quinta-feira, 28 de dezembro de 2023

Vinicius Torres Freire - A nova anistia para golpistas

Folha de S. Paulo

Tiranetes estão soltos, aberração institucional continua: 2023 teve escassa 'normalização'

O Brasil vai voltando à "normalidade institucional" ou "democrática", lê-se em vários balanços deste 2023. No mais das vezes, esse juízo é moderado pelo gerúndio.

Ainda assim, trata-se de otimismo, ingenuidade, tentativa de tapar o sol com a peneira ou cumplicidade com o estágio atual do arranjo desta democracia mais pervertida do que de costume.

Está claro que deixamos de ter um presidente golpista. Mais do que isso, o governo procura aparar as barbaridades maiores dos anos de trevas (2019-2022) e tem um programa de garantir ou ampliar direitos constitucionais, modesto na ambição, na criatividade política e fraco na prática.

Difícil que vá além. O desastre social, econômico e político que herdou é enorme, há muito o que fazer. Além do mais, o bloco político do governo é o mais minoritário da redemocratização. Assim é no Congresso. Assim é por causa do tamanho do eleitorado no outro lado das trincheiras, do domínio regional do conservadorismo, do tamanho do sentimento antiesquerda etc.

Isto posto, continua essa crise democrática que vem pelo menos de 2014-15. Faz apenas um ano que bolsonaristas tentaram explodir o aeroporto de Brasília, gente que confabulava terrorismos diante do Quartel-General do Exército.

Como se sabe, foi de lá também que saiu o grosso da malta golpista que depredou as sedes dos Poderes. Essa é a evidência anedótica da disseminação popular do programa golpista.

Outros golpismos foram esquecidos, convenientemente. Boa parte do eleitorado o apoia, tacitamente —apenas 8% dos eleitores de Jair Bolsonaro em 2022 se arrependem do voto, diz o Datafolha.

Os militares coadjuvantes do projeto de tirania de Bolsonaro saíram de fininho. O processo dos generais-comparsas mal anda. As Forças Armadas, o Exército em particular, teriam "voltado aos quartéis", embora nem admitam que tenham saído de lá.

Saíram, o que ficou escandaloso depois que o general Villas Bôas afiou a baioneta nas fuças do STF em 2018, quando os ministros tratavam de um habeas corpus para Luiz Inácio Lula da Silva. A participação dos militares no plano de golpe e na destruição institucional foi extensa.

Quantos irão para a cadeia? Quanto vai durar a "volta para os quartéis"? Até 2018, havia a ilusão de que os militares haviam se recolhido democraticamente à caserna. Na prática, está havendo outra anistia para a baderna autoritária.

O Congresso engatilha várias represálias contra o Supremo. Em si, não é má a ideia de empurrar os ministros do STF de volta para os seus quarteis. A politização e as exorbitâncias do tribunal apenas aumentaram na última década e meia, por aí.

Mas os motivos do centrão-direitão são também outros, muito ruins: vingança contra a Justiça que condenou justamente parlamentares e desejo de tolher atribuições constitucionais (como o julgamento de constitucionalidade).

Na pororoca, vêm a indignação contra planos de decisões "progressistas" (aborto, maconha, terra indígena) e outras que limitam o uso desavergonhado de dinheirama (emendas).

O STF foi um uma fortaleza contra as intentonas autoritárias do bolsonarismo. Era de certo modo uma guerra suja; o Supremo bateu-se com as armas que havia, mas excepcionais, no mau sentido. De resto, não é de agora que administra acordões e o ritmo de processos a fim de influenciar o jogo político.

Em que pé estão os processos de Bolsonaro, família e comparsas? Integrante plena do sistema de poder, essa gente agora tem uma outra espécie de foro privilegiado: é julgada de acordo com as conveniências políticas do momento, boas ou más. O tribunal morde e assopra na medida de suas necessidades e arbítrio.

Durma-se com uma normalidade desta. E há muito mais barulho.

 

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