quinta-feira, 12 de outubro de 2023

Míriam Leitão - O que liga Israel aos palestinos

O Globo

A sobrevivência de Israel depende da existência de um estado palestino livre, afirma Michel Gherman, coordenador do Instituto Brasil-Israel

A sobrevivência de Israel depende da existência de um estado palestino livre. Essa é a convicção do professor Michel Gherman. Em entrevista que me concedeu, o historiador da UFRJ e coordenador do Instituto Brasil-Israel fala da dor dos judeus nestes dias e da profunda crise política de Israel. Gherman define o que aconteceu no sábado, com o ataque terrorista do Hamas, com uma frase forte. “A gente está falando do pior dia para o povo judeu desde o holocausto”.

Há muitas cenas sendo descritas, mas uma delas já seria suficiente para ilustrar essa afirmação. No kibutz de Be’eri, que fica perto da fronteira, os terroristas do Hamas entraram e mataram todos os jovens de 15 a 17 anos que estavam quase na idade de irem para o Exército.

—Uma geração inteira foi exterminada.

Voltando um pouco no tempo, ele diz que já houve possibilidade de convivência entre palestinos e judeus naquela região.

— Eu estive uma vez em Gaza. Fui para comer um peixe. Hoje uma pessoa como eu não pode ir a Gaza. As colônias agrícolas perto da fronteira são de movimentos ligados à esquerda sionista, ao progressismo sionista. Aqueles que investiram durante muito tempo na construção de um acordo entre palestinos e israelenses. Havia um contato cotidiano, não só de ‘você trabalha para mim, e eu sou muito seu amigo’. Havia uma construção de horizontes, de expectativas. Mas a partir de 2005, ou um pouco antes, isso se rompeu — diz o professor.

Por outro lado, diz, é muito difícil ser palestino em Gaza. Em parte pelo fechamento da área determinada por Israel e em parte pela opressão do próprio Hamas.

— A cidade de Hamas não era religiosa, era mais secular do que se imagina. O Hamas é um movimento que lembra as milícias. O direito das mulheres é absolutamente complicado para não falar em outras minorias. Há uma comunidade cigana em Gaza que é muito perseguida.

Depois de um evento tão traumático como esse, o que vai acontecer? Michel Gherman se diz “absolutamente pessimista e profundamente otimista”. Ele acha que estamos num momento da história em que o ponteiro para. Pode ser que ocorra algo “ainda pior do que já foi com a produção do ódio como agenda política”. Mas tudo é tão terrível que pode acabar abrindo uma janela de oportunidade.

Ele acha que o atentado é apenas uma parte do projeto bem pensado do Hamas. A segunda etapa seria provocar o envolvimento do Hezbollah na fronteira norte, e levar o conflito a se espalhar por outros países, a começar do Irã. Perguntei se ele achava possível a entrada militar de Israel em Gaza por terra.

— Entradas por terra já aconteceram muitas e há treinamento para isso, o problema é que há várias questões no momento. O Sul de Israel foi pego sem proteção, concretamente o Exército de Israel não conseguiu proteger a sua população dentro da fronteira e isso muda a percepção da possibilidade de invasão. E ainda tem os reféns. Tem uma questão psicológica envolvida: se o Exército não nos protegeu aqui dentro, como protegerá lá fora? E isso tem a ver com a crise política.

O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, como se sabe, tentava promover uma redução dos poderes do judiciário num movimento conhecido da extrema direita, em que se ataca a democracia oferecendo segurança. Só que ele falhou em entregar a segurança. O governo se enfraqueceu ainda mais. Uma pesquisa da terça-feira mostrou que 55% da população querem que ele renuncie.

O programa que fiz com Gherman na GloboNews foi gravado de manhã, e ele falou da possibilidade de um acordo com a oposição tendo como uma das âncoras o ex- primeiro-ministro Benny Gantz.

Foi o que aconteceu durante a tarde. Ele acha que nesse cenário, Benny Gantz pode acabar virando o próximo primeiro-ministro.

No fim do programa eu perguntei se há a possibilidade de paz sem que haja o estabelecimento de um estado Palestino. Ele disse que não.

—O fim da ocupação dos territórios palestinos ocupados em 1967 com a criação de um estado palestino é bom para o mundo, é bom para Israel. Israel tem a sua sobrevivência garantida na existência de um estado palestino livre, justo e vivendo em paz com Israel, com lideranças moderadas e no qual o Hamas deixe de ser relevante. Sem isso, a democracia de Israel está em risco, não por causa da invasão, mas por causa da ocupação.

 

2 comentários:

Daniel disse...

Um pouco de bom senso é sempre interessante. Especialmente o último parágrafo!

ADEMAR AMANCIO disse...

Verdade.