Folha de S. Paulo
Tarifas ainda são o principal instrumento de
qualquer política industrial bem-sucedida
Meu caro vice-presidente e ministro do
Desenvolvimento, escrevo-lhe esta carta para lhe falar de política
industrial e de tarifas aduaneiras. Sim, tarifas aduaneiras. Li hoje uma
excelente reportagem na revista CartaCapital sobre o projeto de política industrial
que você e sua equipe estão prestes a concluir. Como seus assessores observam,
é realmente uma nova política industrial.
Nova porque ela não se estrutura por setores,
mas por missões: construir cadeias industriais sustentáveis, consolidar o
complexo industrial da saúde, desenvolver a infraestrutura, promover a
transformação digital, desenvolver a bioeconomia, desenvolver tecnologias
estratégicas. Para cada missão haverá um grupo de trabalho a cuidar da
implantação e da supervisão das políticas industriais. Parece-me tudo ótimo.
Não tenho nada a acrescentar.
Quero, porém, discutir os instrumentos.
Curiosamente, a expressão "política industrial" só passou a ser
regularmente utilizada depois da "virada neoliberal" de 1980. Antes,
os países em desenvolvimento praticavam a política industrial, mas não usavam
esse nome, e, sim, política de substituição de importações.
O grande instrumento de política industrial que era então usado eram as tarifas aduaneiras. O neoliberalismo naturalmente criticou violentamente a política de substituição de importações, chamando as tarifas de "protecionistas". Tiveram êxito porque, a partir dos anos 1980, o neoliberalismo se tornou dominante em toda parte e porque o modelo de substituição de importações já estava dando sinais de relativo esgotamento.
O que sobrou para o mundo subdesenvolvido,
para nós, foi a política industrial, que também era criticada pela nova
"verdade", mas com menos ênfase. Porque estava baseada em subsídios
fiscais e creditícios que o Império sabia serem limitados porque caros. Mesmo,
portanto, que usássemos política industrial, não iríamos longe.
Na periferia do capitalismo, nos países em
desenvolvimento, nós, economistas desenvolvimentistas, aceitamos docemente a
nova ordem das coisas. Criticávamos duramente o neoliberalismo, mas esquecemos
as tarifas, como se elas houvessem perdido sentido.
Meu caro Alckmin, as tarifas não perderam
sentido. Elas continuam ou devem continuar a ser o principal instrumento de
qualquer política industrial bem-sucedida. Estou propondo que você as considere
no seu projeto de política industrial.
Estaria eu sugerindo que voltemos à política
de industrialização por substituição de importações? Não, a indústria brasileira
já não é uma indústria infante. Pode sê-lo em novos setores, mas isso não
legitima voltarmos a essa política. Ela foi fundamental no início da
industrialização, mas essa fase está superada.
Como justificar, então, que voltemos a usar
tarifas? As tarifas elevadas que tivemos até 1990 –o ano da desastrosa
liberalização comercial– não se justificavam apenas pelo argumento da indústria
infante (que não era mais aplicável), mas também pelo argumento da
neutralização da doença holandesa. Como esse segundo fato não foi considerado,
a liberalização comercial desencadeou um violento processo de
desindustrialização.
Mas há uma justificação mais geral. Os dois
argumentos anteriores —o da indústria infante e o da neutralização da doença
holandesa– supõem que, não existindo os dois problemas, o mercado internacional
garantirá que os recursos econômicos serão aplicados pelos países de forma
ótima. Ora, sabemos que essa é a tese da ortodoxia neoliberal –que sempre se
mostrou falsa quando aplicada.
Não estou propondo que voltemos às tarifas
elevadas adotadas no período de grande desenvolvimento do Brasil (1950-1980) e
ainda na crise dos anos 1980. Devemos, porém, usar tarifas aduaneiras
sistematicamente. Usá-las como instrumento de política industrial ao lado dos
subsídios.
Mas, poderão alguns arguir, o sistema
tarifário brasileiro tem problemas –especialmente o fato de protegermos mais os
insumos do que os bens acabados. Isso é verdade, mas daí não segue que devamos,
primeiro, fazer uma reforma tarifária e depois usar as tarifas como instrumento
de política industrial. Reduzir as tarifas de importação de insumos básicos
envolve um processo difícil e demorado; usar tarifas aduaneiras no quadro da
nova política industrial é algo que pode ser feito imediatamente.
*Professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (1987, governo Sarney), da Administração e da Reforma do Estado e da Ciência e Tecnologia (1995-1998 e 1999, governo FHC)
Um comentário:
Exatamente!
Postar um comentário