá-las
atualmente, como poderemos voltar a um padrão de crescimento sustentável? Só
com investimentos públicos, como reza a vigente ideologia do nacional-desenvolvimentismo?
Lula e o Congresso Nacional tirariam bom
proveito de seu tempo se lessem o importante estudo do professor Edmar Bacha
sobre o descabido grau de fechamento de nossa economia. Bacha mostra que, desde
a Segunda Guerra Mundial, 12 países conseguiram escapar da “armadilha do baixo
crescimento” e se juntar ao seleto grupo dos países desenvolvidos, todos eles
abrindo vigorosamente suas respectivas economias. São eles: Austrália,
Cingapura, Coreia do Sul, Espanha, Grécia, Hong-Kong, Irlanda, Israel, Noruega,
Nova Zelândia, Portugal e Taiwan. Em todos eles, a distribuição da renda
melhorou. Vários deles são países pequenos, é certo. Nós temos o azar de manter
uma economia fechada, com uma péssima distribuição da renda e de sermos um país
enorme, o que só agrava o problema. •
*Sócio-diretor da Augurium Consultoria, é membro das Academias Paulista de Letras e Brasileira de Ciências
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